Golpe e abolição da democracia dividem juristas
Alguns juristas consultados por jornal veem no 8/1
tentativa de abolir a democracia, mas não de tentar golpe. Este, por falta de
meios físicos (armas e tropas treinadas). Ridículo. A tentativa de golpe foi
causar tumulto para os militares intervirem. Inadmissível um jurista ser tão
“ingênuo”. Despropositado o jornal Folha de SP levantar tal discussão.
Confira a matéria, abaixo:
Depoimento de policiais, falas em vídeo do próprio
acusado, o contexto de acampamentos em frente a quartéis desde as eleições e
mensagens de conclamação aos atos de 8 de janeiro em redes sociais condensados
em relatórios de inteligência foram considerados como provas pelo STF de que
naquela data teria ocorrido os crimes de golpe de Estado e de abolição do
Estado democrático de Direito.
Previstos no Código Penal, ambos os crimes já estão
configurados na forma de tentativa. O ministro Alexandre de Moraes, inclusive,
ironizou que o julgamento dos réus do 8/1 não estaria ocorrendo se essas
tentativas tivessem sido consumadas.
Um dos crimes fala em “tentar abolir o Estado
democrático de Direito”, impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes
constitucionais, e o outro em tentar depor “o governo legitimamente
constituído”.
Ambos exigem que tenha sido empregada violência ou
grave ameaça na ação.
Ao votar pela condenação de Aécio Lúcio Costa
Pereira a 17 anos de prisão, Moraes, que é o relator da ação, elencou elementos
de que houve invasão e emprego de violência do edifícios dos três Poderes.
Além disso, apontou que Pereira estava lá com esse
objetivo e que a finalidade do ato seria tanto a ruptura institucional como a
deposição do governo eleito.
“O próprio réu diz que fazia parte do grupo Os
Patriotas e veio de Diadema, onde mora, no estado de São Paulo, para praticar
esses atos”, afirmou o ministro ao votar. Ele rebateu os argumentos de críticos
de que um golpe não seria feito em um final de semana.
“Não sejamos ingênuos de achar que os manifestantes
fizeram num domingo porque não havia ninguém nos prédios”, avaliou Moraes em
determinado momento do voto.
“Fizeram num domingo porque a ideia era
inviabilizar o exercício dos Poderes e para que, com aquela primeira adesão,
lamentável, que houve por parte dos oficiais da Polícia Militar, a polícia não
os retiraria e que, se houvesse a necessidade e o Exército fosse convocado,
tentariam convencer o Exército a aderir ao golpe de Estado”, acrescentou.
CRIMES CONTRA O ESTADO DEMOCRÁTICO NA CONDENAÇÃO DO
8/1
Abolição violenta do Estado democrático de Direito:
Quando alguém tenta, com uso de violência ou grave ameaça, impedindo ou
restringindo o exercício dos três Poderes. Pena de 4 a 8 anos de prisão.
Golpe de Estado: É a tentativa de depor, por meio
de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído. Pena de 4 a
12 anos de prisão.
Depoimentos de quatro testemunhas (policiais que
atuaram no 8 de janeiro) são usados como provas de que os integrantes das
invasões anunciavam a intenção de deposição do governo, com falas descritas
como pejorativas quanto ao presidente Lula (PT), externando irresignação quanto
ao resultado das eleições de 2022 e pedindo intervenção militar.
Também mensagens divulgadas antes do 8 de janeiro
são consideradas como prova de que os presentes aos atos tinham prévio
conhecimento da finalidade dos atos.
Em seu voto, Moraes se vale também de elementos do
relatório da intervenção federal –que foi decretada por Lula e aprovada pelo
Congresso após os ataques em Brasília— e seus anexos.
Ele cita que relatório de inteligência que alertava
para a possibilidade de invasão e ocupação a órgãos públicos, destacando a
menção no documento à conclamação de caravanas a Brasília com dizerem como
“tomada de poder pelo próprio povo”.
Também são citados como contexto os atos em frente
a quartéis conclamando ação das Forças Armadas contra o resultado da eleição
instalados desde novembro do ano anterior, os atos de vandalismo em 12 de
dezembro do ano anterior e a tentativa de explosão de um artefato, ambos na
capital federal.
