sábado, 24 de fevereiro de 2024

A verdade sobre a Ilha do Marajó além da desinformação e fake news da extrema-direita

A miséria e exploração sexual infantil na Ilha do Marajó, no Pará, voltaram a repercutir nas redes sociais nesta semana, numa ação aparentemente coordenada e que envolve contas ligadas à extrema-direita nas redes sociais, que se mobilizaram após a música “Evangelho de Fariseus”, da cantora gospel Aymeê, que cita o drama na região, se tornar um hit na internet.

A partir disso, rostos carimbados da extrema-direita, como a ex-ministra dos direitos humanos Damares Alves e outros políticos e influenciadores bolsonaristas, usaram a pauta para disseminar desinformação e acabaram alcançando lugar de destaque em perfis de celebridades ou páginas de fofoca.

Os supostos casos de exploração sexual infantil na ilha do Marajó, entrelaçados com imagens e vídeos que defendem o trabalho de Damares na região, viraram conteúdo viral na internet. Sem analisar o que está por trás de todo o material, muitos começaram a compartilhar o trabalho de assistencialismo do Instituto Akachi, entidade evangélica que faz “missões” no Marajó, mas que tem relações estreitas com a extrema-direita do país.

Conforme apontado pelo ativista Ale Santos, a cantora que viralizou aparece em foto com o pastor Lucas Hayashi, líder da igreja Zion Church, encabeçada por Junia e Teófilo Hayashi – dois pastores que transformaram suas igrejas em franquias milionárias e são próximos a membros do ex-governo de Jair Bolsonaro, como Damares.

“A música da cantora reascendeu uma mobilização que favorece bastante essa igreja há anos. Qual será o interesse econômico dessas missões no Marajó?“, questionou.

·        Missões evangélicas

Um dos eventos de grande destaque da franquia evangélica é o The Send Brasil, “que mistura nacionalismo com cristianismo importado dos EUA” e conta com apoio do Jovens com Uma Missão (JOCUM), que mira “evangelizar” a juventude e já chegou a ser expulso da região amazônica pelo Ministério Público (MP). Uma das edições da programação em 2020, que aconteceu em Brasília, contou inclusive com a presença de Bolsonaro e Damares.

À época, o canal do The Intercept Brasil no Youtube publicou denúncia que acusava o evento de doutrinar jovens evangélicos politicamente. Em defesa da franquia, Henrique Krigner, um dos representantes do evento no Brasil e parte da liderança do Dunamis – um movimento brasileiro paraeclesiástico originado da JOCUM – publicou vídeo de resposta.

Henrique Krigner, que já foi candidato a vereador em São Paulo pelo PP, é o presidente do Instituto Akachi, que está no centro do caso de Marajó. Segundo eles, o trabalho de assistencialismo no arquipélago “resgata as pessoas vulneráveis para Cristo“, mas para isso é preciso de doações.

Conforme apuração do GGN, até a tarde de ontem (23), a página da entidade no Instagram contava com 318 mil seguidores e potenciais doadores. Após a ação coordenada com os influenciadores, o número saltou para 554 mil em menos de 24 horas.

“O que me chamou atenção foi a coordenação de grandes influenciadores que provavelmente receberam um briefing, uma pasta com imagens prontas e uma história sobre tráfico sexual no Marajó. Eles não questionaram, afinal, quem vai questionar a exploração sexual de crianças é um monstro. É exatamente assim que as ongs evangélicas usam o pânico pra ganhar poder político usando temas sensíveis, inquestionáveis de modo que desarma o senso crítico e não faz você pensar de onde vem a informação e quem está ganhando espaço com ela“, afirmou Ale Santos.

·        Damares no centro

Não à toa, Damares usou o assunto para se promover. “O Marajó pede socorro e não é de hoje“, escreveu a política em seu perfil no X, afirmando que tentou resolver o problema no governo de Jair Bolsonaro, com o programa “Abrace Marajó”, alvo de críticas e protestos de agentes que trabalham na região.

