O papel de Lula na mediação no acordo de
diálogo entre Venezuela e Guiana sobre o Essequibo
Os presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e da Guiana, Irfaan Ali, concordaram,
no sábado (9/12) em realizar uma reunião sobre a disputa territorial da região de Essequibo.
A conversa está marcada para quinta-feira
(14/12), em São Vicente e Granadinas, país do Caribe que ocupa a presidência
pro tempore da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).
O anúncio ocorreu num momento de crescente tensão entre a Venezuela e a Guiana, depois de a maioria dos
venezuelanos ter votado no início de dezembro num referendo controverso a favor da anexação da região
de Essequibo pelo seu país.
Maduro então solicitou a aprovação de uma
lei para declarar a criação de um Estado venezuelano em Essequibo e de uma
"zona de defesa abrangente da Guiana Esequiba" na cidade de Tumeremo.
O plano de encontro entre os dois governos,
mediado por vários interlocutores, foi informado primeiro por Maduro e
confirmado por Ali.
"O presidente Ali foi abordado hoje
pelo primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas para uma reunião com o
presidente Maduro na quinta-feira em São Vicente e Granadinas que será
observada pelo Brasil, pela Caricom [Comunidade do Caribe] e por um subsecretário-geral
da ONU. O presidente Ali concordou em realizar esta reunião", afirmou a
presidência da Guiana em comunicado.
Ali "reiterou que a fronteira terrestre
da Guiana não está sujeita a discussão, já que está atualmente perante a CIJ
[Corte Internacional de Justiça de Haia] e, quando determinada, será totalmente
respeitada pela Guiana".
"O presidente, em diversas ocasiões,
deixou explicitamente claro que o caso perante a CIJ não será um tema para
discussões bilaterais."
Mais cedo, no sábado, Maduro havia publicado
em sua conta no X (antes conhecido como Twitter) que manteve conversas
telefônicas com o presidente de São Vicente e Granadinas e com o presidente
brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e que aceitou uma reunião com as
autoridades da Guiana.
O Brasil faz fronteira com a Guiana e a
Venezuela.
"Nestas conversas foi recebida a
proposta de realizar uma reunião de alto nível com a República Cooperativa da
Guiana, que será anunciada nos próximos dias", disse o presidente da
Venezuela.
E acrescentou que "aceita este apelo
com aprovação e compromisso".
Maduro disse ainda que conversou com o
secretário-geral da ONU, António Guterres, que defendeu o diálogo entre as
partes, segundo seu relato.
·
Brasil pede à Venezuela que evite 'medidas unilaterais'
O governo de Lula foi o primeiro a falar
publicamente após a conversa telefônica no sábado e disse que o presidente
Brasileiro disse a Maduro para evitar "medidas unilaterais" que
possam agravar a disputa territorial que mantém com a Guiana.
Segundo a versão do governo brasileiro, Lula
levantou junto a Maduro a crescente preocupação na América do Sul com a
situação e fez referência à declaração conjunta da Argentina, Brasil, Chile,
Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Uruguai para que ambas as partes possam
buscar uma resolução pacífica.
"Somos uma região de paz”, disse Lula a
Maduro, segundo o comunicado.
Lula havia dito, na semana anterior, que em
2024 visitará a Guiana, onde participará do encontro que reunirá os países que
compõem a Caricom.
O aumento das tensões levou o Brasil a reforçar a presença de suas tropas na fronteira.
O Brasil confirmou o envio de 28 veículos
blindados ao estado de Roraima, que está em alerta por fazer fronteira com os
países em conflito.
Embora o envio desses veículos já estivesse
planejado para operações contra a mineração ilegal na área, o Ministério da
Defesa brasileiro anunciou que eles estarão disponíveis no caso de uma eventual
escalada do conflito.
O Brasil quer enviar uma mensagem clara à
Venezuela sobre a inviabilidade de escalada da crise com a Guiana, segundo
fontes diplomáticas ouvidas pela BBC News Brasil.
Lula já havia dito no domingo passado que
esperava que houvesse "bom senso".
