De exercício militar dos EUA à tentativa de mediação do Brasil: entenda
a escalada da crise de Essequibo em 6 pontos
A antiga disputa territorial entre Venezuela e República da Guiana pela região conhecida
por Essequibo sofreu uma escalada nos últimos dias, após o governo
venezuelano intensificar a reivindicação pela área, conhecida por suas riquezas
em ouro, diamantes e petróleo.
Nesta quinta-feira (7/12), os Estados Unidos,
aliados da Guiana, anunciaram um exercício militar com sobrevoos no país.
Já o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) ofereceu o Brasil para sediar reuniões
para mediar o conflito entre a Venezuela e a Guiana, na fronteira entre os dois
países.
Embora o governo brasileiro ainda considere
improvável que a Venezuela invada Essequibo, hoje sob domínio da Guiana, há
temor de que a escalada da crise leve os Estados Unidos a instalar bases
militares no território disputado, região que integra a floresta amazônica e
faz fronteira com o norte do Brasil.
A crise se agravou nos últimos dias,
especialmente depois que o governo venezuelano realizou, no domingo (3/12), uma
consulta popular sobre a possibilidade de criar um novo Estado na região de
Essequibo, área que corresponde a 70% do território da Guiana.
A área é reivindicada pela Venezuela há mais
cem anos, mas foi incorporada ao território da Guiana no século 19. A pressão
venezuelana para retomar a área recomeçou em 2015, depois que reservas
bilionárias de petróleo foram descobertas na costa da região.
Entenda a seguir em seis pontos os mais
recentes desdobramentos da crise.
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1. A movimentação americana
A embaixada americana em Georgetown, capital
da Guiana, anunciou na quinta-feira (7/12) a realização de um exercício
militar, com sobrevoos dentro país.
Segundo o comunicado, as ações ocorrem em
parceria com a Força Aérea do país e seriam “operações de rotina para melhorar
a parceria de segurança entre os Estados Unidos e a Guiana, e para fortalecer a
cooperação regional”.
A embaixada disse ainda no comunicado que
“os Estados unidos continuarão seu compromisso como parceiro de segurança
confiável da Guiana”. Os dois países têm uma acordo de cooperação militar desde
2022.
Já na quarta-feira (6/12), véspera do
exercício militar, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken,
telefonou para o presidente guianês, Irfaan Ali.
Segundo nota do governo americano, Blinken reafirmou “o
apoio inabalável dos Estados Unidos à soberania da Guiana” e reiterou o chamado
“para uma resolução pacífica da disputa”.
O secretário de Estado também reforçou o
pedido dos Estados Unidos para que ambos os lados respeitem as fronteiras em
vigor a menos que um novo acordo seja firmado ou que um "órgão legal
competente" tome uma decisão diferente.
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2. O temor brasileiro
O assessor para assuntos internacionais da
Presidência da República, embaixador Celso Amorim, manifestou preocupação com a
perspectiva de um conflito armado na América do Sul e com as consequências dos
movimentos feitos até agora.
Em entrevista ao Canal Meio, Amorim disse
não acreditar em uma intervenção militar da Venezuela na região, especialmente
se ela envolver algum tipo de passagem pelo território brasileiro – a fronteira
direta entre Venezuela e Guiana é tomada por densa floresta que dificulta
incursões militares sem a passagem por Roraima.
Por outro lado, reconheceu temer que a
escalada de tensões entre os dois países possa criar um pretexto para a
instalação de bases militares estrangeiras na Amazônia.
"O que eu temo mais, para falar a
verdade, é que se crie um precedente para termos bases estrangeiras e tropas
estrangeiras na região", disse Amorim.
"Não estamos falando de qualquer
região. Estamos falando da Amazônia, que sempre foi objeto de preocupação de
nossa parte", reforçou.
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3. A movimentação militar do Brasil
Em meio à escalada da crise, o Brasil também
tem reforçado sua presença militar na fronteira com a Venezuela.
Segundo as Forças Armadas, foi antecipado o
envio de tropas e blindados que já era previsto para a região, dentro de um
planejamento estratégico de defesa das fronteiras brasileiras.
Em nota enviada à BBC News Brasil na
quarta-feira, o Exército disse que “vem mantendo, através de seu Sistema de
Inteligência e de alertas, monitoramento constante e prontidão de suas ações
efetivas para garantir a inviolabilidade de nossas fronteiras”.
“Nesse contexto, foi antecipado um reforço
de tropas e meios de emprego militar nas cidades de Pacaraima e Boa Vista, além
disso a 1ª Brigada de Infantaria de Selva, em Roraima, com seu efetivo de quase
dois mil militares intensificou sua ação de presença naquela faixa de fronteira
visando atender, em melhores condições, à missão de vigilância e proteção do
território nacional”, continua a nota.
Dentro dessas ações, o Exército confirmou
que haverá “um aumento do número de militares na área, além de viaturas
blindadas, as quais serão deslocadas do Sul e do Centro-Oeste do país para
Roraima”, incluindo o envio de dezesseis viaturas blindadas multitarefa 4x4
(Guaicurus), com previsão de chegarem à Boa Vista em cerca de vinte dias.
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4. A proposta de mediação do Brasil
No campo diplomático, o presidente Lula
ofereceu o Brasil para sediar reuniões para mediar o conflito entre a Venezuela
e a Guiana, durante a abertura da 63ª Cúpula do Mercosul, no Rio de Janeiro na
quinta-feira (7/12).
Lula disse que o bloco econômico "não
pode ficar alheio" ao crescimento das tensões na região. "Eu gostaria
de dizer que nós vamos tratar (o assunto) com muito carinho porque se tem uma
coisa que nós não queremos aqui na América do Sul é guerra. Não precisamos de
guerra, não precisamos de conflito", disse Lula.
