A verdade sobre a Ilha do Marajó além da
desinformação e fake news da extrema-direita
A miséria e exploração
sexual infantil na Ilha do Marajó, no Pará, voltaram a repercutir nas redes
sociais nesta semana, numa ação aparentemente coordenada e que envolve contas
ligadas à extrema-direita nas redes sociais, que se mobilizaram após a música “Evangelho
de Fariseus”, da cantora gospel Aymeê, que cita o drama na região, se
tornar um hit na internet.
A partir disso, rostos
carimbados da extrema-direita, como a ex-ministra dos direitos humanos Damares
Alves e outros políticos e influenciadores bolsonaristas, usaram a pauta para
disseminar desinformação e acabaram alcançando lugar de destaque em perfis de
celebridades ou páginas de fofoca.
Os supostos casos de
exploração sexual infantil na ilha do Marajó, entrelaçados com imagens e vídeos
que defendem o trabalho de Damares na região, viraram conteúdo viral na
internet. Sem analisar o que está por trás de todo o material, muitos começaram
a compartilhar o trabalho de assistencialismo do Instituto Akachi,
entidade evangélica que faz “missões” no Marajó, mas que tem relações estreitas
com a extrema-direita do país.
Conforme apontado pelo
ativista Ale Santos, a cantora que viralizou aparece em foto com o pastor Lucas
Hayashi, líder da igreja Zion Church, encabeçada por Junia e Teófilo Hayashi –
dois pastores que transformaram suas igrejas em franquias milionárias e são
próximos a membros do ex-governo de Jair Bolsonaro, como Damares.
“A música da cantora
reascendeu uma mobilização que favorece bastante essa igreja há anos. Qual será
o interesse econômico dessas missões no Marajó?“, questionou.
·
Missões evangélicas
Um dos eventos de
grande destaque da franquia evangélica é o The Send Brasil, “que mistura
nacionalismo com cristianismo importado dos EUA” e conta com apoio do Jovens
com Uma Missão (JOCUM), que mira “evangelizar” a juventude e já chegou a ser
expulso da região amazônica pelo Ministério Público (MP). Uma das edições da
programação em 2020, que aconteceu em Brasília, contou inclusive com a presença
de Bolsonaro e Damares.
À época, o canal do
The Intercept Brasil no Youtube publicou
denúncia que acusava o evento de doutrinar jovens evangélicos politicamente. Em
defesa da franquia, Henrique Krigner, um dos representantes do evento no Brasil
e parte da liderança do Dunamis – um movimento brasileiro paraeclesiástico originado
da JOCUM – publicou vídeo de resposta.
Henrique Krigner, que
já foi candidato a vereador em São Paulo pelo PP, é o presidente
do Instituto Akachi, que está no centro do caso de Marajó. Segundo eles, o
trabalho de assistencialismo no arquipélago “resgata as pessoas vulneráveis
para Cristo“, mas para isso é preciso de doações.
Conforme apuração
do GGN, até a tarde de ontem (23), a página da entidade no Instagram
contava com 318 mil seguidores e potenciais doadores. Após a ação coordenada
com os influenciadores, o número saltou para 554 mil em menos de 24 horas.
“O que me chamou
atenção foi a coordenação de grandes influenciadores que provavelmente
receberam um briefing, uma pasta com imagens prontas e uma história sobre
tráfico sexual no Marajó. Eles não questionaram, afinal, quem vai questionar a
exploração sexual de crianças é um monstro. É exatamente assim que as ongs
evangélicas usam o pânico pra ganhar poder político usando temas sensíveis,
inquestionáveis de modo que desarma o senso crítico e não faz você pensar de
onde vem a informação e quem está ganhando espaço com ela“, afirmou Ale Santos.
·
Damares no centro
Não à toa, Damares
usou o assunto para se promover. “O Marajó pede socorro e não é de hoje“,
escreveu a política em seu perfil no X, afirmando que tentou resolver o
problema no governo de Jair Bolsonaro, com o programa “Abrace Marajó”, alvo de críticas e protestos de agentes que trabalham na região.
