'Casamento inter-racial dos meus pais provocou escândalo internacional',
diz Ndinda Kimuyu
Era apenas mais uma história de amor, mas a união
entre a missionária britânica branca Ruth Holloway e o telefonista queniano negro
John Kimuyu se tornou um escândalo midiático no
final da década de 1950.
Recentemente, após a morte de ambos, a filha deles,
Ndinda Kimuyu, começou a escrever um livro sobre
a história dos pais.
John, que era deficiente visual, conheceu Ruth no
instituto para cegos no Quênia onde
ela trabalhava.
Ruth tinha apenas 19 anos quando partiu para o
Quênia, após crescer na pequena cidade de Kirkby-in-Ashfield, em
Nottinghamshire, na Inglaterra.
Ndinda conta que, quando o casal decidiu se casar,
sua mãe foi de barco de volta para o Reino Unido para informar seus pais e seus
chefes da decisão, mas encontrou reprovação.
"Foi uma questão muito grande", conta
Ndinda à BBC. "Nessa viagem, o Exército da Salvação decidiu tirar o
emprego dela."
"Ela acabou comprando uma aliança de
casamento, assou um bolo com o anel dentro e contrabandeou o objeto de volta
para o Quênia."
O casal se apaixonou em uma época tensa no país
africano.
O Exército da Terra e Liberdade do Quênia,
conhecido como Mau Mau, lutava pela independência do domínio colonial
britânico.
A união do casal tornou-se particularmente
controversa porque acreditava-se que Ruth era a primeira europeia branca a se
casar com um queniano negro.
A cerimônia chegou a ser interrompida pelo escrivão
— que os casou, mas afirmou que não concordava com o matrimônio.
Ndinda conta que o casamento foi noticiado em
jornais e na televisão no Reino Unido, Quênia, Estados Unidos, entre outros.
Algumas matérias diziam que o casamento trazia a
ameaça de tumultos raciais.
"A oposição mais forte veio provavelmente dos
colonialistas brancos no Quênia", lembra a filha, que nasceu três anos
depois do casamento.
"Minha mãe não conseguiu vencer; meu pai não
conseguiu vencer. Houve alguns artigos positivos, mas em geral eram
extremamente racistas."
"O casamento inter-racial dos meus pais
provocou um escândalo internacional."
A família começou a se separar após a independência
do Quênia, em 1963, pois temia-se pela vida de Ruth, já que o novo país
"pediu que todos os brancos fossem embora".
Em 1965, o casal decidiu que Ruth deveria levar
Ndinda e suas duas irmãs de volta ao Reino Unido.
"Fiquei muito chateada", lembra Ndinda.
"Viemos com uma mala pequena e a roupa do corpo e estamos aqui desde
então."
"Foi um momento muito difícil para meu pai.
Acredito que [minha mãe] teve um colapso nervoso, mas ela simplesmente seguiu
em frente."
Ndinda afirma que seus pais pensavam que um homem
cego não encontraria trabalho no Reino Unido, por isso John ficou no Quênia,
onde trabalhava como telefonista na polícia.
Ele manteve contato com a família enviando para
Ruth gravações em fitas, que Ndinda até hoje guarda.
Ela diz que sua mãe tentou ser otimista, mas não
poder estar com o marido "partia o seu coração".
Ruth morreu há cerca de 30 anos e John, que se
casou novamente duas vezes, chegou aos 90 anos antes de morrer em novembro
deste ano.
Ndinda voltou ao Quênia para participar do funeral
do pai no mês passado — a sua primeira vez no país em 30 anos.
A viagem para seu país natal a motivou a escrever
um livro sobre a história dos pais.
"Eu me senti em casa", conta. "Não
foi triste porque meu pai faleceu. Na verdade, me senti em paz."
"Saí para a varanda e ouvi tão claramente a
voz da minha mãe dizer 'está tudo bem na minha alma'".
Ndinda afirma que seus pais foram
"pioneiros" que ajudaram a mudar a história.
"Vivemos num mundo diferente agora, mas isso é
amor. [Por] amor você fará qualquer coisa. Você escalará montanhas. Foi o amor
que os uniu e o amor que os fez lutar por tudo isso."
Fonte: BBC News Mundo
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