Grupo Wagner: como Putin tenta reafirmar autoridade sobre mercenários
com juramento de lealdade
Dias após a queda de um avião do líder mercenário
Ievguêni Prigojin, o presidente Vladimir Putin ordenou nesta sexta (25) que os
combatentes do Grupo Wagner e de outras organizações militares privadas
atuantes no país a prestarem juramento de lealdade ao Estado russo.
O decreto aplica-se a qualquer pessoa que participe
em atividades militares na Ucrânia, auxilie o exército ou sirva em unidades de
defesa territorial.
Ele assinou o decreto na sexta-feira (25/8), com
efeito imediato.
Analistas sugerem que o decreto de Putin é parte de
uma tentativa de reafirmar a autoridade dele após o motim do grupo Wagner em
junho.
“Putin quer ter um controle mais rígido sobre [o
grupo] Wagner para garantir que ele não enfrentará outra crise no futuro”, diz
Natia Seskuria, do Royal United Services Institute, instituto especializado em
defesa e segurança com sede em Londres.
O decreto foi assinado dois dias após o líder do
grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, ter sido considerado morto em um acidente de
avião.
Prigojin comandava o grupo paramilitar Wagner e
esteve à frente de um motim fracassado contra a cúpula de Putin em junho. O
nome do mercenário constava na lista de passageiros que embarcaram no avião, e
o Kremlin disse que a confirmação de seu destino será feita após a realização
de exames genéticos.
O decreto assinado por Putin tem efeito imediato e
determina o juramento formal e obrigatório ao Estado russo dos integrantes do
Wagner e de outros grupos mercenários. A medida foi publicada no site do
Kremlin e, segundo especialistas, coloca os combatentes sob um controle estatal
mais forte.
A nova legislação descreve o juramento como um
passo para forjar os "fundamentos espirituais e morais da Defesa
russa". Ao assinarem o texto, os mercenários se comprometem a "seguir
rigorosamente" as ordens de seus comandantes e líderes seniores da Rússia.
·
Grupo Wagner sem um líder
óbvio
No sábado, uma subunidade de extrema direita do
grupo Wagner, conhecida como Rusich, informou que está interrompendo operações
militares na Ucrânia.
Numa postagem no Telegram, o subgrupo Rusich acusou
o Ministério das Relações Exteriores da Rússia de não proteger um membro
fundador do grupo, Yan Petrovsky, que foi preso na Finlândia por violações de
visto e enfrenta extradição para a Ucrânia.
O decreto surge num momento em que os mercenários
do grupo Wagner não têm um líder óbvio, após um avião que supostamente
transportava Prigozhin e outros líderes ter caído na quarta-feira (23/8),
matando todas as 10 pessoas a bordo.
Descrito no decreto como "um passo para
construir as bases espirituais e morais da defesa da Rússia", o juramento
inclui a promessa de seguir "rigorosamente as ordens dos
comandantes".
"É uma mensagem oculta à inteligência militar
[russa] para encontrar e processar os combatentes do Wagner", diz Petro
Burkovskyi, que dirige a Fundação de Iniciativas Democráticas, instituto com
sede na Ucrânia, à BBC.
E é uma mensagem clara também para os combatentes,
sugere ele: "Ou faça o juramento e mantenha as armas ou desarme-se. Você
obedece ou vai para a prisão."
Algumas semanas antes da revolta fracassada de
Prigozhin em junho, o Ministério da Defesa russo deu aos grupos mercenários até
1º de julho para assinarem contratos militares.
Prigozhin recusou-se a assinar porque não queria
que o grupo Wagner operasse sob o ministério.
Putin apoiou o esquema de contrato do ministério,
que foi o primeiro golpe público contra o seu aliado de longa data, Prigozhin.
A disputa escalou, levando ao motim de Prigozhin.
Mas que efeito terá o decreto sobre os combatentes
de Wagner sem um líder óbvio?
Burkovskyi avalia que, como prestadores de serviços
experientes, eles são bons ativos para o exército russo.
"Eles escolheram o Wagner porque [o grupo]
lhes deu tratamento especial, sem a burocracia do enorme exército russo. Se
receberem tratamento especial sob as ordens de Putin, não creio que se
preocupem com onde, contra quem e por quem irão lutar."
Natia Seskuria, do Royal United Services Institute,
acredita que, embora o decreto possa ter um efeito a curto prazo, há apoiadores
leais de Prigozhin que não prestarão o juramento.
"Isto pode potencialmente criar problemas para
Putin numa perspectiva de longo prazo", afirma.
Enquanto isso, as defesas aéreas russas impediram
ataques de drones nas regiões de Moscou e Belgorod na manhã deste sábado,
disseram autoridades.
Na região de Belgorod, na fronteira com a Ucrânia,
quatro pessoas ficaram feridas em bombardeios, segundo o governador local.
O governo ucraniano quase nunca admite publicamente
a realização de ataques dentro da Rússia.
Na Ucrânia, duas pessoas morreram e uma ficou feridas
quando a Rússia bombardeou uma aldeia ucraniana perto da cidade de Kupiansk, no
nordeste, disse o governador regional de Kharkiv.