Em setembro passado, o Ministério Público Federal (MPF) inclusive ajuizou uma ação civil pública contra a ex-ministra, por declarações falsas dadas durante um culto evangélico em Goiânia, em outubro de 2022. Na ocasião, Damares afirmou que as crianças do Marajó eram traficadas para exploração sexual, tinham dentes arrancados para não morderem durante a prática do sexo oral e comeriam comida pastosa para o intestino ficar livre para o sexo anal.

Segundo o MPF, as informações divulgadas pela senadora eram “falsas e sensacionalistas”. A procuradoria pediu o pagamento de multa de R$ 5 milhões por Damares. A Justiça ainda não deu uma sentença definitiva sobre o caso.

Além disso, um outro vídeo que viralizou por mostrar dezenas de crianças sendo transportadas em um carro não foi gravado na região da Ilha de Marajó e nem retrata um caso de tráfico humano. A cena foi registrada no Uzbequistão em setembro de 2023, quando uma professora foi parada pela polícia por excesso de passageiros.

·        A verdade

Organizações não-governamentais (ONGs) como o Observatório do Marajó e a Cooperação da Juventude Amazônica para o Desenvolvimento Sustentável (Cojovem) publicaram uma nota pública contra as publicações que “visam desarticular trabalho social que já existe na região”.

“A propaganda que associa o Marajó à exploração e o abuso sexual não é verdadeira: a população marajoara não normaliza violências contra crianças e adolescentes. Insiste nessa narrativa quem quer propagá-la e desonrar o povo marajoara“, diz trecho da nota.

“Redes criminosas de exploração sexual de crianças e adolescentes impulsionam mobilizações que chamam atenção para regiões com precariedades institucionais, como um apito para chamar criminosos para esses espaços“, afirma outro trecho.

“Não espalhe mentiras sobre o Marajó nas redes e nem caia em desinformação e pânico moral!“, completa o trecho.

 

Ø  Criado por Damares, programa 'Abrace o Marajó' acumula denúncias por irregularidades e fake News

 

Alvo de uma nova mobilização da extrema direita nas redes sociais e na mídia tradicional nesta semana, o programa "Abrace o Marajó", lançado pela então ministra dos Direitos Humanos do governo de Jair Bolsonaro, Damares Alves, foi alvo de uma série de denúncias de órgãos de controle antes de ser revogado pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva em setembro de 2023.

A suspensão da iniciativa foi usada como arma para críticas ao atual governo depois que uma cantora gospel apresentou, em um programa de calouros, uma música que faz denúncias a problemas sociais e ambientais na ilha paraense. Foi o gatilho para uma mobilização que envolveu parlamentares bolsonaristas, influencers e robôs.

Em relatório apresentado em julho de 2022, ainda com Bolsonaro no poder, a Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia da Câmara dos Deputados apontou que "as populações diretamente interessadas no programa não foram previamente consultadas, não participaram de sua elaboração e que o programa está à serviço de interesses outros que não os das populações locais". 

A Comissão da Câmara, na ocasião, propôs a revogação do programa, destacando que Damares e Bolsonaro entregaram o poder de decisão aos órgãos públicos e garantiram "voz e influência apenas a fazendeiros e empresários".

A denúncia de falta de diálogo foi reforçada pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), que participou de visita técnica junto à comissão da Câmara que elaborou o relatório. "Era um projeto que não beneficiava ninguém que estava no Marajó, mas beneficiava quem vinha se aproveitar das riquezas do Marajó. É um programa que não ajuda o Marajó, então o que a gente quer é uma profunda revisão deste projeto", disse o presidente da Repam, Dom Evaristo Spengler.  

Em agosto de 2023, a Agência Pública noticiou que a Controladoria Geral da União (CGU) apontou irregularidades em ações do programa, com possíveis prejuízos aos cofres públicos. Segundo a CGU, as perdas poderiam ser de cerca de R$ 2,5 milhões.

