Sentimento de impunidade: Justiça militar tentará impedir que se puna
oficiais golpistas
Um dos depoimentos da delação de Mauro Cid,
ex-faz-tudo de Jair Bolsonaro e tenente-coronel do Exército, envolve nomes da
antiga cúpula das Forças Armadas no enredo em que se tramou sobre a
possibilidade de uma intervenção militar.
Esses novos personagens, assim como Cid, podem vir
a perder a patente por ato indigno à carreira após um julgamento no STM, que
ocorre somente depois de o caso ter transitado em julgado no STF e se tiverem
condenação superior a dois anos na justiça comum.
Acontece que o STM não analisa o crime cometido,
mas toda a carreira do militar. Assim, é possível que, mesmo após condenado no
STF, oficiais não percam a patente.
Mas a decisão no STM (que tem 15 ministros, 4 do
Exército, 3 da Aeronáutica, 3 da Marinha e 5 civis) não é para já.
Por ora, Joseli Camelo, presidente da Corte,
defende que o país siga em frente:
— Temos de fazer o julgamento e promover a Justiça.
Quem realmente cometeu um crime, se comprovado, deverá ser condenado. Mas a
vida continua e temos que procurar pacificar esse país e virar essa página.
Curso
de democracia para réus do 8/1 foi inspirado em programa para militares
Os bolsonaristas que fecharem acordos de não
persecução penal com a Procuradoria-Geral da República (PGR) para encerrar as
ações penais do 8 de janeiro terão que frequentar um curso sobre a democracia.
Serão quatro aulas presenciais, de três horas cada,
com o tema 'Democracia, Estado de Direito e Golpe de Estado'. A Escola Superior
do Ministério Público da União ficou responsável pelo conteúdo.
"O objetivo de incluir a cláusula como parte
dos acordos é garantir o aspecto pedagógico da medida, além de contribuir para
o processo de consolidação do Estado Democrático de Direito", afirma a
PGR.
O curso foi inspirado na sentença da Corte
Interamericana de Direitos Humanos ao julgar o Brasil pela ação de militares na
Guerrilha do Araguaia.
O tribunal internacional impôs, em 2010, a criação
de um programa permanente de educação em direitos humanos dentro das Forças
Armadas.
Camponeses e militantes do Partido Comunista do
Brasil (PCdoB) foram presos e torturados em operações do Exército, entre 1972 e
1975, auge da ditadura militar, para erradicar a Guerrilha do Araguaia.
Dados da Comissão Nacional da Verdade concluíram
que 70 pessoas foram mortas ou seguem desaparecidas pela ação da repressão.
Os acordos de não persecução penal só estão
disponíveis para quem responde por crimes de médio potencial ofensivo, ou seja,
para quem teve participação secundária nos atos de 8 de janeiro. Os vândalos
que invadiram e depredaram os prédios na Praça dos Três Poderes não terão esse
direito.
A PGR afirma que, até o momento, 301 denunciados
manifestaram interesse em assinar o termo. As propostas estão sendo
encaminhadas por e-mail.
>> Veja as condições propostas pela PGR:
# Cumprimento de 300 horas de serviços comunitários
ou em entidades públicas;
# Pagamento de multa calculada com base nos
rendimentos de cada réu;
# Participação presencial no curso sobre
democracia;
# Não usar redes sociais abertas até terminar de
cumprir as cláusulas.
Foi o ministro Alexandre de Moraes quem autorizou a
PGR a negociar os acordos com parte dos réus dos atos golpistas. Ele atendeu a
um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O subprocurador-geral Carlos
Frederico Santos, que coordena as investigações do 8 de janeiro, deu aval para
as negociações.
Os três primeiros foram condenados pelo STF na
semana passada a penas que variam entre 14 e 17 anos de prisão, além da
obrigação conjunta, com todos os condenados do caso, ao pagamento de
indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 30 milhões. Os próximos
julgamentos estão previstos na semana que vem, agora no plenário virtual da
Corte.
• CPI
do Golpe vai triturar a extrema-direita
Diante do iminente indiciamento de Jair Bolsonaro
por ameaça golpista pela CPI mista do 8 de janeiro, a oposição avalia
apresentar um parecer paralelo absolvendo o ex-presidente e também se ausentar
durante a votação do relatório de Eliziane Gama.
A avaliação é de que não devem sequer dar voto
contrário à relatora para não validar o texto dela.
Em
delação, Cid relata chiliques de Bolsonaro após derrota para Lula: “Fui
roubado, fui roubado"
Mais que os crimes cometidos pelo ex-patrão, o
tenente coronel Mauro Cid tem exposto na delação à Polícia Federal (PF) o
comportamento imaturo e birrento de Jair Bolsonaro (PL) que, segundo o militar,
buscava desesperadamente quaisquer indícios de fraudes para contestar a derrota
para Lula nas urnas, em 30 de outubro.