Ø Jornalista russa descreve "envenenamento" em trem alemão
Apesar dos assassinatos de quatro dos seus colegas
durante reportagens, a jornalista russa Elena Kostyuchenko nunca considerou ter
sido envenenada quando adoeceu num comboio para Berlim.
“Quando você trabalha como repórter investigativo
na Rússia, você é sempre cuidadoso”, disse à Reuters. “Você tem muitos
protocolos que segue o tempo todo. Mas quando me encontrei na Europa, esqueci
totalmente todas essas medidas de segurança.”
Procuradores alemães investigam se
Kostyuchenko, que agora vive escondida, foi vítima de uma tentativa de
homicídio quando ficou doente em outubro passado.
Seus sintomas começaram com desorientação e dor de
estômago durante a viagem de trem de Munique a Berlim e persistiram por várias
semanas. Quando ela percebeu que poderia ter sido envenenada, já era tarde
demais para identificar qualquer toxina.
“Tive que tirar os anéis porque meus dedos pareciam
salsichas”, disse ela, descrevendo o inchaço que estava entre seus sintomas.
Meses depois, ela ainda está exausta e só consegue trabalhar três horas por
dia.
Inimigos do presidente russo, Vladimir Putin, que
viviam no estrangeiro, foram envenenados no passado, incluindo os antigos
agentes secretos Sergei Skripal, que sobreviveu, e Sergei Litvinenko, que
morreu. Um ex-rebelde checheno morreu em Berlim, no que um tribunal alemão
disse ter sido um assassinato estatal russo.
O Kremlin nega envolvimento nesses assassinatos.
“Isso se encaixa na narrativa de Putin, de que não
podemos perdoar traidores”, disse Kostyuchenko. "Mas nunca trabalhei com
serviços secretos... De alguma forma, pensei que na Europa estou segura."
Numa altura em que as capitais da União Europeia
são vistas como potenciais refúgios seguros por activistas e repórteres russos
que se consideram em risco no seu país, a possibilidade de também eles poderem
ser alvo de ataques no estrangeiro representa uma mudança radical assustadora.
“Quando me encontrei na Europa, esqueci-me
totalmente das medidas de segurança, como quando falei da minha viagem a
Munique, usei o Facebook Messenger”, disse Kostyuchenko, a correspondente
estrangeira que expôs alegados crimes de guerra russos na Ucrânia.
Quando os médicos lhe disseram que ela
provavelmente havia sido envenenada, sua reação inicial foi rir.
Ela foi uma das três jornalistas independentes
russas que foram aparentemente envenenadas no exterior em um período
semelhante. Todas as três sofreram sintomas semelhantes.
“Podemos confirmar que uma investigação sobre a
tentativa de assassinato de Elena Kostyuchenko está pendente”, disse um
porta-voz dos promotores de Berlim na sexta-feira.
<><> Investigação russa encontra caixas
pretas de avião em que estava Prigozhin
As caixas pretas do avião em que estava o líder do
grupo mercenário Wagner, Yevgeny Prigozhin, foram
encontradas nesta sexta-feira (25/08) pelos investigadores do caso.
Prigozhin está entre as dez vítimas da queda de uma aeronave na última quarta (23/08), durante uma viagem entre Moscou e São Petersburgo, gerando
especulações sobre as causas do incidente.
Além de acharem as caixas pretas, os investigadores
confirmaram que os restos mortais de todas as vítimas também foram recuperados
no local da queda da aeronave.
Os gravadores de voo foram encontrados no mesmo dia
em que o Kremlin negou que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, tenha
ordenado o acidente para provocar a morte de Prigozhin, que desafiou o governo
de Putin ao incitar uma rebelião no fim de junho.
Na última quinta-feira (24/08), Putin enviou
condolências às famílias dos mortos na queda do avião. Ressaltando que conhecia
Prigozhin desde 1990, Putin disse que ele era "um homem de destino
difícil, mas talentoso".
O grupo Wagner tinha uma participação na guerra da
Ucrânia, mas liderou uma rebelião após acusar Moscou de enviar “fogo amigo” a
um acampamento de mercenários da sua empresa no Sul da Rússia, e chegou a
organizar um grupo para atacar a capital do país em represália. A rebelião foi
controlada graças à intervenção do presidente da Bielorrússia, Alexander
Lukashenko, que concedeu asilo político a Prigozhin na ocasião.
Ø Relembre alguns casos de vítimas de envenenamento na Rússia
O governo da Rússia pode estar envolvido no
envenenamento de 3 importantes jornalistas russas que vivem em exílio, uma
delas em Munique, revelou o site russo The Insider, enfatizando que
as vítimas são conhecidas por seu posicionamento abertamente anti-Kremlin.
Natalia Arno, Elena Kostyuchenko e Irina Babloyan
foram hospitalizadas por apresentar sintomas intrigantes e inexplicados. A
investigação publicada em 15 de agosto cita diversos especialistas, inclusive 1
médico famoso por ter salvado a vida do líder oposicionista Alexei
Navalny: todos indicam “intoxicação exógena” como
causa provável dos sintomas.