Hoje senadora pelo Republicanos-DF, Damares foi às redes sociais tentar justificar o fracasso do programa, criado, segundo ela, para "unir governos e a sociedade civil para a melhoria do IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] da região". Segundo Damares, a pandemia de covid-19 fez com que os recursos previstos para a região fossem transferidos para o combate à doença. "Ficou essa sensação de missão não cumprida. E que só aumentou quando o Lula e o ministro cancelaram o programa", disse.

"O ministro" citado por Damares é Silvio Almeida, atual titular do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC). Passou pela pasta a decisão do governo Lula de encerrar o programa após análises de indicadores que mostram o fracasso da iniciativa. Como exemplo, a cobertura vacinal nos municípios da ilha, que caiu de 59,20% em 2019 para 42,20% em 2022; e a taxa de mortalidade infantil, que passou de 7,54 em 2018 para 7,89 em 2022.

Ainda em 2022, no contexto da campanha eleitoral, Damares foi denunciada por espalhar notícias falsas sobre torturas e abusos contra crianças marajoaras. Ela chegou a dizer que crianças tinham os dentes extraídos para não morderem durante a prática de sexo oral. A ex-ministra foi denunciada à Justiça pelo Ministério Público Federal (MPF), que pede indenização de R$ 5 milhões à população da ilha.

·        Novo programa tem ações concretas

O ministério hoje chefiado por Almeida lançou, ainda em maio de 2023, o programa "Cidadania Marajó", com foco no enfrentamento de situações de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes e na promoção de direitos humanos e garantia de acesso a políticas públicas.

Em uma das primeiras ações, forças de segurança federais (como Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal) foram acionadas para dar apoio a ações de desarticulação das redes de exploração, abuso e violência sexual na região. A Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, vinculada ao MDHC, iniciou, ainda em 2023, tratativas com o governo paraense para formalizar convênios que garantirão investimentos na criação de dois Centros de Atendimento Integrados de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violências. 

"A realidade de exploração sexual na região sabe-se preocupante e histórica, mas não autoriza sua utilização de forma irresponsável e descontextualizada. Isso apenas serve ao estigma das populações e ao agravamento de riscos sociais. As vivências das populações tradicionais do Marajó não podem ser reduzidas à exploração sexual, já que é uma população diversa, potente em termos socioambientais e que necessita sobretudo de políticas públicas estruturantes e eficientes, com a inversão da lógica assistencialista e alienante de sua realidade e modos de vida", destacou o Ministério ao apresentar o programa.

 

Ø  RELEMBRANDO:

 

<<<<< Documentos apresentados por Damares não comprovam suas denúncias

Documentos apresentados pela assessoria da ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e senadora eleita, Damares Alves (Republicanos-DF), não comprovam a veracidade de suas denúncias sobre casos de violência sexual contra crianças da Ilha de Marajó, no Pará.

De acordo com reportagem, o Estadão analisou 2.093 páginas referentes a investigações de três Comissão Parlamentar de Inquérito (CPIs) que deveriam provar os relatos de Damares. No entanto, não foram encontrados os fatos que a ex-ministra diz terem ocorrido.

Entre os documentos, estão papéis da CPI da Pedofilia, de 2010, com 1.696 páginas. Também foi enviado um conteúdo de 284 páginas de uma CPI da Assembleia Legislativa do Pará, que foi criada em 2010 para apurar práticas de violência e abuso sexual contra crianças e adolescentes no Estado. Um terceiro relatório, de 113 páginas, traz informações da CPI dos maus-tratos, concluída em 2018 pelo Senado.

Nenhum dos documentos apresentam alguma citação do que foi dito pela ex-ministra. Apenas apontam, como ocorre em diversas regiões do País, que crimes de violência sexual estão presentes no Pará e em Marajó.

