quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Potássio do Brasil e indígenas favoráveis à mineração são acusados de coação

Uma série de denúncias de assédios, coação, represálias, má fé e danos à saúde mental mostra a pressão que indígenas Mura estão sofrendo para aprovar o projeto da empresa Potássio do Brasil, do grupo canadense Forbes & Manhattan, em seu território, no município de Autazes, no Amazonas, na região do Baixo Madeira. O empreendimento tem também investimentos de acionistas locais e de outros países.

O projeto é defendido por políticos do Amazonas, entre eles o governador Wilson Lima (União Brasil), que é favorável ao garimpo e à mineração, e por ministros do governo Lula (PT) e pelo o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que ocupa o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. 

O empreendimento afeta diretamente a aldeia do Lago do Soares, que somente em agosto deste ano teve o Grupo Técnico de demarcação e delimitação constituído pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), mas também impactará outras comunidades indígenas e ribeirinhas. A empresa faz promessas de benefícios e pagamentos de royalties para tentar convencer os moradores a aceitar o chamado Projeto Autazes.

Relatos coletados pelo Ministério Público Federal (MPF) e por um grupo de advogados e juristas do Observatório de Direito Socioambiental e Direitos Humanos na Amazônia em áudios, vídeos, telefonemas, oitivas presenciais, documentos e videoconferências atestam a gravidade do que indígenas Mura contra a mineração estão sofrendo, especialmente nos últimos meses: risco de perder o emprego, exclusão de entrega de ajuda humanitária durante a seca; até ameaças de agressão física. Em um dos relatos colhidos pelo MPF, um indígena Mura disse que recebeu ameaça de uma tuxaua favorável ao empreendimento de que ela iria “amarrar e bater nele com chicote (lambar)”.

“A Potássio do Brasil, por meio de seu presidente e prepostos, vem prometendo construir escolas, postos de saúde, distribuir royalties e recursos aos Mura na região. E que lideranças do CIM (Conselho Indígena Mura) estão informando a todos os parentes que os indígenas ou aldeias contrários ao empreendimento ou às decisões tomadas pelo CIM não receberão qualquer recurso ou benefício”, diz um indígena, em depoimento ao MPF e incluído em Ação Civil Pública enviada à Justiça Federal nesta quarta-feira (15/11).

Segundo indígenas ouvidos pelo MPF, o que se divulga nas aldeias é que “o empreendimento vai acontecer de qualquer jeito, se concordarem receberão benefícios, se não concordarem ficarão sem nada”. A atividade de mineração é dada como certa, e pelos relatos dos indígenas favoráveis, não há outra opção a ser aceita.

“Simplesmente, simplesmente a Potássio teve consideração de colocar nossas aldeias, porque direito nenhum nós não temos, tá entendendo? E se de repente… se de repente nós não aceitássemos, de qualquer forma isso aí, a questão ia ser feita, tá entendendo?” , diz em áudio um indígena Mura para outro parente, tentando convencê-lo a aceitar o projeto, conforme consta em Ação Civil Pública do MPF.

Entre as ofertas apresentadas a cada aldeia está o valor de R$ 27 mil. Individualmente, lideranças também estariam recebendo valores fracionados de R$ 5 mil ou R$ 10 mil. Um dos indígenas ouvidos relatou que recebeu – e recusou – oferta de R$ 70 mil da empresa para apoiar o projeto.

“O psicológico de muitos Mura está impactado, professores que não estão dormindo direito nem conseguindo comer direito, pensando na crueldade que estão fazendo com os parentes Mura”, diz trecho de relato ouvido por procuradores da República.

Na quinta-feira (16/11), a juíza Jaiza Fraxe acatou parte do pedido do MPF e do Observatório – este em nome da Organização de Lideranças Indígenas Mura de Careiro da Várzea (OLIMCV) e da comunidade indígena do Lago do Soares, em Autazes – e determinou uma multa de R$ 1 milhão à Potássio do Brasil por descumprimento de deveres assumidos durante audiências de conciliação perante a Justiça, ao realizar pressão indevida ao povo Mura.