Esses são os mais recentes de uma série de
atentados contra oposicionistas e críticos do Kremlin. Há muito o veneno é uma
arma preferencial dos serviços de segurança russos para silenciar dissidentes
políticos notórios. Em alguns casos, há provas levando diretamente a Moscou,
enquanto outros permanecem misteriosos. O Kremlin nega persistentemente
qualquer envolvimento.
Leia a seguir casos de envenenamento de políticos
russos nas últimas duas décadas:
·
2022: Oligarca Roman Abramovich
Em março de 2022, o oligarca russo Roman Abramovich,
proprietário do clube de futebol inglês Chelsea FC, manifestou sintomas de
intoxicação durante conversações de paz na fronteira entre Ucrânia e Belarus,
perdendo a visão temporariamente. Alguns negociadores ucranianos igualmente
apresentaram vermelhidão dos olhos, lacrimejamento e problemas dermatológicos.
O grupo holandês de jornalismo investigativo
Bellingcat atribuiu o atentado a linhas duras de Moscou que apoiam
a guerra contra a Ucrânia, tratando-se antes de uma advertência contra
negociações de paz do que uma tentativa real de assassinato. Na mesma época,
diversos países ocidentais haviam imposto sanções a Abramovich por suas
conexões estreitas com o Kremlin.
·
2020: Oposicionista Alexei Navalny
Durante um voo doméstico na Rússia, em agosto de 2020,
o ativista anticorrupção Alexei Navalny ficou gravemente doente, o que exigiu
um pouso de emergência. Mais tarde foi transferido para tratamento
na Alemanha. Diversos laboratórios independentes atestaram a presença em
seu organismo do agente dos nervos Novichok.
O Kremlin rebateu as acusações de atentado feitas
por Navalny. O incidente deteriorou ainda mais as já tensas relações entre
Rússia e Ocidente, desencadeando uma série de sanções contra autoridades
russas. Em dezembro de 2020, o jornal britânico The Times acusou
o governo russo de uma 2ª tentativa de assassinato contra o líder
oposicionista, antes de ele voar para Berlim para continuação do tratamento.
Recuperado, Navalny retornou a seu país no mês
seguinte, sendo preso imediatamente. Já condenado a 9 anos de prisão, em agosto
de 2023 sua pena foi acrescida de 19 anos, numa sentença amplamente considerada
política, que o réu classificou como “stalinista”.
·
2018: Agente duplo Sergei Skripal
Em março de 2018, o ex-agente duplo russo Sergei
Skripal e sua filha Yulia foram envenenados com Novichok em Salisbury,
Inglaterra. Ambos sobreviveram, graças a tratamento médico. Theresa May, então
primeira-ministra britânica, condenou o atentado, atribuindo-o diretamente à
Rússia.
Skripal estivera preso na Rússia por espionar para
Londres. Além de, mais uma vez, negar qualquer envolvimento, o Kremlin acusou o
Reino Unido do envenenamento. O atentado suscitou condenação internacional,
culminando em expulsões diplomáticas entre os 2 Estados e uma campanha de sanções
contra autoridades russas.
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2006: Ex-espião Alexander Litvinenko
Crítico do presidente Vladimir
Putin, o espião Alexander Litvinenko desertou em 2004 do
serviço de inteligência russo, buscando asilo em Londres. No começo de novembro
de 2006, depois de tomar chá com outros 2 ex-espiões num hotel do centro da
capital britânica, ele ficou enfermo, morrendo cerca de 3 semanas mais tarde.
Em seu corpo foram encontrados vestígios de polônio-210: um micrograma desse
metal volátil basta para matar 1 adulto.
Investigações realizadas pelo Reino Unido e a União
Europeia apontaram para Andrei Lugovoi, 1 dos companheiros de chá da vítima,
como principal suspeito com “provável” sinal verde de Putin. O
Kremlin negou implicação no crime e recusou-se a extraditar Lugovoi. O
incidente escalou as tensões russo-britânicas, resultando na expulsão de
diplomatas de ambos os países em 2007.
·
2004-2023: Atentados contra candidato e
ex-presidente estrangeiros
Em 2004, o candidato pró-europeu à presidência da
Ucrânia, Viktor Yushchenko, foi envenenado com dioxina durante sua campanha
eleitoral. Ele sobreviveu, mas ficou permanentemente desfigurado por cicatrizes
e manchas no rosto.
Seu adversário, o pró-russo Viktor Yanukovych,
acabou vencendo, mas acusações de fraude resultaram na série de protestos
conhecida como Revolução Laranja. O Supremo Tribunal ucraniano anulou o pleito,
decretando um 2ª, em dezembro, em que Yushchenko foi eleito presidente.
Também o ex-presidente da Geórgia Mikheil
Saakashvili (2005-2013) acusou agentes russos de infiltrarem o serviço secreto
de seu país e tentarem envenená-lo na prisão. Ele está preso desde 2021 por
crimes de corrupção e abuso de poder. Falando ao jornal Politico em
março último, Saakashvili afirmou que “quase morreu” em
consequência do atentado, e que desde então sua saúde está abalada.
Fonte: BBC News Brasil/Reuters/Ansa/Deutsche Welle
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