·        O que foi dito por Damares

Durante um culto religioso no último domingo (9), na igreja evangélica Assembleia de Deus Ministério Fama, em Goiânia (GO), Damares afirmou que, enquanto ministra, teria descoberto em visita ao arquipélago do Marajó (PA) casos de crianças vítimas de tráfico humano.

Nós temos imagens de crianças de quatro anos, três anos que, quando cruzam as fronteiras, tem seus dentes arrancados para não morderem na hora do sexo oral. (…) Nós descobrimos que essas crianças comem comida pastosa para o intestino ficar livre para a hora do sexo anal“, declarou.

·        Damares na mira da Justiça

Após as afirmações, a senadora eleita se tornou alvo de pedidos de esclarecimentos do Ministério Público Federal (MPF) e da Procuradoria-Geral da República (PGR), já que ela estava à frente da pasta na época dos crimes.

A PGR recebeu um pedido de investigação sobre possível crime de “prevaricação” da ex-ministra, uma vez que cabia à então ministra “adotar providências” sobre denúncias que disse ter recebido.

Na terça-feira (11), a Procuradoria Federal dos Direitos do estabeleceu um prazo de três dias para que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direito Humanos preste informações sobre todas as denúncias de violência contra crianças que recebeu desde 2016.

Além disso, o Ministério Público do Pará (MPPA) solicitou ao Ministério informações sobre possíveis crimes relatados pela ex-ministra.

A Polícia Civil do Pará ainda afirmou, por meio de nota, que não existe “nenhum registro referente aos modos de atuação descritos pela ex-ministra” e encaminhou “ofício solicitando documentos e mídias citadas” por Damares para iniciar “de forma urgente investigação sobre os fatos relatados”, segundo o Uol.

·        Posicionamento do Ministério

Na terça-feira, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos se manifestou, por meio de nota, afirmando que as declarações de Damares foram baseadas nos “numerosos inquéritos já instaurados que dão conta de uma série de fatos gravíssimos praticados contra crianças e adolescentes”.

·        “Denúncias” de Damares não chegaram às autoridades responsáveis

Nem a Polícia Federal e nem o Ministério Público Federal (MPF) tiveram conhecimento dos crimes cometidos contra crianças na ilha do Marajó, no Pará, ao contrário do que afirmou a ex-ministra e senadora eleita Damares Alves (Republicanos) no último sábado.

Nesta segunda-feira (10/10), o Ministério Público Federal (MPF) enviou ofício à secretária executiva do Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), Tatiana Barbosa de Alvarenga, solicitando dados sobre os crimes citados pela ex-ministra.

O MPF também pede que o MMFDH informe quais providências tomou ao descobrir os casos e se houve representação (denúncia) ao Ministério Público ou à Polícia.

Ao mesmo tempo, fontes da Polícia Federal ouvidas pela jornalista Malu Gaspar, do jornal O Globo, afirmaram que diversos crimes de pedofilia na região Norte estão em investigação, mas nenhum deles com as características listadas pela ex-ministra.

Nem mesmo a Secretaria de Segurança Pública do Pará, que poderia ter sido acionada caso os crimes listados pela senadora eleita fossem denunciados, recebeu denúncias relacionadas a tais crimes.

·        Suposto tráfico de menores

Em culto evangélico realizado no último final de semana na cidade de Goiânia (GO), Damares afirmou que crianças do Marajó são traficadas para o exterior e submetidas a mutilações corporais e a regimes alimentares que facilitam abusos sexuais.

Além disso, Damares ressaltou aos presentes que o número de estupros de recém-nascidos “explodiu” e que o Ministério possui imagens de crianças de oito dias de vida sendo estupradas.

Segundo a ex-ministra, um vídeo de estupro de crianças é vendido por preços entre R$ 50 e R$ 100 mil.

 

Fonte: Jornal GGN/Brasil de Fato

 

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