4 lições
de Jane Goodall, lenda do meio ambiente e da primatologia, para regenerar a
Terra
Guerras,
epidemias, perda de biodiversidade, desastres climáticos acentuados pelas mãos
humanas, desigualdade econômica crescente, insegurança alimentar, polarização e
fanatismo político, escravidão moderna, ecoansiedade...Vivemos tempos de
ebulição que nutrem angústias cotidianas. Haverá um antídoto contra esses males
e a paralisação que geram? Com mais de oito décadas de vida e uma jornada ímpar
pela conservação, a famosa primatologista e naturalista Jane Goodall cresceu
durante a Segunda Guerra Mundial, aprendeu sobre a morte e como a natureza
humana pode ser cruel e brutal, ao mesmo tempo que amorosa, compassiva e
corajosa.
Seu
trabalho pioneiro mudou a forma como percebemos nossos parentes mais próximos
do reino animal, os chimpanzés. Incansável, foi decisiva na pressão contra o
uso de primatas como cobaias em laboratórios e na conscientização ambiental de
milhares de pessoas pelo globo. Por meio do instituto que fundou -- o Jane
Goodall Institute --, viaja inspirando plateias em diferentes países a proteger
o planeta que compartilham. Ação, diz ela, é base de sua esperança, e um
antídoto.
Ao
longo de encontros presenciais e online (em parte gravados durante a pandemia
de covid-19) com o escritor Douglas Abrams, autor do best-seller do New York
Times Contentamento: O segredo para a felicidade plena e duradoura (2017),
a conservacionista compartilha sua jornada de vida e lições aprendidas
no “Livro da Esperança: um guia de sobrevivência para tempos
difíceis” (editora Sextante, 2023). Nele, elenca razões que sustentam sua
crença positiva no destino da humanidade e nos servem de lição: o surpreendente
intelecto humano, a resiliência da natureza, a energia e comprometimento da
juventude e o indômito espírito humano.
·
maravilhoso intelecto humano
“O
que mais nos diferencia dos chimpanzés e de outros animais é o desenvolvimento
explosivo do nosso intelecto”, diz Jane. Segundo ela, a capacidade do homem de
analisar e solucionar problemas tornou nossa espécie “mestre” do mundo por meio
do progresso tecnicocientífico. Nas artes, na cultura e na capacidade de contar
histórias também os feitos são notórios. “Mas se somos tão mais inteligentes
que outros animais, como podermos agir com tanta estupidez?”, questiona
Douglas, sugerindo que é possível argumentar que esse mesmo intelecto
surpreendente gerou o mundo em desequilíbrio que vemos hoje.
Para
Jane, foi a maneira que utilizamos nosso intelecto que ocasionou as crises, não
o intelecto em si. “É uma mistura de ganância, ódio, medo e desejo pelo poder
que nos leva a utilizá-lo de maneira equivocada. A boa notícia é que um
intelecto capaz de criar armas químicas e inteligência artificial também
consegue inventar maneiras de curar o mal que fizemos a esse pobre planeta”,
pondera. Não faltam bons exemplos, e Jane elenca alguns deles: energia
renovável, agricultura regenerativa e permacultura, dieta mais baseda em
plantas, entre outras alternativas que respondem à urgente necessidade de
diminuirmos nossa pegada ecológica na Terra.
Sobre
a manchas na história humana deixadas por atos de crueldade e injustiça, a
naturalista afirma que da mesma forma que o homem promove a barbárie também se
destaca por atos de altruísmo únicos. “Nós, humanos, ajudamos o outro mesmo que
isso não traga nenhum impacto positivo óbvio para nossa vida”. Para ela, o ser
humano precisa perceber que só conseguirá atingir completamente seu potencial
se "a cabeça e o coração trabalharem juntos”. Este é o verdadeiro Homo
sapiens, homem sábio. E um passo necessário é aplicar essa sabedoria para
enfrentar quatro grandes desafios: diminuir a pobreza; reduzir o estilo de vida
insustentável dos mais ricos; eliminar a corrupção e encarar os problemas
causados por uma população mundial crescente e os rebanhos de animais.
·
Resiliência da natureza
A
natureza é uma escola de resiliência. Em ecologia, ser resiliente significa ter
a capacidade de se recuperar após perturbações ou mudanças significativas e
imprevisíveis no ambiente, como aquelas causadas por incêndios, enchentes,
secas, nevascas ou ataques que ferem as estruturas. “Achamos que somos mais
espertos do que a natureza, mas não somos, e precisamos ter humildade e
reconhecer que existe uma inteligência superior na natureza", crava.
Aprender com a resiliência do meio ambiente frente às intempéries é uma forma
de nos reconectarmos com a sabedoria da natureza.
Um
mês após 11 de setembro de 2001, dia do colapso das Torres Gêmeas, em Nova
York, uma pereira foi descoberta esmagada entre blocos de concreto por uma
funcionária da equipe que estava limpando os escombros. Tudo que tinha restado
eram metade do caule e raízes queimadas. Mas havia um galho vivo. Depois de
passar um longo período de recuperação em um centro de jardinagem, ela ficou
saudável o bastante para ser plantada no que hoje é o Memorial e Museu do Onze
de Setembro. Durante a primavera, ela floresce e leva muita gente às lágrimas.
Foi batizada de “A Árvore Sobrevivente”. Outro exemplo singular que Jane cita
em seu livro é o de duas árvores de cânfora de mais de 500 anos de idade que
sobreviveram à bomba atômica de Nagasaki, no Japão, consideradas por muitos
japoneses seres sagrados.
