Pessoas com deficiência têm dificuldades de inserção no mercado de
trabalho
Setembro é o mês da Luta Nacional da Pessoa com
Deficiência. A comemoração lembra a conquista histórica de direitos por esse
grupo e levanta a bandeira do combate ao capacitismo, nome que se dá ao
preconceito contra pessoas com deficiência.
Apesar dos avanços no debate sobre inclusão
celebrados neste mês, Luiz Eduardo Fonseca, 16 anos, percebe que o preconceito
ainda está presente em seu dia a dia. "Sinto que muitas vezes as pessoas
subestimam minha capacidade. Elas veem a cegueira, não o potencial que tenho.
Elas veem um menino cego, não quem eu sou", desabafa. Sua primeira
experiência no mundo do trabalho foi durante um processo seletivo para jovem
aprendiz. Luiz foi selecionado, mas, quando iniciou suas atividades, sentiu que
não era bem vindo ali. "Não faziam questão de tornar o ambiente acessível
para mim."
O estudante continuou a buscar novas oportunidades
e foi admitido no Setor de Comunicação da Administração de Taguatinga, "No
início, as pessoas ficaram um pouco chocadas com a minha autossuficiência, como
se minha deficiência me impedisse de ser funcional, mas depois a equipe
percebeu que sou perfeitamente capaz como qualquer outra pessoa",
relembra.
Muitas empresas não estão preparadas para acolher
um funcionário PCD, e a falta de uma política de inclusão pode trazer
dificuldades de adaptação para as equipes. O advogado especialista em direitos
das pessoas com deficiência Eduardo Felype explica que é dever da empresa promover
a acessibilidade, seja ela qual for, aos seus funcionários.
Felype afirma que as empresas não só devem acomodar
pessoas com deficiência, mas também se certificar de que elas não sofram
quaisquer tipos de discriminação no ambiente de trabalho. "Como qualquer
outra pessoa, as PCD podem escolher o trabalho que quiserem e as empresas devem
se adequar para cumprir todos os direitos garantidos à elas, como cotas de
empregabilidade, jornada especial de trabalho e acessibilidade
diferenciada", diz o advogado.
• Contratação
Se a adaptação para execução do trabalho pode ser
um grande desafio, para muitas pessoas com deficiência a exclusão começa antes,
na hora de ser efetivado. Arthur Oliveira, 19 anos, nasceu sem o antebraço
direito. O estudante do quarto período de psicologia, conta que desde o início
do curso procura por vaga de estágio na área, mas nunca foi selecionado:
"Na minha busca, não vi nenhuma vaga de estágio com cotas para PCD".
Felype explica que a política de cotas é
obrigatória também nos contratos de estágio. "Muitos artifícios são usados
para lutar contra a discriminação das pessoas no trabalho, a lei de cotas vem
sendo uma forte aliada nessa luta."
Segundo dados do módulo Pessoas com Deficiência da
Pnad Contínua 2022, a população com deficiência no Brasil é estimada em 18,6
milhões de pessoas. Desse quantitativo, apenas 5,1 milhões estavam inseridas no
mercado de trabalho.
Vanessa Zanella, 26 anos, é uma delas. Ela trabalha
na equipe de marketing de uma grande empresa. "No meu primeiro trabalho,
não fui valorizada, mesmo tendo experiência e conhecimento. Era nítida a
evolução profissional de outros funcionários sem deficiência ou homens"
relata. "É difícil a gente conseguir cargos de liderança, porque pensam
que as pessoas que têm nanismo não têm capacidade. Mas essa deficiência não
afeta a questão intelectual", destaca a designer gráfica.
• Mais
que estatísticas
A acessibilidade vai além de rampas e pisos táteis
e deve ser um mecanismo de integração. Para a professora de inglês Viviane
Santos, 26 anos, esse não foi o caso. Viviane é cega e relata que em seu
primeiro emprego, a empresa além de não adaptar seus equipamentos, não lhe
ofereceu seus direitos trabalhistas. "Eles me forneceram um contrato sem
vínculos trabalhistas, e na luta por uma oportunidade, eu aceitei", conta
a professora. "Fizeram todo o processo de contratação e quando cheguei,
era de faz de conta. Não tinha acessibilidade, nem autonomia e nem
direitos", desabafa.
Depois dessa situação, a professora passou em um
concurso da secretaria de educação e afirma que no ensino público encontrou
acessibilidade e acolhimento. Hoje, leciona para as séries do ensino médio, as
quais têm sala própria com sistemas adaptados para sua deficiência. "Tudo
que a gente precisa é de oportunidade. A gente não quer entrar no mercado só
para ser estatística, a gente quer crescer, se desenvolver", destaca
Viviane.
A situação de Viviane não é incomum. Segundo
Eduardo Felype, os casos judiciais mais comuns na área em que atua são de
discriminação no ambiente de trabalho: "O capacitismo nem sempre é
escancarado, muitas vezes vem de forma velada, mas independentemente do tipo,
deve ser denunciado".
>>>> Quais direitos são garantidos por
Lei para trabalhadores com deficiência?
• Várias
leis tratam dos direitos de PCD no mercado de trabalho, começando pela
Constituição de 1988, passando pela CLT e, mais recentemente, pelo Estatuto da
Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), entre outras.
>>>> Confira abaixo alguns direitos
garantidos por esses regulamentos:
» Prioridade na fila de processos trabalhistas. A
preferência pode ser requisitada mediante requerimento ao juiz, do qual conste
a comprovação da condição de saúde.
» Cotas. Empresas com cem ou mais empregados estão
obrigadas a preencher de 2% a 5% de seus quadros com beneficiários reabilitados
ou pessoas com deficiência. No setor público, a reserva de vagas para pessoas
com deficiência é de até 20% das vagas oferecidas nos concursos.