Em novo trecho da delação, divulgado pela revista
Veja, Cid diz que Bolsonaro tinha certeza que iria ganhar as eleições e, após a
derrota, repetia chiliques como um mantra.
“Fui roubado, fui roubado. O PT vai destruir o
Brasil”, afirmava Bolsonaro, segundo o militar.
Cid ainda teria relatado à PF que a frustração com
a derrota foi tamanha que teria causado a erisipela, uma infecção na perna
decorrente da queda de imunidade.
Bolsonaro também indagava ao ajudante de ordens o
que iria fazer com "o povo que está na rua", em relação aos
apoiadores que se aglutinavam nas portas dos quartéis após ele ter incitado há
anos que poderia convocar um golpe de estado caso fosse derrotado.
“O presidente queria encontrar uma fraude. Isso ele
realmente queria. Em cima da fraude daria para fazer alguma coisa”, afirmou o
tenente-coronel, sem definir o que seria "alguma coisa".
Cid estaria evitando usar o termo golpe, afirmando
que o que presenciou foi fruto da polarização da sociedade que teria resultado
em um jogo de empurra dentro do então governo: uns defendiam que algo deveria
ser feito e outros que não.
“Mas isso para virar um golpe… Os generais
conversaram com o Bolsonaro e avisaram que não tinha o que fazer. Qualquer ação
militar representa vinte, trinta anos de um regime autoritário. Ninguém mais
quer isso, não cabe mais”, teria dito o militar a uma pessoa próxima.
Nos depoimentos, Cid já teria admitido que burlou o
sistema do Ministério da Saúde para emitir um certificado falso de vacinação
contra a Covid-19 e que vendeu dois relógios recebidos pelo governo brasileiro
e repassou o dinheiro ao ex-presidente.
Bolsonaro
puxou parabéns a Cid e recebeu 1ª fatia do delator
Delator que disse à Polícia Federal ter presenciado
discussões em torno de um golpe de Estado, o tenente-coronel Mauro Cid deu a
primeira fatia de bolo a Bolsonaro em seu aniversário, em maio do ano passado,
reforçando o vínculo de proximidade.
Na ocasião, o ajudante de ordens do presidente
celebrava 43 anos. Dentro de um avião, ao lado de outros integrantes do
governo, Bolsonaro pediu a atenção dos passageiros:
“Mais um aniversário a bordo. Quarenta e quantos
(anos)?”, perguntou a Cid. “Quarenta e três”, respondeu o tenente-coronel.
Bolsonaro, então, prosseguiu: “Filho de aspirante.
Está há três anos conosco, né? Vai nos deixar o final do ano. Vai comandar o
batalhão lá de Goiânia”, disse, antes de puxar o coro de parabéns.
Em seguida, Cid estendeu o prato com bolo a
Bolsonaro:
“Para o senhor o primeiro pedaço”, disse, ao que o
então presidente abriu um sorriso.
• Delação
é vista com cautela
Na juventude, Mauro Cid costumava chamar Bolsonaro
de “tio”, dada relação de proximidade entre o ex-presidente e seu pai, o
general Lourena Cid, também investigado no suposto esquema de venda de joias.
O entorno de Bolsonaro ainda vê com ceticisimo a
possibilidade de que Cid tenha complicado o ex-presidente com o depoimento que
deu à Polícia Federal.
Já se sabe que o ex-ajudante de ordens apontou que
Bolsonaro recebeu uma minuta golpista das mãos do ex-assessor Filipe Martins. E
que o então comandante da Marinha, Almir Garnier, teria apoiado uma intervenção
militar.
Bolsonaro
anunciou em maio "presente" a Mauro Cid, que retribui com 1º pedaço
de bolo
Ao puxar os parabéns para o tenente coronel Mauro
Cid em maio do ano passado durante vôo no avião presidencial, Jair Bolsonaro
(PL) antecipou o presente que daria ao seu então ajudante de ordens e fiel
escudeiro, que se tornou o principal pivõ das investigações que podem levar o
ex-presidente à cadeia.
Vídeo divulgado neste domingo (24) por Paulo
Cappelli, do portal Metrópoles, mostra Bolsonaro antecipando o presente que
daria ao filho do general Mauro Lourena Cid, com quem o capitão da reserva
estudou nos anos 1970 na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) e manteve
uma relação por décadas, até a explosão do caso do tráfico de joias da
Presidência.
“Filho de aspirante. Está há três anos conosco, né?
Vai nos deixar o final do ano. Vai comandar o batalhão lá de Goiânia”, disse
Bolsonaro.