“Fica expressamente determinado à empresa Potássio do Brasil S/A, bem como seus prepostos, sejam indígenas ou não indígenas, Mura ou não, inclusive coordenação atual do CIM, favoráveis ao empreendimento, que se abstenham de qualquer assédio, cooptação, pressão, aliciamento, constrangimento, práticas ilícitas ou contato irregular contra parentes do povo Mura, devendo todos cumprirem o legítimo Protocolo Mura, construído por TODO O POVO e não pela vontade individual de alguns, alterada pelo oferecimento de vantagens ilícitas”, diz a magistrada.

Jaiza Fraxe também anulou uma consulta realizada nos dias 21 e 22 de setembro na aldeia Josefa/Terra Preta, em Autazes, quando representantes dos Mura teriam aprovado o empreendimento. A “aprovação” é contestada por diversos moradores das aldeias, que alegam nas oitivas realizadas pelo MPF que desconheciam o assunto da reunião. Segundo a magistrada, a consulta é ilegítima por ter “desconfigurado o Protocolo de Consulta” e ter feito “alterações esdrúxulas” ao documento.

Após essa pretensa consulta, indígenas Mura divulgaram o “apoio” publicamente, em evento no dia 25 de outubro com a presença do governador Wilson Lima, parlamentares e diretores da empresa Potássio do Brasil. Indígenas afetados negaram o apoio.

Jaiza também decidiu pela retirada imediata do indevido marco afixado no território indígena da Comunidade Soares, conforme revelado pela Amazônia Real, e fixou multa de R$ 500 mil à Potássio do Brasil S/A por dia de descumprimento e violações ao território Soares e a todo povo Mura da comunidade Soares, a contar da intimação da presente decisão.

Acatando pedido do MPF, ela também anulou o procedimento de licenciamento ambiental por parte do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) em razão dos “vícios mencionados e dos riscos de conflitos e morte que a continuação dos trâmites do empreendimento minerário neste cenário acarretam ao povo Mura na região”. Na decisão,  a juíza diz que o Conselho Indígena Mura e prepostos da empresa ré causaram “tumulto mediante coação, intimidações, pressões indevidas e oferecimento de vantagens, conforme depoimentos colhidos e mencionados no parecer ministerial”.

O MPF também afirma que os que se posicionaram favoráveis ao empreendimento (e portanto contra a demarcação do território Soares) não consultaram o principal interessado e impactado, ou seja, as lideranças e moradores da aldeia Soares. “Na prática, é como se vendessem objeto que não é seu, em explicação bem simples para entendimento geral”, diz trecho da ação.

Na reunião dos dias 21 e 23, indígenas Mura que defendem o projeto da empresa também decidiram, de forma arbitrária, retirar do Protocolo de Consulta a participação da Organização de lideranças indígenas Mura de Careiro da Várzea (OLIMCV). O Observatório de Direito Socioambiental e Direitos Humanos na Amazônia contestou essa decisão na sua ação civil pública enviada à Justiça Federal.

·        Disseminação de terror

De acordo com ação civil pública dos advogados do Observatório de Direito Socioambiental e Direitos Humanos na Amazônia, as lideranças e coordenação do CIM,  sob patrocínio da empresa Potássio do Brasil, “empenharam-se na disseminação de terror, falsas promessas, ameaças e desinformação”.

“A realidade é que muitas aldeias estão sem voz, pois manifestaram contrariedade aos interesses duvidosos do CIM e foram silenciadas, outras sendo falsamente representadas por um líder que não fala em nome de seus aldeados e ainda há aquelas que estão completamente ludibriadas pelas falsas informações que lhes foram passadas de forma desleal, mentirosa e desonesta”, afirma trecho do documento.

Natural da aldeia Guapenu, em Autazes, Herton Mura, assessor da OLIMCV, disse nesta quinta à Amazônia Real que está aliviado por ter conseguido comprovar a verdade e feliz pela minuciosa peça do MPF que esclareceu a realidade sobre o processo de consulta (entre aspas) que a Potássio tem passado aos financiadores.

“A empresa tem ‘vendido’ [o projeto] aos financiadores dizendo que já foi feito processo de consulta ao povo Mura e que os Mura por unanimidade aceitaram. Mas eles não falam ou não relatam o teor da verdade, a história completa. Infelizmente, a empresa conseguiu cooptar algumas lideranças, os cabeças, e com isso fizeram algumas manipulações. Isso já foi comprovado em relatos, áudios, fotos. Sem falar no protocolo de consulta, que foi violado”, disse Herton, que é um dos depoentes no MPF.