Ø 'Nem Biden nem os americanos querem mais
briga': o papel dos EUA na crise entre Venezuela e Guiana
Na disputa pelo Essequibo, cada movimento dos
protagonistas Venezuela e Guiana é acompanhado com atenção desde o referendo venezuelano pela anexação do território, realizado no início de
dezembro.
No sábado (9/12), os presidentes da
Venezuela, Nicolás Maduro, e da Guiana, Irfaan Ali, concordaram em realizar uma
reunião sobre a disputa territorial.
No entanto, os olhos do mundo, em especial da América
Latina, não estão pregados só nos dois países; os Estados Unidos, assim como o
Brasil, é outro protagonista desta crise diplomática.
O governo americano é um aliado político e econômico poderoso da Guiana,
enquanto a Venezuela segue em frágeis negociações pelo alívio das sanções
econômicas dos Estados Unidos em troca de concessões eleitorais e garantias de
direitos humanos.
No entanto, apesar da movimentação militar
anunciada pela embaixada americana em Georgetown na quinta-feira, especialistas
ouvidos pela BBC News Brasil ainda não acreditam que o presidente Joe Biden
tenha entre suas prioridades intervir na região, caso a crise escale para um
conflito armado.
Muito menos instalar uma base militar na
Guiana, como receia o governo brasileiro.
"Washington declarou seu apoio à Guiana
e acredito que eles querem dar à Venezuela a impressão de que haveria uma
resposta rápida e decisiva a qualquer movimentação militar [da Venezuela]"
afirmou à BBC Brasil Philip Gunson, analista sênior para os Andes do
International Crisis Group em Caracas.
"Mas como isso se desenvolveria de fato
no Congresso americano e se haveria uma intervenção direta e rápida, não estou
bem certo."
Para o professor e pesquisador da Boston
University Jorge Heine, os sobrevoos do Comando Sul do Exército americano foram
um recado curto, mas claro.
"Os Estados Unidos estão mostrando seu
arsenal e que não vão tolerar essas medidas do governo venezuelano. É um pouco
como enviar porta-aviões ao Oriente Médio."
Mas Heine disse não acreditar que o Exército
americano iria muito além do que já demonstrou.
Jeff Colgan, professor de Ciência Política
da Brown University, disse à BBC que o governo Biden não tem disposição para
entrar no confronto.
"Os Estados Unidos já estão lidando com
uma guerra na Ucrânia e a crise em Gaza. Não estão em busca de outro conflito
militar para administrar", afirmou.
"O governo Biden e a população
americana não querem outra briga. E é bastante possível que esta questão se
resolva pacificamente."
·
Base militar e aliança com a Guiana
Os rumores da instalação de uma base militar
americana na Guiana foram encarados com ceticismo por Gunson.
"Os Estados Unidos negaram qualquer
intenção neste sentido e no momento parece ser uma alegação da Venezuela, que
tem interesse em tornar a contenda uma 'luta anti-imperialista'."
Já Heine não é tão taxativo e acredita que,
para a base existir, basta a Guiana querer.
"Acredito que se a Guiana pedir, os
Estados Unidos podem considerar a possibilidade. O problema é o custo. Se for
algo fora do orçamento normal do Pentágono, teria que ser aprovado pelo
Congresso americano. Mas acredito que passaria porque atualmente existe um
sentimento anti-Venezuela, especialmente anti-Maduro, muito forte no
Legislativo."
Outros aspectos da questão também fazem com
que a simpatia americana penda para a Guiana.
A Corte Internacional de Justiça, em Haia,
havia decidido que a Venezuela não poderia tomar nenhuma medida em relação ao
Essequibo enquanto não chegasse a seu veredito.
Há ainda a desproporcionalidade de seus
exércitos: 120.000 do lado venezuelano para cerca de 4.000 do outro lado da
fronteira.
·
A questão econômica
Quanto os interesses econômicos pesam na
questão?
Desde 2015, a Guiana descobriu reservas de
11 bilhões de barris de petróleo, inclusive na região de Essequibo, que
contribuíram para tornar o país uma das economias que mais cresce no mundo. E a
uma das empresas que está explorando as reservas guianenses é a americana
Exxon.
