HOMEM QUE SUBIU NO CONGRESSO NOS ATOS GOLPISTAS DE 8/01 É HOMENAGEADO
NO SENADO POR MEMBRO DA CPI
EM 26 DE MAIO deste ano, certamente um filme passou na cabeça do capoeirista
Sergio Luís dos Santos Lima, conhecido em Brasília pelo apelido Sergio Brucutu.
Ao ganhar no Senado uma homenagem de um parlamentar pelos seus trabalhos como “líder comunitário”,
ele voltou ao mesmo prédio em que esteve pouco mais de cinco meses antes – mas
em uma situação totalmente diferente.
Agora celebrado na Casa do Povo, Sergio Brucutu foi
um dos milhares de bolsonaristas que participaram da manifestação que culminou
com a depredação do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Congresso
Nacional, no dia 8 de janeiro. Como tantos outros, produziu provas contra si
mesmo: publicou nas redes sociais uma série de fotos no topo do Congresso
Nacional – uma área de acesso restrito.
Sua participação registrada nos atos terroristas,
no entanto, não o impediu de receber a honraria. Sergio Brucutu recebeu o
certificado em uma cerimônia conduzida pelo senador Izalci Lucas, do PSDB,
também do Distrito Federal. Como membro titular da Comissão Parlamentar Mista
de Inquérito que investiga os atos de 8 de janeiro, o senador é um dos
incumbidos de investigar a tentativa de golpe de estado.
Quadro histórico da política brasiliense, Izalci
adota na CMPI do Golpe uma postura similar à que teve na CPI da Covid. Com um
discurso menos inflamado que o dos bolsonaristas mais radicais, traduz notícias
falsas, preconceito e radicalismo em um discurso pomposo. Na aparência, é mais
“soft” do que boa parte dos líderes da extrema direita brasileira. Mas, no
conteúdo, como mostra a homenagem ao homem que invadiu o topo do Congresso, é
mais um brucutu.
Nós procuramos o gabinete do senador Izalci Lucas
para que comentasse o certificado entregue a Sérgio Brucutu, questionando se
ele sabia que o homenageado havia participado da manifestação do 8 de Janeiro.
Após a publicação deste texto texto, o senador
Izalci Lucas afirmou, em nota, que “na sessão solene em Hhmenagem ao Dia do
Líder Comunitário, são convidados os principais líderes de cada cidade e eles
indicam líderes ligados às suas comunidades e segmentos que atuam com
destaque”.
Segundo o parlamentar, no caso de Sergio Brucutu,
“sua indicação foi feita pelo mestre em capoeira, Katita. Com relação a pessoa
que você ressaltou, digo-lhe que não a conheço, mas acreditei na liderança que
o indicou.”, afirmou.
·
A paz após o golpe
Embora não haja imagens que o mostrem dentro dos
prédios públicos invadidos, o fato de Sergio Brucutu ter alcançado o teto do
Congresso já demonstra irregularidade. O acesso ao espaço estava fechado
naquele domingo, 8 de janeiro, e os manifestantes precisaram furar um bloqueio
policial para chegar ali. A autoincriminação de Sergio Brucutu não passou
despercebida por muito tempo. Sua identidade foi revelada pela página de Instagram “Contra Golpe Brasil”, ainda no fim da
tarde de 8 de janeiro.
A exposição de seu nome e usuário do Instagram na
página, que conta com dezenas de milhares de curtidas, não constrangeu Sergio
Brucutu. Pelo contrário. Até hoje, ele mantém o álbum de sete imagens feitas no
8 de Janeiro – duas delas são selfies, mostrando o próprio rosto sorridente em
meio à multidão.
O deboche à denúncia de que participou dos atos
seguiu no dia seguinte, quando publicou uma montagem com sua foto e as palavras
“wanted [procurado], recompensa em píquice”. No dia 10 de janeiro, voltou a
publicar imagens feitas por ele no ato, agora tentando tirar o corpo fora: “Eu
sou testemunha ocular do que aconteceu. A quebradeira veio de dentro. A
ignorância partiu dali também com apoio de 300 sindicalistas paulistas
passando-se por manifestantes”.
Sergio Brucutu não é o único. Nesta semana, contamos
no Intercept que outra liderança do 8 de Janeiro anda
frequentando gabinetes públicos – neste caso, com um excelente salário. A
influencer Karol Eller, demitida da EBC pela participação nos atos golpistas,
agora é assessora parlamentar e ganha R$ 17,9 mil mensais, pagos pelo gabinete
do deputado estadual bolsonarista Paulo Mansur, do PL de São Paulo.
Nos perdoem pela insalubridade, mas não estamos
falando de Karol Eller e Sergio Brucutu à toa. O Brasil, como nação, deve à sua
população uma prestação de contas do que houve no dia 8 de janeiro de 2023. É
urgente que saibamos tudo que aconteceu ali: dos mentores aos financiadores,
dos invasores aos destruidores.