A
lista segue com menções a vastas áreas florestais que sofrem incêndios e meses
depois se recuperam, e também com exemplos de regeneração no mundo animal, como
o de lagartos e estrelas-do-mar que perdem parte da cauda e conseguem fazer
renascer o membro. Mas ainda assim, podemos indagar, não estamos levando nosso
planeta ao ponto do colapso, a um limite onde a resiliência é quebrada? A
própria floresta amazônica se aproxima cada vez mais do chamado “ponto de não
retorno”, com consequências nefastas para o clima no Brasil e no mundo,
espécies estão entrando em extinção em ritmo jamais visto, os oceanos se
acidificando com aumento da concentração de CO2 e o aquecimento global, entre
outros problemas que têm se agravado.
É
fácil perder a esperança diante desse cenário, reconhece Jane, mas ela acredita
que a força de vontade e ação solidária farão a diferença. “Todo dia impactamos
o planeta. É o efeito cumulativo de milhões de pequenas atitudes éticas que
fará a diferença”, afirma. Ela lembra que todo ser vivo tem a capacidade de
sobreviver e vicejar e que um dos trunfos da resiliência é a adaptabilidade.
Daí a necessidade inegociável da humanidade se adaptar às mudanças climáticas e de
desenvolver maneiras de desacelerá-las. Entre os caminhos que cita no livro
estão projetos de restauração florestal, recuperação e introdução de espécies
de plantas e animais nativos e esforços de conservação que impactam
positivamente comunidades locais.
·
Poder dos jovens
Apesar
de serem os que menos contribuem com a alta do termômetro mundial, os jovens
serão aqueles que mais sofrerão as consequências da crise climática em um
futuro envolto em previsões sombrias. Esse grupo tem arregaçado as mangas e
lutado por mudanças como poucos. Exemplos de ativismo jovem se alastram pelo
mundo, e este é um motivo de esperança para a primatologista, que há anos se
dedica a projetos de educação infantojuvenil em comunidades pobres pelo mundo.
O acesso à educação é, segundo ela, ponto-chave para enfrentar a crise
ambiental.
O
instituto Jane Goodall mantém o programa de ação comunitária Roots & Shoots
em mais de 68 países. Por meio dele, os participantes identificam e abordam
problemas nas suas comunidades, ao mesmo tempo que despertam para o senso da
cidadania global. A iniciativa surgiu em 1991, quando um grupo de 12
adolescentes locais reuniu-se com Jane em sua casa, na Tanzânia, ansiosos por
discutir uma série de problemas que tinham testemunhado na sua comunidade. Ela
ficou impressionada com a energia e o desejo daqueles jovens em desenvolver uma
solução para os problemas, e foi assim que nasceu o Roots & Shoots.
“Zombaram
do primeiro grupo Roots & Shoots por limparem uma praia sem serem pagos.
Mas logo uma explosão de atividade deu lugar a um novo fenômeno na Tanzânia: o
voluntariado. Aquele foi um programa de base e, aos poucos, outras escolas se
envolveram. Muitos grupos escolheram plantar árvores em pátios escolares sem
vegetação”, lembra Jane. Passados alguns anos, as escolas viram nascer áreas
sombreadas rodeadas por árvores e pássaros onde os estudantes podiam estudar e
relaxar. Por seu ímpeto em agir, os jovens são uma porta de esperança para um
mundo melhor. Muitos dos integrantes de programas passados do instituo
trabalham em prol do meio ambiente de alguma forma, sejam executivos,
jornalistas, urbanistas, professores e até políticos engajados com questões
ecológicas.
·
O indômito espírito humano
Cada
um tem sua definição de espírito, a depender da criação, educação, religião ou
crenças pessoais. Para Jane, é uma força energética. “Uma força interior que
provém da sensação que tenho de estar conectada ao grande poder espiritual que
sinto com tanta força, principalmente quando estou em meio à natureza”, conta.
Ela também fala em uma centelha de vida que anima todas as coisas viventes da
Terra, do menor dos insetos à maior das árvores. Vem dessa energia onipresente,
também, a sua quarta razão para nutrir esperança em tempos melhores: o que
chama de indômito espírito humano.
“É
a qualidade em nós que nos faz enfrentar o que parece impossível, e jamais
desistir. Apesar do escárnio e da zombaria dos outros, apesar do possível
fracasso”, explica. Como exemplos do indômito espírito humano cita Martin
Luther King Jr., que lutou pelo fim da discriminação racial e a desigualdade
econômica nos EUA, Nelson Mandela e sua luta pelo fim do Apartheid na África do
Sul, e Ken Saro-Wiwa, nigeriano que liderou manifestações não violentas contra
a poluição ambiental causada pela Royal Dutch Shell e que foi executado pelo
seu governo.
Jane
destaca que para além do intelecto e da capacidade de se adaptar, o ser humano
só prosperou na Terra graças à sua capacidade de imaginar novos mundos e
perseverar com resiliência, mas também por seu espírito indômito. Sua mensagem
principal para estes tempos de ebulição que exigem respostas rápidas e soluções
efetivas – que muitas vezes parecem distantes e impossíveis dada à escala de
problemas – é de que com coragem e determinação, o impossível se torna
possível. A mensagem é, em si, a jornada de sua vida.
Fonte:
Um só Planeta
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