Ex-Odebrecht envolvido na Lava Jato colombiana é gestor de obras da
Braskem em Maceió
Ex-diretor da Odebrecht na Colômbia indiciado por corrupção em agosto
deste ano, é o responsável pela gestão do contrato milionário, firmado entre a
Braskem e a MTSul Construções, para o fornecimento de areia para preencher as
minas de sal-gema, que têm provocado o afundamento do solo em Maceió.
O engenheiro civil Eleuberto Martorelli trabalhou durante 22 anos, de
1997 a 2019, na Odebrecht – atual Novonor, que é a controladora da Braskem – e
agora presta os serviços indiretamente para a ex-empregadora por meio da
terceirizada.
A Agência Pública teve acesso exclusivo ao contrato, no valor estimado
de R$62,9 milhões, firmado entre a mineradora e a MTSul Construções em junho de
2022, com vigência até dezembro de 2024.
De acordo com o documento, a empresa foi contratada para fornecer em 18
meses, um volume de areia de até 550 mil metros cúbicos. A mina 18 que está em
risco de colapso, possui 116 mil metros cúbicos, segundo a prefeitura da
capital alagoana. “O material será fornecido por demanda, não havendo
obrigatoriedade do consumo no valor global do contrato”, diz o acordo.
Martorelli é o procurador da MTSul e gestor do contrato com a Braskem,
conforme o documento. Ele foi diretor da Odebrecht na Colômbia de 2013 a 2017 e
em agosto deste ano foi indiciado por corrupção pelo Ministério Público no
país, numa investigação iniciada a partir dos desdobramentos da Operação Lava
Jato no Brasil.
O engenheiro chegou a admitir em sua delação à Justiça colombiana em
2017, que pagou propina a políticos e servidores públicos, e que as campanhas
do então presidente Juan Manuel Santos, e de seu opositor, o ex-candidato
derrotado Óscar Iván Zuluaga, receberam dinheiro da Odebrecht por meio de caixa
dois.
“Paguei (a Santos), em março de 2014, US$ 500 mil e, depois, com a
conclusão dos serviços (da pesquisa de opinião) em abril, paguei outros US$ 500
mil”, afirmou Martorelli, referindo-se aos pagamentos ilegais realizados por
meio do departamento da Odebrecht destinado à gestão e distribuição da propina.
O atual representante da MTSul Construções publicou em seu Linkedin que
trabalha na empresa mato-grossense desde 2021. Ele registrou na rede que é o
responsável pela abertura do mercado da empreiteira no Nordeste e por ter
conquistado os contratos junto à Braskem.
Questionada pela Pública sobre os critérios na escolha de suas
terceirizadas, a Braskem informou que “possui um sistema de conformidade onde
avalia a integridade dos parceiros com os quais se relaciona”. “Os processos de
contratação obedecem diretrizes empresariais rigorosas e são conduzidos
exclusivamente pela companhia, sem qualquer participação do município de Maceió
no processo”, destacou a mineradora em nota. A reportagem tentou contato com a
MTSul, com o presidente da empresa Márcio Bozetti e com Eleuberto Martinelli,
mas não obteve retorno.
Conforme apurou a Pública junto a fontes em Maceió próximas ao caso,
Martorelli teria levado para trabalhar na MTSul em Alagoas outro nome que ficou
famoso no escândalo da Lava Jato, o também ex-servidor da Odebrecht Carlos
Berardo Zaeyen.
Em depoimento à Polícia Federal, Zaeyen apontou suspeitas de fraude na
Construção da Cidade Administrativa, durante o governo do hoje deputado federal
Aécio Neves (PSDB). O caso acabou arquivado pelo Supremo Tribunal Federal
(STF), após as provas da Odebrecht terem sido consideradas inválidas.
Conforme informações do site do Conselho Regional de Engenharia e
Agronomia de Alagoas (CREA/AL), a MTSul solicitou em outubro de 2022, a
inclusão de Zaeyen como responsável técnico em uma obra da empresa no município
de Arapiraca, a 220 quilômetros de Maceió.
• Obras de mobilidade urbana
Além do fornecimento de areia para preencher as minas e evitar a
movimentação de terra, a MTSul foi contratada pela Braskem para executar outras
duas obras de mobilidade previstas no acordo socioambiental firmado entre a
mineradora, os Ministérios Públicos Federal, Estadual e a prefeitura de Maceió:
a terraplanagem da encosta do bairro Mutange – o mais atingido pela extração de
sal-gema – e a ampliação da Avenida Durval de Góes Monteiro, uma das principais
vias da cidade.
