domingo, 27 de agosto de 2023

Grupo Wagner: como Putin tenta reafirmar autoridade sobre mercenários com juramento de lealdade

Dias após a queda de um avião do líder mercenário Ievguêni Prigojin, o presidente Vladimir Putin ordenou nesta sexta (25) que os combatentes do Grupo Wagner e de outras organizações militares privadas atuantes no país a prestarem juramento de lealdade ao Estado russo.

O decreto aplica-se a qualquer pessoa que participe em atividades militares na Ucrânia, auxilie o exército ou sirva em unidades de defesa territorial.

Ele assinou o decreto na sexta-feira (25/8), com efeito imediato.

Analistas sugerem que o decreto de Putin é parte de uma tentativa de reafirmar a autoridade dele após o motim do grupo Wagner em junho.

“Putin quer ter um controle mais rígido sobre [o grupo] Wagner para garantir que ele não enfrentará outra crise no futuro”, diz Natia Seskuria, do Royal United Services Institute, instituto especializado em defesa e segurança com sede em Londres.

O decreto foi assinado dois dias após o líder do grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, ter sido considerado morto em um acidente de avião.

Prigojin comandava o grupo paramilitar Wagner e esteve à frente de um motim fracassado contra a cúpula de Putin em junho. O nome do mercenário constava na lista de passageiros que embarcaram no avião, e o Kremlin disse que a confirmação de seu destino será feita após a realização de exames genéticos.

O decreto assinado por Putin tem efeito imediato e determina o juramento formal e obrigatório ao Estado russo dos integrantes do Wagner e de outros grupos mercenários. A medida foi publicada no site do Kremlin e, segundo especialistas, coloca os combatentes sob um controle estatal mais forte.

A nova legislação descreve o juramento como um passo para forjar os "fundamentos espirituais e morais da Defesa russa". Ao assinarem o texto, os mercenários se comprometem a "seguir rigorosamente" as ordens de seus comandantes e líderes seniores da Rússia.

·         Grupo Wagner sem um líder óbvio

No sábado, uma subunidade de extrema direita do grupo Wagner, conhecida como Rusich, informou que está interrompendo operações militares na Ucrânia.

Numa postagem no Telegram, o subgrupo Rusich acusou o Ministério das Relações Exteriores da Rússia de não proteger um membro fundador do grupo, Yan Petrovsky, que foi preso na Finlândia por violações de visto e enfrenta extradição para a Ucrânia.

O decreto surge num momento em que os mercenários do grupo Wagner não têm um líder óbvio, após um avião que supostamente transportava Prigozhin e outros líderes ter caído na quarta-feira (23/8), matando todas as 10 pessoas a bordo.

Descrito no decreto como "um passo para construir as bases espirituais e morais da defesa da Rússia", o juramento inclui a promessa de seguir "rigorosamente as ordens dos comandantes".

"É uma mensagem oculta à inteligência militar [russa] para encontrar e processar os combatentes do Wagner", diz Petro Burkovskyi, que dirige a Fundação de Iniciativas Democráticas, instituto com sede na Ucrânia, à BBC.

E é uma mensagem clara também para os combatentes, sugere ele: "Ou faça o juramento e mantenha as armas ou desarme-se. Você obedece ou vai para a prisão."

Algumas semanas antes da revolta fracassada de Prigozhin em junho, o Ministério da Defesa russo deu aos grupos mercenários até 1º de julho para assinarem contratos militares.

Prigozhin recusou-se a assinar porque não queria que o grupo Wagner operasse sob o ministério.

Putin apoiou o esquema de contrato do ministério, que foi o primeiro golpe público contra o seu aliado de longa data, Prigozhin.

A disputa escalou, levando ao motim de Prigozhin.

Mas que efeito terá o decreto sobre os combatentes de Wagner sem um líder óbvio?

Burkovskyi avalia que, como prestadores de serviços experientes, eles são bons ativos para o exército russo.

"Eles escolheram o Wagner porque [o grupo] lhes deu tratamento especial, sem a burocracia do enorme exército russo. Se receberem tratamento especial sob as ordens de Putin, não creio que se preocupem com onde, contra quem e por quem irão lutar."

Natia Seskuria, do Royal United Services Institute, acredita que, embora o decreto possa ter um efeito a curto prazo, há apoiadores leais de Prigozhin que não prestarão o juramento.

"Isto pode potencialmente criar problemas para Putin numa perspectiva de longo prazo", afirma.

Enquanto isso, as defesas aéreas russas impediram ataques de drones nas regiões de Moscou e Belgorod na manhã deste sábado, disseram autoridades.

Na região de Belgorod, na fronteira com a Ucrânia, quatro pessoas ficaram feridas em bombardeios, segundo o governador local.

O governo ucraniano quase nunca admite publicamente a realização de ataques dentro da Rússia.

Na Ucrânia, duas pessoas morreram e uma ficou feridas quando a Rússia bombardeou uma aldeia ucraniana perto da cidade de Kupiansk, no nordeste, disse o governador regional de Kharkiv.