Em setembro passado, o
Ministério Público Federal (MPF) inclusive ajuizou uma ação civil pública
contra a ex-ministra, por declarações falsas dadas durante um culto evangélico
em Goiânia, em outubro de 2022. Na ocasião, Damares afirmou que as crianças do
Marajó eram traficadas para exploração sexual, tinham dentes arrancados para
não morderem durante a prática do sexo oral e comeriam comida pastosa para o
intestino ficar livre para o sexo anal.
Segundo o MPF, as informações divulgadas pela senadora eram “falsas e
sensacionalistas”. A procuradoria pediu o pagamento de multa de R$ 5 milhões por Damares. A Justiça ainda não deu uma sentença
definitiva sobre o caso.
Além disso, um outro
vídeo que viralizou por mostrar dezenas de crianças sendo transportadas em um
carro não foi gravado na região da Ilha de Marajó e nem retrata um caso de
tráfico humano. A cena foi registrada no Uzbequistão em setembro de 2023,
quando uma professora foi parada pela polícia por excesso de passageiros.
·
A verdade
Organizações
não-governamentais (ONGs) como o Observatório do Marajó e a Cooperação da
Juventude Amazônica para o Desenvolvimento Sustentável (Cojovem) publicaram uma
nota pública contra as publicações que “visam desarticular trabalho social que
já existe na região”.
“A propaganda que
associa o Marajó à exploração e o abuso sexual não é verdadeira: a população
marajoara não normaliza violências contra crianças e adolescentes. Insiste
nessa narrativa quem quer propagá-la e desonrar o povo marajoara“, diz trecho
da nota.
“Redes criminosas de
exploração sexual de crianças e adolescentes impulsionam mobilizações que
chamam atenção para regiões com precariedades institucionais, como um apito
para chamar criminosos para esses espaços“, afirma outro trecho.
“Não espalhe mentiras
sobre o Marajó nas redes e nem caia em desinformação e pânico moral!“, completa
o trecho.
Ø
Criado por Damares, programa 'Abrace o
Marajó' acumula denúncias por irregularidades e fake News
Alvo de uma nova
mobilização da extrema direita nas redes sociais e na mídia tradicional nesta
semana, o programa "Abrace o Marajó", lançado pela então ministra dos
Direitos Humanos do governo de Jair Bolsonaro, Damares Alves, foi alvo de uma série de denúncias de órgãos de controle antes
de ser revogado pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva em setembro de
2023.
A suspensão da
iniciativa foi usada como arma para críticas ao atual governo depois que uma
cantora gospel apresentou, em um programa de calouros, uma música que faz
denúncias a problemas sociais e ambientais na ilha paraense. Foi o gatilho para
uma mobilização que envolveu parlamentares bolsonaristas, influencers e
robôs.
Em relatório
apresentado em julho de 2022, ainda com Bolsonaro no poder, a Comissão de
Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia da Câmara dos
Deputados apontou que "as populações diretamente interessadas no programa
não foram previamente consultadas, não participaram de sua elaboração e que o
programa está à serviço de interesses outros que não os das populações
locais".
A Comissão da Câmara,
na ocasião, propôs a revogação do programa, destacando que Damares e Bolsonaro
entregaram o poder de decisão aos órgãos públicos e garantiram "voz e
influência apenas a fazendeiros e empresários".
A denúncia de falta de
diálogo foi reforçada pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), que
participou de visita técnica junto à comissão da Câmara que elaborou o
relatório. "Era um projeto que não beneficiava ninguém que estava no
Marajó, mas beneficiava quem vinha se aproveitar das riquezas do Marajó.
É um programa que não ajuda o Marajó, então o que a gente quer é uma profunda revisão deste
projeto", disse o presidente da Repam, Dom Evaristo Spengler.
Em agosto de 2023,
a Agência Pública noticiou que a Controladoria Geral da União (CGU) apontou
irregularidades em ações do programa, com
possíveis prejuízos aos cofres públicos. Segundo a CGU, as perdas poderiam ser
de cerca de R$ 2,5 milhões.