“O que a gente viu foi a empresa indo nas comunidades, falando de vantagens. Dizendo que se houvesse demarcação de terra que era para as lideranças se posicionarem contra. Inclusive, o CIM tomou essa postura de protelar contra a demarcação de Soares, que será afetada diretamente pelo empreendimento”.

Os relatos dos Mura ouvidos pelo MPF e pelo Observatório comprovam que a ofensiva em apoio à mineração não se restringe aos empresários e indígenas da etnia. Até mesmo indígenas de outros povos, em cargo público, se mostram favoráveis.

De acordo com Herton Mura, o diretor do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Jecinaldo Sateré, em reunião realizada em maio de 2023 com os Mura, disse que era preciso “ter cautela, que tem muito interesse federal no projeto Potássio, que o empreendimento deve sair de qualquer jeito, então os Mura deveriam refletir melhor em como fazer parte disto”. Segundo Herton, a fala de Jecinaldo “influenciou bastante na mudança de posições de algumas lideranças, pois ficaram ainda mais preocupados”.

O presidente da Fundação Estadual dos Indígenas (FEI), Sinésio Tikuna, também teria pressionado os Mura e colocando como condição de apoio às comunidades afetadas pela seca a autorização do empreendimento.

Indígenas das aldeias Ponta das Pedras e de Moyray, que são contra a mineração, afirmam que não receberam cestas básicas por conta da vazante extrema. Para eles, conforme consta no parecer do MPF, as aldeias foram excluídas propositalmente por Sinésio Tikuna. O presidente da FEI também teria ameaçado influenciar na demissão de um motorista do povo Mura que trabalha no Distrito Sanitário Especial Indígena de Manaus (Dsei Manaus).

Sob intensa pressão está o tuxaua Sérgio Nascimento, de Soares. Na sua oitiva ao MPF, ele contou que já foi procurado pelo presidente da Potássio do Brasil, Adriano Espeschit. Este mencionou uma oferta de R$ 1 milhão para cada aldeia, compra de um avião para Soares e de terrenos novos para outra área para onde os moradores da aldeia seriam transferidos. De acordo com Sérgio, o tuxaua da aldeia Urucurituba, Adinelson Pavão, conhecido como Piraca, que antes lutava por demarcação e era contra o empreendimento, agora é favorável. O GT criado pela Funai em agosto, contempla as duas comunidades.

A Amazônia Real procurou o tuxaua Piraca e este confirmou que, por decisão da maioria dos moradores aldeia, Urucurituba agora é a favor da exploração de potássio.

“Fiz uma reunião na aldeia e infelizmente a aldeia determinou que seria a favor do empreendimento, mas nada contra a demarcação. Somos a favor. Eu sou apenas a liderança. Só determino o que a aldeia determina. A aldeia determinou ser a favor. Não tomo decisão sozinho. A maioria das lideranças decidiu apoiar o Potássio do Brasil. O que vence é a maioria. Nesse momento não posso fazer nada”, disse.

 

Ø  Munduruku estão cada vez mais cercados pela soja e agrotóxicos

 

Cada árvore que cai na terra do povo Munduruku não significa apenas mais uma área da Amazônia sendo desmatada para dar lugar à soja. Para os indígenas, a invasão do agronegócio representa também o adoecimento do corpo e o esgotamento da espiritualidade, ensina o cacique Josenildo dos Santos da Cruz, 37 anos, que habita a Terra Indígena (TI) Munduruku e Apiaká do Planalto Santareno, em Santarém (PA). 

Josenildo recebeu a Agência Pública em 2019 para mostrar os riscos e violências que os indígenas enfrentam na luta para que os sojicultores saiam de seus territórios.

Na ocasião, a reportagem esteve em uma área entre duas glebas públicas federais, a Ituqui e a Concessão de Belterra, onde se localizam ao menos quatro aldeias indígenas, habitadas pelos Munduruku, e três comunidades quilombolas – Murumuru, Murumurutuba e Tiningu. 

Ao revisitar a região agora em 2023, nada mudou – ao contrário, piorou a situação. Os processos demarcatórios seguem sem definição, enquanto fazendas de grãos se expandem sobre territórios tradicionais. Em vez de floresta amazônica, o que se vê são vastos campos de soja.