A CPMI que corre no Congresso foi criada pela
própria extrema direita para disseminar teorias conspiratórias sobre o 8 de
Janeiro. Ela é, portanto, absolutamente incapaz de responder ao tamanho desse
desafio. A justiça, por sua vez, guarda sigilo sobre suas investigações e
processos. Cabe ao jornalismo, portanto, não esquecer os nomes que tentaram
enterrar nossa democracia – Karol, Sergio, Jair. Quem quer o golpe não merece a
paz.
Ø Zequinha Marinho, senador que
ajudou terrorista, é o bingo do bolsonarismo: pastor, amigo de grileiro e faz
rachadinha
A CPI do 8 de janeiro convocou o terrorista George
Washington, o bolsonarista que planejou um atentado terrorista em Brasília. Ele
foi preso depois que a polícia descobriu que ele planejava explodir um caminhão de combustível perto do
aeroporto de Brasília. “O senhor (Jair Bolsonaro) despertou esse espírito”,
escreveu o terrorista em uma carta para o ex-presidente.
Há menos de um mês de ser preso, o terrorista esteve
presente em uma audiência pública no Senado Federal convocada por senadores
bolsonaristas. De caráter golpista, a reunião foi palco de ataques ao processo
eleitoral e ao STF, pedidos de prisão do ministro Alexandre de Moraes e a
defesa aberta de um golpe militar. George Washington estava lá junto de outros
dois acusados de participar do planejamento do atentado a bombas. Os policiais
legislativos desconfiam que parte dos
invasores de 8 de janeiro aproveitaram essa entrada no Senado para mapear
alguns pontos do prédio.
O nome do senador que autorizou a entrada do
terrorista George Washington estava mantido sob sigilo, mas a Folha descobriu.
Trata-se do paraense Zequinha Marinho, do Podemos do Pará, um personagem pra lá
de obscuro que reúne em si todos os estereótipos de um político bolsonarista. É
pastor evangélico, tem ligações com madeireiras na Amazônia, atua em favor de
grileiros, persegue os povos indígenas, é negacionista climático e é acusado de
se lambuzar com rachadinha em seu gabinete. Perceba que o senador completa o
bingo dos predicados do bolsonarismo: tem um pouco de Ricardo Salles, um pouco
de Silas Malafaia, um pouco de Flávio Bolsonaro.
Antes de estrear na política nos anos 90, Zequinha
foi gerente do Banco da Amazônia e pastor da Assembléia de Deus. Sua carreira
política começou em 97, quando foi deputado estadual no Pará. Depois, foi
deputado federal do estado por 10 anos. Em 2015, chegou a ser vice-governador
durante o mandato de Simão Jatene, um político marcado por escândalos de corrupção.
A defesa da família, dos bons costumes e dos interesses ruralistas sempre foram
suas principais bandeiras. Zequinha já era um legítimo bolsonarista antes do
bolsonarismo existir.
Eleito senador na onda bolsonarista de 2018,
Zequinha passou a ser visto por madeireiros, grileiros e garimpeiros da
Amazônia como uma porta de acesso ao governo federal. Uma reportagem da Agência
Pública reuniu relatos e documentos que mostram as movimentações de Zequinha
junto ao governo federal para atender esses criminosos que atuam na região
amazônica. “Chama o Zequinha” era uma frase repetida entre eles quando
precisavam de uma ajudinha de cima.
O senador atuou com especial apreço para retirar a
proteção da terra indígena de Ituna Itatá, no Xingú, onde povos indígenas vivem
isolados. Do seu gabinete saiu uma série de ofícios para órgãos públicos
responsáveis pela fiscalização da região. Por muito pouco Zequinha não
conseguiu fazer com que a Funai retirasse a proteção da área. O órgão cogitou a
possibilidade, mas se viu obrigado a voltar atrás depois da enorme repercussão
internacional dos assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips, que ocorreram
justamente em uma terra indígena invadida por criminosos.
O senador completa o bingo dos predicados do
bolsonarismo: tem um pouco de Ricardo Salles, um pouco de Silas Malafaia, um
pouco de Flávio Bolsonaro.
De qualquer forma, os posseiros ocuparam parte
dessas terras ilegalmente. O maior deles é Jassônio Costa Leite, considerado o
maior grileiro de terras indígenas da Amazônia. Adivinha quem é seu amigo
particular? Sim, ele mesmo, o Zequinha. Segundo o Ibama, Jassônio é o líder dos
invasores de terras indígenas, o “chefe do esquema criminoso”. É ele quem faz o
loteamento e vende os terrenos invadidos. Em 2021, após ser alvo de uma
operação de combate ao desmatamento do Ibama que o multou em R$ 105 milhões, o
posseiro pediu ajuda para Zequinha – ele
gravou um vídeo ao seu lado chamando os servidores do órgão de “bandidos
e malandros”.
A revolta do senador está no fato do Ibama ter como
prática queimar os equipamentos dos criminosos para que não sejam reutilizados
em novos crimes. Poucos dias após o encontro entre Zequinha e Jassônio, o então
ministro Ricardo Salles exonerou os diretores de fiscalização do órgão. Como
disse um dos servidores exonerados ouvido pela Agência Pública, “Na queda de
braço entre ele [o senador] e os fiscais, mesmo os mais antigos, Zequinha
sempre sai ganhando”.