Hoje senadora pelo
Republicanos-DF, Damares foi às redes sociais tentar justificar o fracasso do
programa, criado, segundo ela, para "unir governos e a sociedade civil
para a melhoria do IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] da região".
Segundo Damares, a pandemia de covid-19 fez com que os recursos previstos para
a região fossem transferidos para o combate à doença. "Ficou essa sensação
de missão não cumprida. E que só aumentou quando o Lula e o ministro cancelaram
o programa", disse.
"O ministro"
citado por Damares é Silvio Almeida, atual titular do Ministério dos Direitos Humanos e
Cidadania (MDHC). Passou pela pasta a decisão do governo Lula de encerrar o
programa após análises de indicadores que mostram o fracasso da iniciativa.
Como exemplo, a cobertura vacinal nos municípios da ilha, que caiu de
59,20% em 2019 para 42,20% em 2022; e a taxa de mortalidade infantil, que
passou de 7,54 em 2018 para 7,89 em 2022.
Ainda em 2022, no
contexto da campanha eleitoral, Damares foi denunciada por espalhar notícias
falsas sobre torturas e abusos contra crianças marajoaras. Ela chegou a dizer
que crianças tinham os dentes extraídos para não morderem durante a prática de
sexo oral. A ex-ministra foi denunciada à Justiça pelo Ministério Público
Federal (MPF), que pede indenização de R$ 5 milhões à
população da ilha.
·
Novo programa tem ações concretas
O ministério hoje
chefiado por Almeida lançou, ainda em maio de 2023, o programa "Cidadania
Marajó", com foco no enfrentamento de situações de abuso e exploração
sexual de crianças e adolescentes e na promoção de direitos humanos e garantia
de acesso a políticas públicas.
Em uma das primeiras
ações, forças de segurança federais (como Polícia Federal e Polícia Rodoviária
Federal) foram acionadas para dar apoio a ações de desarticulação das redes de
exploração, abuso e violência sexual na região. A Secretaria Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente, vinculada ao MDHC, iniciou, ainda em
2023, tratativas com o governo paraense para formalizar convênios que
garantirão investimentos na criação de dois Centros de Atendimento Integrados
de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violências.
"A realidade de
exploração sexual na região sabe-se preocupante e histórica, mas não autoriza
sua utilização de forma irresponsável e
descontextualizada. Isso apenas serve ao estigma das
populações e ao agravamento de riscos sociais. As vivências das populações
tradicionais do Marajó não podem ser reduzidas à exploração sexual, já que é
uma população diversa, potente em termos socioambientais e que necessita
sobretudo de políticas públicas estruturantes e eficientes, com a inversão da
lógica assistencialista e alienante de sua realidade e modos de vida",
destacou o Ministério ao apresentar o programa.
Ø
RELEMBRANDO:
<<<<< Documentos
apresentados por Damares não comprovam suas denúncias
Documentos
apresentados pela assessoria da ex-ministra da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos e senadora eleita, Damares Alves (Republicanos-DF), não
comprovam a veracidade de suas denúncias sobre casos de violência sexual contra
crianças da Ilha de Marajó, no Pará.
De acordo com
reportagem, o Estadão analisou 2.093 páginas referentes a investigações de três
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPIs) que deveriam provar os relatos de
Damares. No entanto, não foram encontrados os fatos que a ex-ministra diz terem
ocorrido.
Entre os documentos,
estão papéis da CPI da Pedofilia, de 2010, com 1.696 páginas. Também foi
enviado um conteúdo de 284 páginas de uma CPI da Assembleia Legislativa do
Pará, que foi criada em 2010 para apurar práticas de violência e abuso sexual
contra crianças e adolescentes no Estado. Um terceiro relatório, de 113
páginas, traz informações da CPI dos maus-tratos, concluída em 2018 pelo
Senado.
Nenhum dos documentos
apresentam alguma citação do que foi dito pela ex-ministra. Apenas apontam,
como ocorre em diversas regiões do País, que crimes de violência sexual estão
presentes no Pará e em Marajó.
