Décadas de descaso: Poluição da Tronox é
notícia há mais de 30 anos na Bahia
Não é de hoje que a Tronox perturba o sossego dos moradores de Areias,
Arembepe, Jauá e outras localidades do litoral norte baiano, no município de
Camaçari. Os resíduos que contaminam o ar e o subsolo também comprometem a vida
marinha e a subsistência de pescadores.
Desde que A TARDE começou a acompanhar o inquérito do Ministério Público
que apura o cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado em
2012 para monitorar a emissão de resíduos de metais pesados, alguns leitores,
também pescadores, procuraram o grupo para lembrar das denúncias feitas há mais
de 30 anos.
Um deles é Luiz Edmundo Oliveira, que trabalhou 19 anos na Embasa e por
30 anos viveu em Armação. Ele escreveu um livro, chamado “Histórias de
pescador”, onde dedica um capítulo à poluição causada pela Tibrás, empresa que
viria a se chamar Tronox.
“São muitos anos brigando com a Tibrás por causa da poluição”, lembra
Luiz Edmundo, que participava de grupo de pescadores. “Posso dizer que o
sulfato ferroso lançado pela Tibrás no mar era altamente prejudicial”.
Segundo ele, a substância, que já foi usada pela Embasa para floculação
de partículas em suspensão, isola o fundo do mar e acaba com a cadeia
alimentar. “A Tibrás não era nem para se instalar ali, vários países rejeitaram
na Europa”, indigna-se o aposentado, que considera a fábrica de pigmentos uma
“herança maldita de ACM”, referindo-se ao ex-gpvernador do estado, falecido em
2007.
Luiz Edmundo lembra que, além da poluição causada no subsolo, a Tibrás
poluía o oceano. Sobre isso, ele escreveu em 1995 para duas revistas de
circulação nacional, texto incorporado ao seu livro publicado em 2017, cuja
transcrição ele autoriza.
“A poluição oceânica que hoje se verifica no estado da Bahia é alarmante
e deveria merecer, por parte das entidades ecológicas, providências drásticas e
efetivas para que o quadro seja revertido.
A TIBRÁS - Titânio do Brasil S/A, é, sem dúvida alguma, a maior
responsável pelo alto grau de poluição que existe - e piora a cada ano - com
gravíssimas consequências para a vida marinha na região.
Tendo sua instalação negada em vários outros países, a TIBRÁS foi
montada há cerca de 25 anos atrás em nossa orla marítima, na aprazível
localidade de Arembepe e, tão logo iniciou sua operação, passou a despejar
diariamente toneladas de sulfato ferroso, ácido sulfúrico e outros resíduos
industriais no leito do oceano Atlântico, através de um emissário submarino.
(...)
Como pescador amador, juntamente com outros companheiros, podemos
testemunhar que, antes da TIBRÁS, havia na região uma imensa quantidade de
peixes, tais como garoupas, guaricemas, chicharros, vermelhos, atuns, bonitos,
cavalas, alvacoras, xaréus, etc.
Atualmente, quase sempre, se a isca permanece por mais que 10 minutos no
fundo do mar, quando é puxada, está completamente tingida de um
amarelo/amarronzado, fruto da contaminação pelo sulfato ferroso. Maioria das
vezes, até a corda da poita, quando recolhida, está completamente marrom”.
José Luís Matos, médico do trabalho, de 86 anos, foi fundador da colônia
de pescadores Z-6 (Itapuã) e por muitos anos pescou ao lado de Luiz Edmundo.
Acompanhando as reportagens de A TARDE, ele escreveu para o jornal para lembrar
de reportagem veiculada em 1992, quando a Tibrás já era apontada como
responsável pela contaminação do mar.
Ele lembra que o emissário submarino de 1 km de extensão, tinha 800
metros sob a terra e apenas 200 metros no mar, lançando os resíduos muito
próximo da costa. “Desaguava em frente fábrica.”, recorda-se José Luís.
O médico explica que a produção de titânio é feita a partir da ilmenita,
rocha importada da África do Sul, rica em ferro, tratada com ácido sulfúrico
para separar o sulfato ferroso do titânio. Esse sulfato ferroso era eliminado
em forma de gel, insolúvel em água.
“O gel decantado vai para o fundo do mar e acaba com a vida marinha,
como crustáceos, moluscos e peixes pequenos,” detalha José Luiz, que lembra que
só após as queixas do condomínio Interlagos a empresa resolveu aumentar o duto.
Mas os prejuízos ambientais não cessaram.
“No inverno, a inversão de corrente marítima do Sul para o Norte levava
os resíduos para Guarajuba, chegando até a Aracaju. Do avião dava para ver a
mancha no mar,” realata o médico. Ele lembra que, mesmo a 10 milhas da costa e
200 metros de profundidade, as iscas de pesca voltavam amareladas. “Hoje não
tem mais peixe migratório”, lamenta.
José Luís questiona ainda o uso de barreiras hidráulicas, como previsto
no TAC, para conter os resíduos e evitar a contaminação da água dos rios. “´E
impossível, o terreno arenoso infiltra”, lembra ele.
• Vendidos e omissos
Na última quarta-feira, 29/11, a central de efluentes líquidos do polo
petroquímico de Camaçari (Cetrel) e a Tronox, realizaram uma audiência na
escola Nadir Copque, em Arembepe, para apresentar os relatórios de
monitoramento marinho. Segundo a empresa, o emissário submarino não oferece
nenhum risco à balneabilidade das praias de Jauá e Arembepe.
O estudo aponta ainda que o mal cheiro da água e as doenças registradas
na comunidade local se devem à falta de esgotamento e abastecimento de água
encanada, de responsabilidade da Embasa.
Durante a apresentação, uma moradora de Areias, comunidade com alto
índice de câncer e leucemia, segundo laudos da secretaria de saúde de Camaçari
emitidos em 2014, questionou a postura da empresa e cobrou apresentação de
análise do subsolo de Areias
Ela afirmou que o órgão ambiental do estado (Inema) é “altamente
vendido” e denunciou a omissão na fiscalização do que considera a “caixa preta”
da Tronox, antiga Tibrás. Segundo a moradora, a sucessão de omissões resultou
na queda da ex-diretora do Inema, Márcia Telles.
Há pouco mais de um mês, o Inema, agora sob a direção de Maria Amélia
Mattos Lins, pediu 120 dias para atender a solicitação do MP e enviar os laudos
que embasaram a concessão e renovação das licenças ambientais da Tronox nos
últimos 11 anos.
Fonte: A Tarde
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