Durante a COP28 em Dubai, o CEO Darren Woods
disse estar acompanhando a situação de perto, mas que a empresa não estava
ajudando o governo guianês financeiramente, segundo a Bloomberg.
Apesar de ver paralelos com a invasão do
Kuwait pelo Iraque em 1990 na atual tensão entre os dois países sul-americanos,
Colgan não acredita que a Exxon seja um fator de consideração no apoio do
governo americano à Guiana.
“O governo americano não quer ser visto como
motivado a se envolver militarmente para proteger os interesses da Exxon ou de
outra empresa petrolífera,” afirmou à BBC Brasil.
Enquanto o Essequibo era só mato, foi fácil
para Hugo Chávez deixar a questão fronteiriça para lá, em uma manobra
diplomática para azeitar suas relações como os países do bloco caribenho,
segundo Jorge Heine, que também serviu como embaixador do Chile na China
durante o governo de Michele Bachelet. Mas as reservas de petróleo atiçaram o
interessem de Nicolás Maduro.
Outra maneira dos Estados Unidos de
interferir na questão sem ter que se valer de seu exército é voltar com sanções
econômicas que havia relaxado e mandar outras, apertando ainda mais a economia
venezuelana.
·
Teste para a diplomacia brasileira
De maneira geral, o entendimento é que, para
o presidente venezuelano, novas reservas de petróleo não eram a prioridade
quando ele resolveu convocar o referendo para anexar Essequibo, e sim sua
própria sobrevivência política, ainda que isso cause mais problemas econômicos
a longo prazo.
Com a popularidade em baixa, Maduro usou a
questão histórica da fronteira e a “anexação” de Essequibo como uma jogada
política para reviver sentimentos nacionalistas entre os venezuelanos e
pavimentar seu caminho para as eleições presidenciais do ano que vem, segundo
analistas.
“Eu acho improvável que aconteça uma invasão
venezuelana em larga escala,” disse Heine à BBC News Brasil. “Para começar, o
terreno lá é bastante árduo, e em parte, o caminho passa pelo território
brasileiro para chegar a Essequibo. Então isso complica bastante,” explicou.
Por isso, o ex-diplomata disse que Maduro
vai se limitar a truques para chamar a atenção da opinião pública, como o mapa,
ou exigir licenças venezuelanas para empresas em Essequibo, em vez de ações
militares. “Mas isso não quer dizer que a questão não seja séria.”
Outro consenso é que o Brasil pode e deve
intermediar as negociações entre Guiana e Venezuela, dado seu papel como líder
regional na América do Sul e país fronteiriço entre os dois.
Em conversa pelo telefone com Maduro neste
fim de semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que é importante
"evitar medidas unilaterais que levem a uma escalada da situação",
segundo o governo brasileiro.
Para Heine, a briga pelo território de
Essequibo é a possibilidade da diplomacia brasileira mostrar que pode exercer
influência e manter o controle.
“É um verdadeiro desafio para o governo
Lula. E o fato dos Estados Unidos terem já mostrado algo com os exercícios
militares é um pouco problemático. A mim me parece que [Essequibo] deveria ser
algo que o Brasil deveria ser capaz de resolver. O país tradicionalmente tem
boas relações com a Venezuela, deveria ser capaz de influenciar o governo
venezuelano a não fazer nada imprudente.”
Uma alternativa poderia ser os Estados
Unidos e o Brasil trabalharem juntos nessa via diplomática, segundo o professor
da Boston University.
“O que não seria bom é se o Brasil fosse
deixado de lado e isso se resolvesse entre Venezuela, Guiana e Estados Unidos.
O Brasil deveria ser um parceiro natural em qualquer solução para este
problema.”
Colgan concorda. “O Brasil é absolutamente
um parceiro vital nesta situação, por causa de sua importância econômica e
diplomática na América do Sul. As escolhas brasileiras impactarão
significativamente as opções disponíveis para a Venezuela.”
Fonte: BBC News Brasil
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