Brasil está mal preparado para novas ondas de calor, dizem especialistas
Com nove ondas de calor em 2023 e seguindo uma
tendência mundial, o Brasil deverá continuar com uma sucessão de altas recordes
de temperatura em 2024, segundo especialistas ouvidos pela DW. O grande
problema é que a infraestrutura do país não está preparada para isso.
“Entraremos em um ano em que os extremos se
tornarão ainda mais frequentes e, em alguns casos, com maior intensidade”,
afirma o coordenador de Ciências da Terra do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE).
Além do calor forte no Sudeste e no Centro-Oeste,
devem haver secas de diversas intensidades no Nordeste e chuvas e inundações na
região Sul.
Em 2023, o país somou 65 dias de muito calor, o
equivalente a quase um quinto do ano (18%), de acordo com dados do Instituto
Nacional de Meteorologia (Inmet). Entre julho e novembro, foram cinco recordes
seguidos de temperatura média. As novas ondas de calor acontecerão já neste
verão e ao longo do primeiro semestre de 2024.
• Consequências
na saúde
Mas o que ondas de calor cada vez mais frequentes
podem representar? O impacto pode ser sentido desde a saúde até problemas na
natureza.
“O calor extremo tem consequências para as pessoas
e sistemas naturais no Brasil. As ondas de calor em 2023 foram acompanhadas de
alta umidade relativa, que impacta as pessoas”, explica Yasna Palmeiro,
pesquisadora do Lancet Countdown América Latina, citando riscos de desmaios,
doenças cardíacas e até morte.
Em novembro, a temperatura beirou os 45ºC em
Araçuí, no interior de Minas Gerais, e a cidade do Rio de Janeiro registrou a
sensação térmica recorde de 58,5ºC.
O calor extremo aumentou o número de atendimentos
médicos e atrasou a manutenção da principal estação de tratamento de água.
O atendimento na rede de saúde aumentou em
diagnósticos relacionados ao calor, como mal-estar, fadiga, pressão baixa e
síncope. Na segunda semana de novembro, a mais quente daquele mês, o movimento
foi 51% maior que na segunda semana do mês anterior. A prefeitura abriu 100
pontos de hidratação, acelerou o reflorestamento e o uso de drones semeadores.
• Causas
do calor extremo
O ano de calor atípico foi motivado por vários
fatores. Um deles foi os impactos do fenômeno El Niño, caracterizado pelo
aquecimento anormal e persistente da superfície do Oceano Pacífico na região da
Linha do Equador.
Para os especialistas, as ondas de calor cada vez
mais frequentes também se devem ao aquecimento global.
“Além da elevação da temperatura dos oceanos,
outros fatores têm contribuído para a ocorrência de eventos cada vez mais
extremos, como o aumento da temperatura global da superfície terrestre por
conta do aumento das emissões de gases do efeito estufa”, registra o Inmet.
“Os oceanos geram mais vapor, o que esquenta a
atmosfera, e isso intensifica as ondas de calor”, diz a cientista da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Regina Rodrigues.
Dados do Painel Intergovernamental sobre Mudança do
Clima (IPCC) da ONU mostram que as emissões de gases de efeito estufa devem ser
reduzidas em 43% até 2030 (sobre 2019) para limitar o aumento da temperatura a
1,5ºC até fim do século em relação aos níveis pré-industriais e evitar impactos
catastróficos como ondas de calor, secas e chuvas mais frequentes e graves.
“O Brasil tem experimentado os efeitos das mudanças
climáticas de forma especial por três razões principais: a grande dimensão
geográfica, diversos nichos ecológicos naturais e as megacidades”, explica a
pesquisadora Yasna Palmeiro, da Lancet Countdown América Latina.
Documento recente do Lancet Countdown para o Brasil
elenca os eventos extremos deste ano, como a onda de calor de inverno que
afetou grande parte do país, enchentes catastróficas no Rio Grande do Sul e
secas e incêndios florestais recordes na região amazônica.
“Até agora, 2023 foi um ano de extremos
meteorológicos no mundo e o Brasil não foi exceção”, prossegue o documento,
afirmando que “as alterações climáticas são a maior ameaça à saúde global do
século 21”.
Diretora-executiva do Instituto do Clima e Ciência
(ICS), Maria Netto explica que a grande novidade é que estes fenômenos estão
ocorrendo de forma exacerbada nos últimos cinco anos, com maior frequência e
intensidade.
“O Brasil não tinha, historicamente, uma visão
muito clara sobre como financiar a adaptação e a resiliência da nossa
infraestrutura, da nossa economia a esses eventos climáticos”, afirma Maria
Netto.
• Despreparo
da infraestrutura
A opinião de Netto é compartilhada por todos os
especialistas ouvidos pela DW: atualmente, o Brasil não tem a capacidade
necessária para lidar com as mudanças climáticas – assim como a maior parte do
mundo.
“É muito claro que o país não está preparado para
enfrentar o aumento da frequência e intensidade dos eventos climáticos
intensos”, destaca o físico Paulo Artaxo, cientista do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU.
“Não estamos preparados de jeito nenhum para esse
tipo de eventos extremos, nem no Brasil, nem no mundo. Mas precisamos nos
preparar”, afirmou em um evento recente a secretária nacional de Mudanças
Climáticas, Ana Toni.
Para Netto, diretora do ICS, seriam necessárias uma
política integral e uma análise profunda sobre as formas de promover maior
resiliência e resposta aos eventos climáticos.
“Carecemos de instrumentos financeiros, análise
paramétrica de riscos análise fiscal mais profunda sobre custos econômicos que
resultem em mecanismos ágeis de compartilhamento de riscos e respostas rápidas
aos eventos do clima”, destaca.
• O que
o Brasil já está fazendo
Netto pondera, entretanto, que o governo está
ciente do problema e que já existem estudos setoriais para promover a
adaptação, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
“Será fundamental priorizar de forma integrada a
necessidade de um plano de adaptação nacional e planos subnacionais que possam
impulsionar melhores adaptação, prevenção, resiliência, gestão de riscos e
mecanismos de resposta rápida”, explica.
Ela ressalta que os efeitos das alterações
climáticas estão chegando mais rápido que o previsto. Segundo Netto, na
perspectiva do governo federal, o Comitê Interministerial de Mudança do Clima
(CIM) decidiu fazer pelo menos 14 planos de adaptação em diversas áreas, como
energia, agricultura, cidades e transporte.
Além do planejamento, maior inclusão de critérios
de riscos climáticos e ações operacionais, os especialistas reforçam a
necessidade de combater a evolução do efeito estufa.
“As soluções para resolver o problema a gente sabe:
acabar com os combustíveis fósseis e com o desmatamento tropical. Parece
simples, mas envolve o reordenamento completo da economia mundial”, destaca o
coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima, Claudio Angelo.
E os eventos extremos não são uma preocupação
apenas dos especialistas: as mudanças climáticas e ameaças ao meio ambiente são
motivo de medo para 32% dos entrevistados na seção Brasil da pesquisa O que
Preocupa o Mundo, realizada pelo do Instituto Ipsos em outubro – índice bem
acima dos 20% registrados na pesquisa anterior.
“É inegável que o brasileiro tem sentido na pele os
reflexos destes problemas”, diz o CEO do Ipsos Brasil, Marcos Caliari.
Fonte: Deutsche Welle
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