O pano de fundo para a justificativa de um golpe,
disse Moraes, foram as acusações de “uma suposta fraude eleitoral e o exercício
arbitrário dos Poderes constituídos”.
No caso de Pereira, também são consideradas como
provas vídeos gravados por ele mesmo, além do fato de a camiseta que vestia na
data dizer “intervenção militar federal”. Em uma das gravações Pereira diz que
não aceita o governo eleito e incentiva as pessoas a pedirem “SOS Forças
Armadas”.
“Eu como representante do povo, estou aqui para
dizer que não aceito esse governo fraudulento como nosso representante”,
afirmou ao microfone do plenário do Senado. “Não vamos deixar o comunismo
entrar. Gente, saiam nas ruas. Dê corroboro pra gente. Saiam nos quartéis,
saiam agora. Fiquem nas ruas e peçam SOS Forças Armadas.”
Laudo da PF, a partir de dados extraídos do celular
de Pereira, é citado como outro elemento que comprova seu acesso à praça dos
Três Poderes e ao Congresso Nacional.
Apesar do voto de Moraes, o entendimento não foi
unânime. André Mendonça, que foi indicado ao cargo pelo ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL), entendeu que não houve o crime de golpe de Estado durante os
ataques golpistas, o que rendeu uma discussão entre os ministros.
Ele argumentou que, para um golpe, teria que ser
instituída uma ordem jurídica e institucional: “Para qualquer ação de golpe
dependeria uma ação de outras forças, basicamente dos militares”, disse
Mendonça. A maioria do tribunal discordou.
Especialistas consultados pela Folha têm visões
distintas.
Para Diego Nunes, professor de história do direito
penal da UFSC (Universidade Federal de SC), as provas apresentadas, como o
contexto da organização dos acampamentos nos quartéis e o material de
divulgação para os atos, são suficientes para configurar que houve uma
tentativa de golpe.
Ele considera que o fato de os militares não terem
chegado a aderir não afasta a caracterização.
Do que tem conhecimento do processo, a advogada
criminalista Marina Coelho Araújo avalia que as provas não são suficientes para
comprovar a tentativa de golpe de estado, pelo menos no que se refere aos
primeiros réus julgados, mas sim quanto ao crime de abolição do estado
democrático de direito.
Para Marina, elementos como posts chamando para os
atos, mas que não conclamavam para atos violentos explicitamente, e o uso de
camiseta escrito intervenção militar, por exemplo, não provam que houve uma
tentativa de golpe.
Lenio Streck, que é professor e advogado, diz que
há provas suficientes de que houve os dois crimes, inclusive o de golpe de
estado. Ele considera que é errado dizer que os atos não seriam adequados para
se chegar um golpe. “Se fossem idôneos mesmo teriam conseguido o golpe. O crime
é de tentativa. Tentar já é a consumação”, afirma.
Na avaliação da advogada constitucionalista Vera
Chemim, considerando as circunstâncias delimitadas pelo STF, ao julgar os
agentes, ficou configurado o crime de abolição do Estado democrático de
Direito, ao se comprovar que a intenção dos que ali estavam era provocar uma
intervenção militar.
Por outro lado, ela não vê provas do crime de golpe
de Estado, porque entende que aquelas pessoas não detinham armas capazes de
viabilizar efetivamente uma tomada do poder.
Vem aí
o escândalo da PGR bolsonarista
Em seus últimos dias como procurador-geral da
República, Augusto Aras se dedicou a fazer um desagravo a si mesmo.
Compartilhou com amigos uma lista de feitos na PGR, lançou um livro sobre como
a sua gestão “salvou vidas” na pandemia e, em sua sessão de despedida no
Supremo Tribunal Federal (STF), declarou ter sido vítima de “incompreensões e
falsas narrativas”.
O discurso revela incômodo com avaliações de sua
trajetória por parte da opinião pública. Desde que assumiu o cargo, acumulou
críticas pelo alinhamento e a leniência com o ex-presidente Jair Bolsonaro,
principalmente pela gestão da crise da Covid-19, bem como a proximidade com
políticos do Centrão.