O cacique está cansado de ver as denúncias feitas pela comunidade indígena serem ignoradas pelos governos estadual e federal. “A gente luta e pede que os órgãos ambientais façam o seu trabalho. Mas quando ligamos na Sema [Secretaria de Meio Ambiente do Pará], quando denunciamos, nada é feito. Parece que há um aparelhamento dentro dos órgãos de fiscalização”, afirma a liderança indígena. Por sua vez, a Sema afirma que a fiscalização em terra indígena é de responsabilidade dos órgãos federais.

·        Degradação

Desde o final da década de 1990, quando a soja entrou no Planalto Santareno, os indígenas têm visto a floresta tombar. Em 2008, os Munduruku reivindicaram a demarcação da TI Munduruku e Apiacá, uma área de 1,7 milhão de hectares que faz parte do território tradicional da etnia. Diante da morosidade do Estado, em 2015 os próprios indígenas demarcaram seu território, mas a Fundação Nacional do Índio (Funai) iniciou os estudos para a demarcação só em 2019, devido a uma intervenção do Ministério Público Federal (MPF) que culminou em um acordo entre o órgão, a Funai e a União. Mas nada mudou nos últimos quatro anos. 

A expectativa de Josenildo era de receber notícias sobre o estudo no final do mês de abril, o que não ocorreu. A Pública solicitou informações à Funai, que afirmou: “O procedimento demarcatório, em todas suas fases, especialmente em sua etapa de estudos, possui grande complexidade, dependendo de uma série de fatores e atores, não sendo possível definir expectativas de prazo”.

Segundo dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), mais de 600 indígenas residem nas quatro aldeias do território autodemarcado, que são: Açaizal, Amparador, Ipaupixuna e São Francisco da Cavada. Na Açaizal, aldeia em que Josenildo vive, localizada a oeste da área definida pela comunidade, é onde ocorre a maior degradação ambiental, devido ao avanço da monocultura. Também é o centro do conflito com os sojeiros.

A Pública teve acesso a um laudo técnico solicitado pelo MPF ao Instituto de Ciências e Tecnologia das Águas (ICTA), da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), que mostra o grau de destruição ambiental provocado pela soja. Entre 2018 e 2021, foram identificados mais de 100 hectares com sinais de alteração branda a forte na Açaizal, além de uma possível degradação de nascentes, associada ao processo de mudança de uso do solo. 

O documento “Avanço de Áreas Agrícolas na TI Munduruku do Planalto Santareno desde Início do Processo de Demarcação”, elaborado pelo professor doutor João Paulo de Cortes, constata o avanço do agronegócio para dentro dos limites de autodemarcação da TI. O laudo foi requisitado pelo MPF devido à percepção dos moradores locais da invasão da monocultura no território. Na área apontada com maior índice de degradação, foram identificados ao menos dez imóveis registrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR) com algum grau de sobreposição com as áreas alteradas identificadas através de imagens de satélite. 

Como apurou a Pública em 2019, na área total da TI, há 101 registros do CAR. A Funai conseguiu o bloqueio integral das glebas públicas onde estão as comunidades indígenas, até que terminem os trabalhos administrativos de demarcação. Ou seja, nenhuma dessas terras pode ser regularizada sem que todas as fases do processo demarcatório sejam cumpridas.

“O que a gente chama de área degradada é uma mudança da vegetação primária para uma vegetação mais rala e de solo exposto. O avanço é identificado a partir da evolução do uso do solo nas imagens de satélite”, explica Cortes. Segundo o professor, a análise, somada a outros dados sobre o avanço da monocultura no Planalto Santareno, permite observar que famílias que vivem mais próximas da soja têm uma perspectiva pior do que famílias em zonas mais protegidas ou mais afastadas do cultivo. “A monocultura tem esse efeito de desestabilizar as comunidades. Tem uma série de comunidades extintas que a gente observa dentro dessas zonas de monocultura”, afirma o pesquisador.

A fala de Cortes coincide com o relato do cacique Josenildo: “O pessoal que mora próximo à plantação de soja não demora muito tempo ali. Porque não aguenta. Não consegue viver com a quantidade de veneno que entra na sua casa. Nós estamos aqui [na aldeia], porque nós somos fortes e aqui é a nossa terra. É o local onde a gente vive. Onde a gente nasceu. E onde a gente quer continuar vivendo. É por isso que a gente luta e ainda acha força para resistir”, afirma o cacique.