Lula sugeriu que a crise por Essequibo seja
incluída no comunicado da cúpula a ser divulgada ao fim do encontro. O Mercosul
é formado por Brasil, Uruguai, Paraguai, Argentina e Venezuela, mas o país
comandado por Maduro está suspenso do grupo desde 2017 por supostas violações
ao regime democrático no país.
A Bolívia está em processo de adesão e sua
inclusão, já aprovada pelos parlamentos de Brasil, Paraguai, Uruguai e
Argentina, pode ocorrer nos próximos dias.
A outra alternativa avaliada pelo governo
brasileiro para tentar diminuir as tensões é o acionamento de um foro regional
que reúna Guiana e Venezuela para que os dois governos possam dialogar sobre o
assunto.
Uma possibilidade seria o acionamento da
Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), do qual tanto
Venezuela e Guiana fazem parte.
Ainda de acordo com a fonte ouvida pela
reportagem, o governo brasileiro avalia que os movimentos de Maduro em relação
a Essequibo têm motivações eleitorais, uma vez que o país deverá realizar
eleições presidenciais em 2024.
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5. O contexto da escalada da crise
A crise de intensificou com a realização da
consulta popular na Venezuela. De acordo com autoridades do país, o referendo
terminou com o "sim" obtendo 95% dos votos.
"Demos os primeiros passos de uma nova
etapa histórica para lutar pelo que é nosso, para conseguir recuperar o que nos
deixaram os libertadores", afirmou Maduro após a votação.
Há pouca transparência, porém, sobre qual
foi o comparecimento dos eleitores às urnas, o que gerou questionamentos sobre
a legitimidade do resultado.
A ex-deputada de oposição María Corina
Machado escreveu na rede social X, antes conhecida como Twitter, que
"todos nós sabemos o aconteceu ontem (domingo): o povo cancelou um evento
inútil e prejudicial aos interesses da Venezuela, pois a soberania se exerce,
não se consulta".
Ainda assim, o presidente Nicolás Maduro
nomeou um governador para o futuro Estado e anunciou que determinou a emissão
de licenças de exploração de petróleo na região.
Em resposta, o governo da Guiana acionou o
Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (CSNU) e conversou com
membros do governo dos Estados Unidos sobre a crise.
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6. O histórico da disputa
A região de Essequibo tem aproximadamente
160 mil quilômetros quadrados, pouco maior que o Estado do Ceará, e representa
70% do território guianês.
É uma região é rica em minerais como ouro,
cobre, diamante e, recentemente, lá também foram descobertos enormes depósitos
de petróleo e outros hidrocarbonetos.
A votação na Venezuela realizada no domingo
remonta uma disputa iniciada ainda durante o processo de independência das
ex-colônias espanholas.
Em 1811, a Venezuela tornou-se independente,
e a região de Essequibo passou a fazer parte do país.
Três anos depois, porém, o Reino Unido
comprou a então Guiana Inglesa por meio de um tratado com a Holanda.
O tratado de compra, no entanto, não definiu
com precisão qual seria a linha de fronteira do país com a Venezuela.
Em 1840, o Reino Unido nomeou o explorador
Robert Shomburgk para definir essa fronteira, e uma linha, chamada Linha
Schomburgk, foi estabelecida.
Com ela, a então Guiana Inglesa passou a ter
80 mil quilômetros quadrados adicionais em relação ao território inicialmente
adquirido da Holanda.
Em 1841, começou oficialmente a disputa pelo
território com denúncias sobre uma incursão indevida do Reino Unido no
território.
Nas décadas seguintes, a controvérsia em
torno de Essequibo passou a fazer parte da disputa por influência na América do
Sul entre os Estados Unidos, uma potência em ascensão na época, e o então
poderoso Império Britânico.
Os americanos expandiram seus interesses
pela região e usavam como argumento a chamada Doutrina Monroe, cujo slogan era
"América para americanos".
A postura representava, na prática, uma
tentativa de limitar a influência das potências europeias sobre o continente.
Em 1886, uma nova versão da Linha Schomburgk
foi traçada, incorporando uma nova porção de território à Guiana Inglesa.
Nove anos depois, em 1895, os Estados
Unidos, então aliados da Venezuela, denunciaram a definição da fronteira e
recomendaram que o caso fosse definido por meio de uma arbitragem
internacional.
Três anos mais tarde, em 1899, foi emitida a
Sentença Arbitral de Paris, que decidiu de forma favorável ao Reino Unido.
Em 1949, porém, veio a público um memorando
de um advogado americano que atuou na defesa da Venezuela no processo de
arbitragem em Paris. O documento denunciava uma suposta imparcialidade dos
juízes do caso.
A divulgação desse memorando e de outros
documentos do processo passaram a ser usados pela Venezuela para pedir que a
Sentença de Paris fosse considerada "nula e sem efeito".
Em 1966, porém, o país e o Reino Unido
firmaram o Acordo de Genebra, que reconheceu a reivindicação venezuelana e
assumiu o compromisso de buscar soluções para resolver a disputa.
A Guiana solicitou que a Corte Internacional
de Justiça, sediada em Haia, na Holanda, arbitre a disputa, mas o governo
venezuelano vem, reiteradamente, negando a legitimidade da instituição para
decidir o futuro de Essequibo.
Na sexta-feira (30/11), a Corte
Internacional de Justiça expediu uma decisão sobre um pedido feito pela Guiana
que solicitava que a corte impedisse a realização do referendo.
A corte não se manifestou sobre a suposta
ilegalidade da consulta popular, mas disse, em sentença, que a Venezuela não
poderia tomar nenhuma medida que "modificaria a situação que atualmente
prevalece no território em disputa".
Fonte: BBC News Brasil
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