Após cerca de 1.500 dias no cargo, Aras deixará o
posto na terça-feira. Nos últimos meses, sob a Presidência de Luiz Inácio Lula
da Silva, ele tentou trilhar um novo caminho. Assumiu o papel de “amante” da
democracia (“democracia, eu te amo, eu te amo, eu te amo”, disse na abertura do
ano Judiciário) e lembrou aos petistas que foi responsável pelo fim da
Lava-Jato.
Lula pretende emplacar outro nome no posto, mas o
entorno do presidente não esconde o plano de escolher um PGR com perfil
semelhante ao de Aras — alguém que evite a “criminalização da política” e seja
“antilavajatista”.
Ao contrário dos antecessores, que ofereceram
denúncias contra os ex-presidentes Dilma Rousseff e Michel Temer, Aras arquivou
mais de 70 pedidos de inquérito contra Bolsonaro. Entre elas, as acusações de
prevaricação, emprego irregular de verba pública, infração a medidas sanitárias
e epidemia com resultado de morte feitas pela CPI da Covid. O PGR também não
viu crime nas pregações de Bolsonaro contra as vacinas e máscaras, nem nas
declarações golpistas de 7 de setembro em 2021.
— Ali eu já teria aberto uma investigação contra o
presidente por crimes contra o Estado Democrático de Direito. Desaguou em tudo
isso agora pela enorme inércia e omissão — afirmou ao GLOBO Claudio Fonteles,
indicado à PGR por Lula no primeiro mandato.
Para rebater as críticas, Aras passou a divulgar
que também arquivou mais de 120 inquéritos pedidos contra Lula, seus ministros
e familiares neste ano.
A “anticriminalização” da política praticada por
Aras também se estendeu a outros políticos, como o presidente da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL), que atualmente faz campanha para que ele seja reconduzido ao
posto. Na gestão de Aras, Lira foi “desdenunciado” — ou seja, o MPF pediu a
retirada de uma denúncia oferecida pelo próprio órgão sobre caso de corrupção
passiva que tratava de um suposto pagamento de R$ 1,5 milhão de propina feito
pela construtora Queiroz Galvão.
Além de Lira, Aras pediu o arquivamento de um
inquérito contra o então ministro da Casa Civil Ciro Nogueira no caso em que
ele era suspeito de receber propina do grupo J&F. A PF concluiu que
Nogueira cometeu os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas
Lindôra Araújo, subordinada de Aras, entendeu que os indícios se baseavam
apenas em delações premiadas.
— O Aras reproduziu com muito mais radicalidade o modelo
do Geraldo Brindeiro, (ex-PGR de Fernando Henrique Cardoso), que era conhecido
como o “engavetador-geral da República”, só que em um contexto mais grave —
afirma Daniel Sarmento, professor de Direito Constitucional da Uerj.
Além de investigar e denunciar políticos com foro
privilegiado, a PGR tem como atribuição atuar no chamado “controle de
constitucionalidade” dos atos do governo federal. Segundo pesquisa feita pela
professora da FGV Direito Eloísa Machado de Almeida, entre 2019 e 2022 foram
apenas nove ações da PGR.
— Diante da retração da PGR, este papel acabou
sendo exercido por partidos políticos, maiores litigantes no STF contra atos de
Bolsonaro — disse a professora.
Se do mundo jurídico vieram as críticas mais
pesadas a Aras, no mundo político sobraram elogios. Admirador de Aras, o
deputado federal Alberto Fraga (PL-DF) conta que recebeu uma mensagem do
procurador-geral na última semana listando os feitos que foram “boicotados”
pela imprensa.
Procurada por meio de sua assessoria, a PGR enviou o
pronunciamento de Aras em que tratou das “falsas narrativas”. “Nossa missão não
é caminhar pela direita ou pela esquerda, mas garantir, dentro da ordem
jurídica, que se realize justiça, liberdade, igualdade e dignidade da pessoa
humana”
Fonte: FolhaPress/O Globo
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