 

Ø  Jornalista russa descreve "envenenamento" em trem alemão

 

Apesar dos assassinatos de quatro dos seus colegas durante reportagens, a jornalista russa Elena Kostyuchenko nunca considerou ter sido envenenada quando adoeceu num comboio para Berlim.

“Quando você trabalha como repórter investigativo na Rússia, você é sempre cuidadoso”, disse à Reuters. “Você tem muitos protocolos que segue o tempo todo. Mas quando me encontrei na Europa, esqueci totalmente todas essas medidas de segurança.”

Procuradores alemães investigam se Kostyuchenko, que agora vive escondida, foi vítima de uma tentativa de homicídio quando ficou doente em outubro passado.

Seus sintomas começaram com desorientação e dor de estômago durante a viagem de trem de Munique a Berlim e persistiram por várias semanas. Quando ela percebeu que poderia ter sido envenenada, já era tarde demais para identificar qualquer toxina.

“Tive que tirar os anéis porque meus dedos pareciam salsichas”, disse ela, descrevendo o inchaço que estava entre seus sintomas. Meses depois, ela ainda está exausta e só consegue trabalhar três horas por dia.

Inimigos do presidente russo, Vladimir Putin, que viviam no estrangeiro, foram envenenados no passado, incluindo os antigos agentes secretos Sergei Skripal, que sobreviveu, e Sergei Litvinenko, que morreu. Um ex-rebelde checheno morreu em Berlim, no que um tribunal alemão disse ter sido um assassinato estatal russo.

O Kremlin nega envolvimento nesses assassinatos.

“Isso se encaixa na narrativa de Putin, de que não podemos perdoar traidores”, disse Kostyuchenko. "Mas nunca trabalhei com serviços secretos... De alguma forma, pensei que na Europa estou segura."

Numa altura em que as capitais da União Europeia são vistas como potenciais refúgios seguros por activistas e repórteres russos que se consideram em risco no seu país, a possibilidade de também eles poderem ser alvo de ataques no estrangeiro representa uma mudança radical assustadora.

“Quando me encontrei na Europa, esqueci-me totalmente das medidas de segurança, como quando falei da minha viagem a Munique, usei o Facebook Messenger”, disse Kostyuchenko, a correspondente estrangeira que expôs alegados crimes de guerra russos na Ucrânia.

Quando os médicos lhe disseram que ela provavelmente havia sido envenenada, sua reação inicial foi rir.

Ela foi uma das três jornalistas independentes russas que foram aparentemente envenenadas no exterior em um período semelhante. Todas as três sofreram sintomas semelhantes.

“Podemos confirmar que uma investigação sobre a tentativa de assassinato de Elena Kostyuchenko está pendente”, disse um porta-voz dos promotores de Berlim na sexta-feira.

<><> Investigação russa encontra caixas pretas de avião em que estava Prigozhin

As caixas pretas do avião em que estava o líder do grupo mercenário Wagner, Yevgeny Prigozhin, foram encontradas nesta sexta-feira (25/08) pelos investigadores do caso.

Prigozhin está entre as dez vítimas da queda de uma aeronave na última quarta (23/08), durante uma viagem entre Moscou e São Petersburgo, gerando especulações sobre as causas do incidente.

Além de acharem as caixas pretas, os investigadores confirmaram que os restos mortais de todas as vítimas também foram recuperados no local da queda da aeronave.

Os gravadores de voo foram encontrados no mesmo dia em que o Kremlin negou que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, tenha ordenado o acidente para provocar a morte de Prigozhin, que desafiou o governo de Putin ao incitar uma rebelião no fim de junho.

Na última quinta-feira (24/08), Putin enviou condolências às famílias dos mortos na queda do avião. Ressaltando que conhecia Prigozhin  desde 1990, Putin disse que ele era "um homem de destino difícil, mas talentoso".

O grupo Wagner tinha uma participação na guerra da Ucrânia, mas liderou uma rebelião após acusar Moscou de enviar “fogo amigo” a um acampamento de mercenários da sua empresa no Sul da Rússia, e chegou a organizar um grupo para atacar a capital do país em represália. A rebelião foi controlada graças à intervenção do presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, que concedeu asilo político a Prigozhin na ocasião.

 

Ø  Relembre alguns casos de vítimas de envenenamento na Rússia

 

O governo da Rússia pode estar envolvido no envenenamento de 3 importantes jornalistas russas que vivem em exílio, uma delas em Munique, revelou o site russo The Insider, enfatizando que as vítimas são conhecidas por seu posicionamento abertamente anti-Kremlin.

Natalia Arno, Elena Kostyuchenko e Irina Babloyan foram hospitalizadas por apresentar sintomas intrigantes e inexplicados. A investigação publicada em 15 de agosto cita diversos especialistas, inclusive 1 médico famoso por ter salvado a vida do líder oposicionista Alexei Navalny: todos indicam “intoxicação exógena” como causa provável dos sintomas.