Por meio do acordo Socioambiental, a Braskem se comprometeu a “adotar as
medidas necessárias à estabilização e ao monitoramento da subsidência
decorrente da extração de sal-gema”; “reparar, mitigar ou compensar potenciais
impactos e danos ambientais decorrentes da extração de sal-gema” e “reparar,
mitigar ou compensar potenciais impactos e danos socio urbanísticos decorrentes
da extração de sal- gema, entendidos como os impactos nas áreas desocupadas, na
mobilidade urbana e os impactos sociais”. De acordo com termo firmado, as ações
de mobilidade urbana custarão à mineradora R$360 milhões.
Desde 2019, a operação da mineradora na cidade está suspensa, diante dos
riscos dos tremores que começaram a ser registrados no ano anterior, após
décadas de exploração. Ao menos quatro bairros foram afetados, de onde mais de
60 mil pessoas foram removidas.
Em julho, a Braskem fez um acordo para pagamento de R$ 1,7 bilhão à
prefeitura de Maceió, em contrapartida às indenizações e exclusão de cobranças
de impostos sobre os imóveis afetados. Com esse acordo, a empresa passa a ser
proprietária dos terrenos abandonados pelos moradores.
• Do Mato Grosso para
Alagoas
A MTSul Construções, responsável pelo fornecimento da areia para o
preenchimento das minas, dentre as outras obras de reparação citadas acima,
está sendo investigada pelo Ministério
Público Federal, por crimes contra o meio ambiente, o ordenamento urbano e o
patrimônio cultural. Procurada, a assessoria de comunicação do MPF informou à
reportagem que não pode dar mais detalhes sobre a apuração “para não prejudicar as investigações”.
A MTSul Construções foi fundada por Antoninho Bozetti, em 2005. A
empresa tem sede em Cuiabá, onde divide o mercado com a empreiteira Agrimat
Engenharia, que pertenceu ao sogro do prefeito de Maceió, Mário Roberto Candia
Figueiredo até este ano. Em 2021, por exemplo, as duas empreiteiras venceram,
com outras duas empresas, a licitação da prefeitura de Várzea Grande, região
metropolitana da capital, para recuperação de vias.
Questionada se houve influência do prefeito João Henrique Caldas na
indicação da MTSul junto à mineradora, a prefeitura respondeu que “cabe
exclusivamente à Braskem a escolha de prestadores de serviços e fornecedores”,
o que foi reforçado pela mineradora. A prefeitura também informou que as obras
“são de responsabilidade da Braskem, executadas com recursos privados e estão
sob supervisão dos órgãos de controle pactuantes do acordo socioambiental”.
Atualmente, a MTSul é administrada pelos filhos de Antoninho, Marcos
Antonio, Márcio, Marcelo e Mileni Bozetti. A empresa faz parte de uma holding,
a MB Participações S/A, que também tem braços nos setores de mineração e
agropecuária.
Em vídeo corporativo da empresa publicado no Youtube sobre a história do
Sr Antoninho e família, eles contam que trabalharam na construção da usina
hidrelétrica de Belo Monte e na Usina de Santo Antônio e Jirau, numa época em
que a empresa alugava maquinário para grandes construtores. Dentre as
responsáveis do consórcio responsável por estas obras no Pará e Rondônia,
respectivamente, estava a Odebrecht.
• Braskem será alvo de CPI
no Senado
Está prevista para semana que vem a instalação da Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI) que irá investigar a atuação da Braskem em Maceió. Segundo o senador Renan Calheiros
(MDB/AL), autor do pedido, sete dos 11 participantes já foram indicados. “A
perspectiva agora é de que tenhamos a instalação na terça ou quarta-feira”,
destacou, acrescentando que as primeiras reuniões públicas serão realizadas em
fevereiro, no retorno do recesso parlamentar. Para o senador, a CPI deve
começar ouvindo as vítimas. A Braskem também é alvo de um inquérito da Polícia
Federal, desde 2019.
O afundamento de bairros em Maceió, causado pela exploração de sal-gema
da Braskem, é considerado o maior desastre ambiental urbano do mundo. A
prefeitura de Maceió decretou estado de emergência em primeiro de dezembro,
depois que o afundamento do solo acelerou aumentando o risco de colapso da mina
18. Por causa disso, a Braskem foi multada em R$ 72 milhões pelo Instituto do
Meio Ambiente de Alagoas.
O portal Uol revelou na última quarta-feira (6), que esse campo de
exploração da cava, além de outras 10 minas de sal-gema, do total de 35, não
tiveram o processo de fechamento concluído, conforme previa o acordo firmado
entre a Braskem e a Agência Nacional de Mineração (ANM), ainda em 2019.
Segundo a Braskem, das 35 cavidades, 9 receberam recomendação de
preenchimento com areia. “Destas, 5 tiveram o preenchimento concluído em outras
2 os trabalhos estão em andamento e uma já está pressurizada, indicando não ser
mais necessário o preenchimento”, informou. “As atividades preparatórias para
preenchimento da cavidade 18 estavam em andamento e foram suspensas
preventivamente devido à movimentação atípica no solo”, acrescentou.