·
O que foi dito por Damares
Durante um culto
religioso no último domingo (9), na igreja evangélica Assembleia de Deus
Ministério Fama, em Goiânia (GO), Damares afirmou que, enquanto ministra, teria
descoberto em visita ao arquipélago do Marajó (PA) casos de crianças vítimas de
tráfico humano.
“Nós temos imagens
de crianças de quatro anos, três anos que, quando cruzam as fronteiras, tem
seus dentes arrancados para não morderem na hora do sexo oral. (…) Nós
descobrimos que essas crianças comem comida pastosa para o intestino ficar
livre para a hora do sexo anal“, declarou.
·
Damares na mira da Justiça
Após as afirmações, a
senadora eleita se tornou alvo de
pedidos de esclarecimentos do Ministério Público Federal (MPF) e da
Procuradoria-Geral da República (PGR), já que ela estava à frente da pasta na
época dos crimes.
A PGR recebeu um
pedido de investigação sobre possível crime de “prevaricação” da ex-ministra,
uma vez que cabia à então ministra “adotar providências” sobre denúncias que
disse ter recebido.
Na terça-feira (11), a
Procuradoria Federal dos Direitos do estabeleceu um prazo de três dias para que
o Ministério da Mulher, da Família e dos Direito Humanos preste informações
sobre todas as denúncias de violência contra crianças que recebeu desde 2016.
Além disso, o Ministério Público do Pará (MPPA) solicitou ao Ministério
informações sobre possíveis crimes relatados
pela ex-ministra.
A Polícia Civil do
Pará ainda afirmou, por meio de nota, que não existe “nenhum registro referente
aos modos de atuação descritos pela ex-ministra” e encaminhou “ofício
solicitando documentos e mídias citadas” por Damares para iniciar “de forma
urgente investigação sobre os fatos relatados”, segundo o Uol.
·
Posicionamento do Ministério
Na terça-feira, o
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos se manifestou, por meio
de nota, afirmando que as declarações de Damares foram baseadas nos “numerosos
inquéritos já instaurados que dão conta de uma série de fatos gravíssimos praticados
contra crianças e adolescentes”.
·
“Denúncias” de Damares não chegaram às
autoridades responsáveis
Nem a Polícia Federal
e nem o Ministério Público Federal (MPF) tiveram conhecimento dos crimes
cometidos contra crianças na ilha do Marajó, no Pará, ao contrário do que
afirmou a ex-ministra e senadora eleita Damares Alves (Republicanos) no último
sábado.
Nesta segunda-feira
(10/10), o Ministério Público Federal (MPF) enviou ofício à secretária executiva do Ministério da
Mulher, Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), Tatiana Barbosa de Alvarenga,
solicitando dados sobre os crimes citados pela ex-ministra.
O MPF também pede que
o MMFDH informe quais providências tomou ao descobrir os casos e se houve
representação (denúncia) ao Ministério Público ou à Polícia.
Ao mesmo tempo, fontes
da Polícia Federal ouvidas pela jornalista Malu Gaspar, do jornal O Globo, afirmaram que diversos crimes de pedofilia
na região Norte estão em investigação, mas nenhum deles com as características
listadas pela ex-ministra.
Nem mesmo a Secretaria
de Segurança Pública do Pará, que poderia ter sido acionada caso os crimes
listados pela senadora eleita fossem denunciados, recebeu denúncias
relacionadas a tais crimes.
·
Suposto tráfico de
menores
Em culto evangélico
realizado no último final de semana na cidade de Goiânia (GO), Damares afirmou
que crianças do Marajó são traficadas para o exterior e submetidas a mutilações
corporais e a regimes alimentares que facilitam abusos sexuais.
Além disso, Damares
ressaltou aos presentes que o número de estupros de recém-nascidos “explodiu” e
que o Ministério possui imagens de crianças de oito dias de vida sendo
estupradas.
Segundo a ex-ministra,
um vídeo de estupro de crianças é vendido por preços entre R$ 50 e R$ 100 mil.
Fonte: Jornal GGN/Brasil
de Fato
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