Em discurso no Senado, Zequinha abusou das mentiras
sobre os povos da região: “não é uma terra indígena, é uma área de pretensão
indígena. E o pior: não há índio lá, nem isolado, nem reconhecido por ninguém”.
Zequinha faz questão de ignorar os mais de 30 anos de dados coletados por
indigenistas ligados à Funai, que atestam a existência de povos indígenas em
isolamento na região. A falsa narrativa é usada para justificar as ações
predatórias na área indígena. A luta do senador pelo domínio da região deu
resultado: 84% do desmatamento de Ituna-Itatá aconteceu justamente durante os 3
primeiros anos de mandato de Zequinha.
No ano passado, Zequinha organizou reuniões entre
garimpeiros clandestinos do Pará com ministros do governo Jair Bolsonaro. O
objetivo era apresentar um requerimento para impedir a atuação de servidores do
Ibama e da Polícia Federal nas regiões em que atuam ilegalmente. Os garimpeiros
foram recebidos pelos ministérios da Justiça, Meio Ambiente, Segurança Pública,
Agricultura, Minas e Energia, Direitos Humanos e a Advocacia-Geral da União.
Durante uma das reuniões no Ministério da Agricultura, Zequinha afirmou que a
ação do Ibama no oeste do Pará era “pior do que o Estado Islâmico na Síria”.
Entre os presentes nessa caravana em Brasília,
estavam representantes da cooperativa Cooperouri, uma velha conhecida de
policiais e fiscais quando o assunto é garimpo ilegal. Segundo investigação da
Polícia Federal, a Cooperouri integra uma grande organização criminosa que atua
na extração clandestina de ouro na Terra Indígena Kayapó, no sul do Pará.
Em 2021, durante a Operação Handroanthus, a Polícia
Federal apreendeu mais de 226 metros cúbicos de madeira ilegal, uma carga
avaliada em R$ 129 milhões. O então ministro Ricardo Salles atuou pessoalmente
para conseguir liberar a carga criminosa. Salles afirmou ter sido acionado por
um grupo de parlamentares, entre eles Zequinha.
Para a surpresa de ninguém, o senador paraense é
também um militante do negacionismo climático. Segundo ele, o aquecimento
global é apenas “folclore”, já que a “interferência humana é muito pequena”. No
primeiro ano do governo Bolsonaro, o Congresso Nacional instalou uma comissão
de deputados e senadores para discutir o tema das mudanças climáticas e o
aumento recente no número de queimadas da Amazônia. Quem foi escolhido para ser
o presidente dessa comissão? Sim, Zequinha, o
negacionista climático e representante dos garimpeiros. O episódio é uma
síntese do que foi o bolsonarismo no poder.
As malandragens de Zequinha não se limitam à
Amazônia. Elas acontecem também dentro do seu gabinete. O senador é réu pelo
crime de concussão em um processo que se arrasta por 10 anos. Marinho nega a
“rachadinha” feita dentro do seu gabinete, mas as provas contra eles são
robustas.
Zequinha já era um legítimo bolsonarista antes do
bolsonarismo existir.
O caso começou em 2011, quando era deputado federal
e presidente do PSC do Pará. Ele obrigava os seus 23 funcionários a darem uma
parte dos seus salários para o partido. Em um e-mail enviado a uma servidora,
Zequinha cobrava a grana de um dos funcionários: “Peça ao Humberto para
providenciar com a maior brevidade possível o depósito correspondente a 5% do
bruto que ele recebe. Ok?”. O funcionário se recusou a pagar e Zequinha o
demitiu por e-mail: “Diante da impossibilidade de Vossa Senhoria autorizar o
débito de 5% do Partido Social Cristão,
ficou determinada sua exoneração”. O Ministério Público Estadual pediu a
cassação de Zequinha Marinho.
Em 2021, ele foi alvo de um novo pedido de cassação
por irregularidades na captação e gastos de recursos de campanha em 2018 — o
famoso caixa 2. O MP também pediu a cassação de sua esposa, Júlia Marinho,
acusada de desviar R$ 2,3 milhões da cota de gênero do fundo eleitoral para
Zequinha.
Esses são apenas alguns episódios escabrosos no
currículo do senador bolsonarista. Há muito mais, mas este texto precisa acabar.
Zequinha é um homem baixinho, mas sua trajetória em favor do que há de pior no
Brasil é gigante. Graças a ele, garimpeiros, grileiros e até o terrorista que
planejou explodir um caminhão no aeroporto de Brasília foram recebidos com
tapete vermelho no Congresso Nacional e nos ministérios do governo federal.
Zequinha é a personificação do que é o bolsonarismo. É o negacionista climático
que preside comissão sobre o clima, o pastor evangélico que atua contra os
povos originários, o defensor dos bons costumes que faz rachadinha no gabinete.
É o combo completo.
Fonte: The Intercept
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