O ex-presidente se referia à indicação que faria
meses depois para Cid comandar o 1º Batalhão de Ações de Comando em Goiânia.
Cid havia sido nomeado por Bolsonaro para o biênio
2023-24 e assumiria em fevereiro o batalhão.
O 1º BAC, como é conhecido o batalhão, é uma
unidade militar de elite, acionada para casos de alta complexidade — e que fica
a 200km de Brasília, em Goiânia, um ponto considerado decisivo.
Criado em 2002, o batalhão é subordinado ao Comando
de Operações Especiais e acionado em ações hostis, especialmente na capital
federal, em razão da distância.
Caso fosse decretado Estado de Sítio, por exemplo,
o 1º BAC seria um dos primeiros a entrar em ação na Praça dos Três Poderes,
onde ocorreram os atos golpistas de 8 de janeiro.
A nomeação de Cid, no entanto, foi barrada pelo
comandante do Exército, Tomás Paiva, no dia 24 de janeiro, após a depredação
dos edifícios do Supremo Tribunal Federal (STF), Palácio do Planalto e
Congresso Nacional pela horda bolsonarista.
No vídeo, após os parabéns puxado por Bolsonaro,
Mauro Cid oferece o primeiro pedaço de bolo ao ex-presidente. “Para o senhor o
primeiro pedaço”.
Bolsonaro
usa Veja para alegar que é vítima de perseguição de Moraes
Em desespero diante do avanço das investigações e
da delação premiada do tenente coronel Mauro Cid à Polícia Federal (PF), Jair
Bolsonaro (PL) foi à rede X, antigo Twitter, neste sábado (24) e usou uma reportagem
da revista Veja para alegar que é vítima de perseguição do ministro Alexandre
de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
A reportagem compartilhada por Bolsonaro revela
supostas perguntas que teriam sido feitas a Aécio Pereira, primeiro dos condenados
pelos atos golpistas de 8 de janeiro, por um juiz auxiliar de Moraes e diz que
"quatro perguntas específicas, porém, dão pistas mais claras de como a
justiça tentará responsabilizar aquele que, não é segredo para ninguém,
Alexandre de Moraes acredita estar por trás da intentona: o ex-presidente Jair
Bolsonaro".
“Você
acredita nas afirmações do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro sobre a
ocorrência de fraudes nas urnas e nas eleições? Isso colaborou para sua ida a
Brasília e à marcha até à praça dos Três Poderes? Você queria a queda do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o retorno do ex-presidente Jair Messias
Bolsonaro? Se o ex-presidente Jair Bolsonaro tivesse dado declaração
reconhecendo a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a lisura das
eleições, você teria ido a Brasília e à Praça dos Três Poderes?”, são as
perguntas que, segundo a Veja, faria parte do roteiro de Moraes.
Pereira teria permanecido em silêncio diante das
indagações, mas mesmo assim foi condenado a 17 anos de cadeia. Segundo a Veja,
"é de se esperar que perguntas semelhantes sejam feitas aos mais de 1.300
réus que respondem por destruir o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo
Tribunal na busca por enquadrar Bolsonaro".
A reportagem ainda ouviu a professora de Direito
Penal da Universidade de São Paulo Helena Lobo que ressaltou que se for provado
que Bolsonaro instigou os atos golpistas "ele pode ter uma pena alta não
pelo simples fato de ser instigador, mas pela qualidade, alcance e robustez
dessa instigação”.
Na rede de Elon Musk, Bolsonaro aproveitou para se
vitimizar. "Conclui-se, segundo a Veja, que as perguntas tendenciosas
feitas aos acusados tiveram um único objetivo: 'vincular Bolsonaro ao 08 de
janeiro'", escreveu o ex-presidente.
Na sua interpretação da reportagem, Bolsonaro
afirma que Moraes faz as perguntas porque quer vinculá-lo ao 8 de Janeiro e
tenta justificar o ataque às urnas eletrônicas e o discurso para incitar um
levante golpista.
"Bolsonaro, e muitos outros parlamentares,
inclusive alguns de esquerda, sempre se empenharam pela transparência nas
eleições (PLs e PECs), exatamente para que se evitassem questionamentos",
diz.
Fato citado pela revista e ignorado no tuite é que
Bolsonaro divulgou dois dias depois dos atos um vídeo contestando o resultado
das eleições - que foi apagado em seguida.
O ex-presidente também ignora toda a investigação,
incluindo a delação de Mauro Cid, que revela que durante o silêncio sepulcral
que manteve após a derrota para Lula em 30 de outubro, ele tramou um golpe de
Estado que só não teria ido adiante pela negativa de parte da cúpula das Forças
Armadas.
Fonte: O Globo/Agencia Estado/Metrópoles/Fórum
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