Ainda de acordo com a mineradora, a conclusão dos trabalhos está
prevista para 2025. “Todo o trabalho segue prazos pactuados no âmbito do plano
de fechamento, que é regularmente reavaliado com a ANM”, defendeu.
Ø Maceió: Prefeito e governador de AL não se
falam desde anúncio de colapso de mina
Uma semana após o anúncio do risco de colapso de uma mina da Braskem em
Maceió, o prefeito da cidade, João Henrique Caldas (PL), e o governador de
Alagoas, Paulo Dantas (MDB), não se falam. A falta de contato se deve a
discordâncias sobre indenizações pagas pela mineradora e pela rixa política no
Estado.
O prefeito é ligado ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira
(PP-AL), enquanto o governador é aliado do senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Renan é autor do pedido de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) sobre a Braskem. A abertura da comissão foi lida em plenário pelo
presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em 24 de outubro, mas os
trabalhos ainda não começaram pela falta de definição dos integrantes. A
criação do colegiado não é apoiada por Lira.
Na última quinta-feira, 30, João Henrique Caldas disse, ao lado do
presidente da Câmara, que havia tentado contato com Paulo Dantas por telefone,
mas que o governador não havia atendido a ligação. Nesta quarta-feira, 6, o
prefeito disse à CNN que tentou ao longo da semana falar com o emedebista por
chamadas telefônicas e mensagens, mas que não teve sucesso.
A assessoria do governador afirmou ao jornal O Globo que ele não está em
contato direto com Caldas, mas que não houve "nenhuma negativa ou
dificuldade imposta" pelo governo estadual à prefeitura.
O Estadão procurou o governo de Alagoas e a Prefeitura de Maceió, mas
não obteve retorno até a publicação deste texto.
• Estado e município
trabalham em comitês de crise separados
A ruptura entre Dantas e Caldas fez também que os governos estadual e
municipal criassem os seus próprios comitês de emergência para gerenciar a
situação. Não há um órgão que concilie os trabalhos das duas gestões.
Na terça-feira, 5, o governador se reuniu com o presidente da República
em exercício, Geraldo Alckmin (PSB), para discutir formas de combater a crise
em Maceió. No mesmo dia, estava prevista uma reunião entre Alckmin e Caldas,
porém, o prefeito não foi ao compromisso.
Por sua vez, Lira, padrinho do prefeito de Maceió, é quem intermedeia o
contato entre o município e o governo federal. Na última sexta-feira, 1º, o
deputado afirmou que discutiu com Alckmin a criação de uma medida provisória
para elaborar efeitos saneadores para ajudar a cidade como obras, moradias
populares e rearrumação de áreas. Segundo o presidente da Câmara, o ministro
das Cidades, Jader Filho, concordou em iniciar a construção de 2.300 casas para
abrigar vítimas.
• Acordo bilionário motiva
divergência
Os dois mandatários divergem sobre um acordo que foi firmado entre a
Prefeitura de Maceió e a Braskem em julho deste ano, e que contou com a
participação de representantes do Ministério Público Federal (MPF). A decisão
estabelece o pagamento de R$ 1,7 bilhão da empresa para a administração do
município de forma parcelada.
Após os tremores em Maceió na semana passada, Caldas disse que a
Braskem, a partir de uma "exploração gananciosa e predadora",
provocou um "dano material e social sem tamanho". A assessoria do
município, por sua vez, disse que "pode" vir a discutir novos termos
de reparação após o novo alerta de risco.
Já o governador alagoano disse em uma coletiva de imprensa no Palácio do
Planalto nesta terça que o acordo entre o município e a mineradora é
"ilegal", "imoral" e "inconstitucional". O
mandatário também afirmou que pediu para a Advocacia-Geral da União (AGU) uma
revisão da decisão e a elaboração de um "encaminhamento justo para as
vítimas". "Essa indenização tem que ser feita por quem cometeu o
crime, quem cometeu um crime foi a Braskem", afirmou Dantas.
Ao Estadão, Renan Calheiros disse que a relação entre Dantas e Caldas é
institucional e afirmou que não houve ligações por parte do prefeito ao
governador. "Ele tem se colocado publicamente à disposição, mas o prefeito
encaminhou uma solução individual", afirmou. Segundo o senador, a decisão
é o principal divisor na relação entre os mandatários.
"Nunca houve essa intenção de acordo por parte do governador. É
isso que coloca a gente de um lado e eles do outro", disse o emedebista,
citando também o presidente da Câmara. Procurado pelo Estadão, Lira não
respondeu.
Fonte: Por Alice Maciel, da Agencia Pública/Agencia Estado
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