·        Terra e identidade 

Em setembro de 2018, dez sojicultores que cultivam dentro da TI Munduruku e Apiaká acionaram a Justiça para serem considerados “litisconsortes passivos necessários” na ação movida pelo MPF, como apurou o site de Olhos nos Ruralistas. Litisconsorte passivo necessário é aquele que tem interesse em comum com o réu e que será afetado pelas decisões que resultarem da ação. O pedido foi negado em primeira e segunda instância. Os requerentes foram: Ildo Valentin Borsatti, Rodrigo Borsatti, Adriano Gabriel Maraschin, Fábio Luis Maraschin, José Maraschin, Ignácio Maraschin, Germano Rene Durks, Francisco Alves de Aguiar e Ivo Luiz Ruaro.

A Pública esteve na aldeia Açaizal em abril deste ano, ocasião em que Ildo Valentin Borsatti aceitou falar com a reportagem. O argumento do sojicultor é que não há indígenas no território. “Criaram esse negócio de indígena aí há pouco tempo. Esse negócio do PT de se autodeclarar indígena. Aqui não existia índio. É tudo cearense que veio pra cá”, afirma o sojicultor. E continua: “Não existia [indígena na área]! Aliás, existir, deve ter existido. Tinha índio pra todo lado quando o Brasil foi descoberto, né? Mas, se for pra declarar alguém assim, tem que declarar o país inteiro”, disse Ildo, ao questionar a identidade dos Munduruku.

Um discurso muito usado pelo agronegócio local, como constatou o pesquisador Fábio Zuker, doutor em antropologia social pela Universidade de São Paulo (USP) e professor na Princeton University (EUA), nos seis anos em que realizou sua pesquisa de doutorado na região do Baixo Tapajós. “Um argumento racista e que se vale de uma imagem folclorizada de indígenas como parados no tempo. Como se os indígenas não pudessem se transformar, ao longo da história, a partir de lógicas inerentes à sua cultura”, afirma. 

Zuker explica que ali houve uma incorporação de migrantes nordestinos às aldeias indígenas. “Uma vez forasteiros, chegados ao longo do século XX de estados como Ceará e Maranhão, eles foram indigenizados. Casaram-se com indígenas – usualmente é o homem de fora que se casa com a mulher indígena – e aprenderam a caçar com seus sogros e genros. De modo que ninguém questiona seu pertencimento ao povo indígena, ou que seus filhos sejam indígenas”, explica o professor. 

E conclui: “Desta forma, é pelos laços de parentesco que diversas comunidades indígenas do Baixo Tapajós incorporaram pessoas vindas de outras regiões às suas comunidades. Cabe aqui também entender que muitos desses migrantes nordestinos são, eles mesmos, netos de indígenas, e que puderam, na Amazônia e na acolhida comunitária que lhes foi oferecida, encontrar um solo fértil para onde recuperar traços culturais com os quais já conviviam em suas famílias”.

Em 2019, Josenildo já havia declarado que, além de ser “uma praga”, a expansão da soja causava violência na região. Seu irmão, Belarmino Cruz, foi assassinado durante uma visita à cidade de Mojuí dos Campos em setembro de 2018. “Ele foi morto com seis facadas nas costas e, segundo o assassino, foi assassinado por engano. Existe uma investigação em curso em relação a isso, mas a gente não pode negar que algumas pessoas ouvidas pela polícia disseram que não era pra ter sido meu irmão, era pra ter sido eu, como liderança”, afirma. Outra linha de investigação dá conta de que Belarmino foi assassinado em uma briga de bar. O caso está sendo investigado pela Polícia Civil de Santarém até hoje.

Agora, em 2023, ele desabafa novamente: “A gente é ameaçado em tudo nessa vida. O sentimento é de impotência. Se a gente denuncia alguma coisa, é ameaçado. Quando derrubam a floresta, acabam com as nossas plantas medicinais e nossos frutos. Nosso espírito enfraquece. A gente fica preso numa área, porque já não nos deixam andar por onde a gente andava antes”.

 

Fonte: Amazônia Real/Agencia Publica

 

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