Esses são os mais recentes de uma série de atentados contra oposicionistas e críticos do Kremlin. Há muito o veneno é uma arma preferencial dos serviços de segurança russos para silenciar dissidentes políticos notórios. Em alguns casos, há provas levando diretamente a Moscou, enquanto outros permanecem misteriosos. O Kremlin nega persistentemente qualquer envolvimento.

Leia a seguir casos de envenenamento de políticos russos nas últimas duas décadas:

·         2022: Oligarca Roman Abramovich

Em março de 2022, o oligarca russo Roman Abramovich, proprietário do clube de futebol inglês Chelsea FC, manifestou sintomas de intoxicação durante conversações de paz na fronteira entre Ucrânia e Belarus, perdendo a visão temporariamente. Alguns negociadores ucranianos igualmente apresentaram vermelhidão dos olhos, lacrimejamento e problemas dermatológicos.

O grupo holandês de jornalismo investigativo Bellingcat atribuiu o atentado a linhas duras de Moscou que apoiam a guerra contra a Ucrânia, tratando-se antes de uma advertência contra negociações de paz do que uma tentativa real de assassinato. Na mesma época, diversos países ocidentais haviam imposto sanções a Abramovich por suas conexões estreitas com o Kremlin.

·         2020: Oposicionista Alexei Navalny

Durante um voo doméstico na Rússia, em agosto de 2020, o ativista anticorrupção Alexei Navalny ficou gravemente doente, o que exigiu um pouso de emergência. Mais tarde foi transferido para tratamento na Alemanha. Diversos laboratórios independentes atestaram a presença em seu organismo do agente dos nervos Novichok.

O Kremlin rebateu as acusações de atentado feitas por Navalny. O incidente deteriorou ainda mais as já tensas relações entre Rússia e Ocidente, desencadeando uma série de sanções contra autoridades russas. Em dezembro de 2020, o jornal britânico The Times acusou o governo russo de uma 2ª tentativa de assassinato contra o líder oposicionista, antes de ele voar para Berlim para continuação do tratamento.

Recuperado, Navalny retornou a seu país no mês seguinte, sendo preso imediatamente. Já condenado a 9 anos de prisão, em agosto de 2023 sua pena foi acrescida de 19 anos, numa sentença amplamente considerada política, que o réu classificou como “stalinista”.

·         2018: Agente duplo Sergei Skripal

Em março de 2018, o ex-agente duplo russo Sergei Skripal e sua filha Yulia foram envenenados com Novichok em Salisbury, Inglaterra. Ambos sobreviveram, graças a tratamento médico. Theresa May, então primeira-ministra britânica, condenou o atentado, atribuindo-o diretamente à Rússia.

Skripal estivera preso na Rússia por espionar para Londres. Além de, mais uma vez, negar qualquer envolvimento, o Kremlin acusou o Reino Unido do envenenamento. O atentado suscitou condenação internacional, culminando em expulsões diplomáticas entre os 2 Estados e uma campanha de sanções contra autoridades russas.

·         2006: Ex-espião Alexander Litvinenko

Crítico do presidente Vladimir Putin, o espião Alexander Litvinenko desertou em 2004 do serviço de inteligência russo, buscando asilo em Londres. No começo de novembro de 2006, depois de tomar chá com outros 2 ex-espiões num hotel do centro da capital britânica, ele ficou enfermo, morrendo cerca de 3 semanas mais tarde. Em seu corpo foram encontrados vestígios de polônio-210: um micrograma desse metal volátil basta para matar 1 adulto.

Investigações realizadas pelo Reino Unido e a União Europeia apontaram para Andrei Lugovoi, 1 dos companheiros de chá da vítima, como principal suspeito com “provável” sinal verde de Putin. O Kremlin negou implicação no crime e recusou-se a extraditar Lugovoi. O incidente escalou as tensões russo-britânicas, resultando na expulsão de diplomatas de ambos os países em 2007.

·         2004-2023: Atentados contra candidato e ex-presidente estrangeiros

Em 2004, o candidato pró-europeu à presidência da Ucrânia, Viktor Yushchenko, foi envenenado com dioxina durante sua campanha eleitoral. Ele sobreviveu, mas ficou permanentemente desfigurado por cicatrizes e manchas no rosto.

Seu adversário, o pró-russo Viktor Yanukovych, acabou vencendo, mas acusações de fraude resultaram na série de protestos conhecida como Revolução Laranja. O Supremo Tribunal ucraniano anulou o pleito, decretando um 2ª, em dezembro, em que Yushchenko foi eleito presidente.

Também o ex-presidente da Geórgia Mikheil Saakashvili (2005-2013) acusou agentes russos de infiltrarem o serviço secreto de seu país e tentarem envenená-lo na prisão. Ele está preso desde 2021 por crimes de corrupção e abuso de poder. Falando ao jornal Politico em março último, Saakashvili afirmou que “quase morreu” em consequência do atentado, e que desde então sua saúde está abalada.

 

Fonte: BBC News Brasil/Reuters/Ansa/Deutsche Welle

 

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