» Concessão de horário especial, quando a
necessidade for comprovada por junta médica oficial, independentemente de
compensação de horário, para servidores públicos.
» Proibição de discriminação, o que inclui recusa
em promover adaptações razoáveis e fornecer tecnologias assistivas.
» Proteção contra toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou
degradante.
» Igualdade de oportunidades, incluindo equidade
salarial e correspondência nos critérios de admissão do trabalhador.
» Proibição de redução ou supressão de direitos
adquiridos em convenções ou acordos coletivos de trabalho.
» Indenização por dano moral e reintegração ao
emprego, com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, em caso
de dispensa motivada por discriminação.
» Aposentadoria diferenciada. O benefício varia
conforme o grau de deficiência, mas a lei prevê que a aposentadoria por idade
deve acontecer aos 60 anos para os homens e aos 55 para as mulheres,
independentemente dograu de deficiência, desde que cumpridos os 15 anos de
contribuição nessa condição.
» Um salário mínimo mensal. O artigo 203, inciso V,
da Constituição garante às pessoas com deficiência que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida pela família o
benefício.
» Atendimento educacional especializado,
preferencialmente na rede regular de ensino.
» De acordo com o estatuto, pessoa com deficiência
é “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas”.
» Segundo o IBGE, a mão de obra de pessoas com
deficiência é absorvida principalmente pelo setor privado, como empregados
(35,4%) ou por conta própria (36,5%). Porém, a maior parte desta população,
55%, está no setor informal. Em comparação com trabalhadores sem deficiência, a
diferença é de 16,3 pontos percentuais.
» Entre os homens, observa-se uma diferença
significativa entre aqueles com deficiência que trabalham por conta própria
(41,9%) em comparação aos sem deficiência (29,0%).
» Mais de 30% das mulheres com deficiência
trabalham por conta própria, em contraste com aproximadamente 20% daquelas sem
deficiência. Ainda entre as mulheres, o trabalho doméstico é mais comum para
aquelas com deficiência (18,8%) do que para as sem deficiência (12,2%).
• Da
luta pessoal à política
A história da Secretaria da Pessoa com Deficiência
(SEPD) se entrelaça com a de seu gestor. Flávio Pereira é pedagogo e servidor
de carreira do Governo do Distrito Federal. Chefia, atualmente, a SEPD, mas sua
luta pela inclusão vem desde cedo. Sofreu sequelas da poliomielite na infância,
que o levaram a perder a mobilidade das pernas. Começou a trabalhar aos 18 anos
em uma autopeças e lembra que "lá as pessoas achavam que eu tinha menos
capacidade por estar em uma cadeira de rodas".
Com o passar do tempo, conseguiu se inserir em
comunidades de pessoas com deficiência e passou por organizações mais
acolhedoras. “Trabalhei no Senai, onde não tive problema algum com relação à
minha condição, pelo contrário, me trataram como igual”, conta.
Nessa trajetória, entrou em contato com as
dimensões sociais da acessibilidade e se engajou na causa, conciliando suas
funções em cargos públicos com a rotina de paratleta. Sua experiência na área
do esporte o levou a assumir o cargo de diretor de Articulação de Esportes e
Lazer da SEPD, antes de chefiar a pasta.
A SEPD tem como função articular políticas públicas
voltadas a este grupo e é responsável pelo Cadastro da Pessoa Com Deficiência
(CadPCD), sistema que registra dados e documentos de pessoas com deficiência no
Distrito Federal e que dá acesso a direitos como o transporte gratuito. O
cadastro legitima a deficiência sem que a pessoa tenha necessidade de realizar
um novo laudo a cada pedido junto à Administração Pública.
Em sua gestão, Flávio deu ênfase na divulgação e
administração do CadPCD. Apenas em 2023, foram feitos 21.578 cadastros, tendo
13.705 destes sido aprovados pela SEPD. Entre os cadastrados, estão 1533
pessoas com deficiência auditiva, 7596 com autismo, 5974 com deficiência
física, 3051 com deficiência intelectual, 334 com síndrome de down e 2268 com
deficiência visual. “O cadastro serve como validação para pessoas com deficiências
invisíveis, como autismo ou doenças ósseas”, explica o secretário.
Flávio trabalha para que a acessibilidade não seja
vista apenas como um elemento arquitetônico, mas como atitude, com atenção
especial à integração da pessoa com deficiência no mercado de trabalho.
"Uma das nossas diretorias é especializada na área da empregabilidade. Nós
queremos derrubar barreiras e abrir oportunidades", afirma.
Mas o secretário defende que quebrar barreiras para
PCD não depende exclusivamente da sua secretaria, e sim de um esforço conjunto
entre setores, principalmente o da educação. "Não adianta abrir vagas
afirmativas se as pessoas com deficiência não tiverem qualificação
profissional. O primeiro passo para a inclusão no mercado de trabalho é a
inclusão nas escolas e universidades", defende, ressaltando que a
tecnologia pode ser uma forte aliada no processo de integração das pessoas com
deficiência, tanto na sala de aula como no mercado de trabalho.
Flávio avalia, baseado em sua própria experiência
profissional, que mesmo com os avanços constantes em relação à acessibilidade
nas últimas décadas, ainda há muito caminho pela frente. “Eu vivi desde a
rejeição até a aceitação total no mercado de trabalho, e com isso eu posso
dizer que oferecer acessibilidade é um processo crucial para a integração das
pessoas com deficiência”, ressalta.
"Nenhuma empresa é melhor ou pior para se
trabalhar sendo alguém com deficiência, o que existe são empresas preparadas e
outras despreparadas, e a nossa missão é fazer com que todas elas sejam um
espaço acolhedor para quem é PCD", completa o secretário.
Fonte: Correio Braziliense
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