domingo, 2 de julho de 2023

O padre que comandou tropas na Independencia da Bahia e causos desconhecidos do 2 de julho

À frente de tropas saubarenses, um padre aposentou temporariamente a batina e se tornou mais um guerreiro pela Independência da Bahia, em Saubara. O nome dele era Manoel Pereira. "Esse foi um dos grandes personagens que não saem na historiografia oficial, porque você só ouve falar em Santo Amaro e Cachoeira. O Recôncavo é uma constelação, não duas estrelas", diz Bel Saubara, pesquisador da história local.

Depois da declaração da independência por Dom Pedro I, em 7 de setembro de 1822, conflitos entre governos e tropas locais emergiram na Bahia. Mas só a minoria das batalhas e dos heróis da liberdade são lembrados. Nesta página, você vai conhecer cinco personagens e fatos que também marcam o 2 de julho, quando a independência é finalmente conquistada.

“Quanto mais estudamos sobre a Independência da Bahia, mais descobrimos que menos sabemos”, diz Fábio Batista, mestre em História, que tem se dedicado a enaltecer fatos esquecidos da nossa Independência. Você sabia, por exemplo, que Caetité, no sertão da Bahia, viveu uma onda de expulsão de portuguesas em 1823? Conheça mais dessas histórias nas caixas de textos.

MANOEL: O PADRE QUE COMANDOU TROPAS EM SAUBARA

Manoel José Gonçalves Pereira nasceu em Maragogipe, mas foi em Saubara, cidade a 77 quilômetros de distância, que ele entrou para a história da luta pela Independência na Bahia. O maragogipano chegou no município para trabalhar como padre, em 1812, e seria lembrado para sempre pela memória local como guerreiro, segundo relatos de historiadores, como Cândido Costa da Silva.

Quando as batalhas pela independência têm início na Bahia, em especial no Recôncavo do estado, ele assume o comando à frente das tropas saubarenses. O padre escreveu ao menos 21 cartas sobre batalhas que participou em Saubara, que estão em posse do Arquivo Público do Estado da Bahia e podem ser consultadas por qualquer cidadão.

Uma das lutas que ele narra aconteceu, ao que tudo indica, em 19 de novembro de 1822, na ponta de Saubara. A peleja se alongou por seis horas, com o padre na linha de frente, dando os comandos.

Os portugueses tentavam quase diariamente, naquele mês, dominar Saubara, mas a resistência local impediu o avanço definitivamente dos invasores. Em 1826, Padre Manoel foi agraciado com o titulo de Cavalheiro da “Ordem de Cristo”

"Esse padre foi um dos grandes personagens que não saem na historiografia oficial, nos jornais, porque tem a disputa de narrativa e você só ouve falar em Santo Amaro e Cachoeira. Mas quando se fala da palavra Recôncavo é uma constelação, não duas estrelas"

‘PAU CABELUDO: O SAGRADO E PROFANO DE CACHOEIRA

Às 6h do dia 1º de junho, uma salva de 21 tiros com fogos de artifícios anuncia: é o momento da Levada dos Paus da Bandeira. A tradição consiste em conduzir dois troncos adornados com ramagens que serão fincados no bairro do Caquende e o outro na Rua da Feira. Eles simbolizam os marcos territoriais da então Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira. Em meio ao trajeto, escuta-se: "lá vai o pau cabeludo".

"Evidente que essa nomenclatura é de inteira responsabilidade popular e evidencia o espírito satírico verificado em outros momentos do cotidiano festivo das cidades do Recôncavo Baianos. Portanto, “pau cabeludo” é o dizer profano sobre a “sagrada” Levada do Pau da Bandeira"

Concluído o cortejo, as filarmônicas se recolhem, exceto uma: a Lira Ceciliana, que segue até o Terreiro de Candomblé Loba Nekum. Lá tem início os rituais ligados ao Caboclo Juremeira, a entidade indígena patrona do terreiro.

Os músicos da filarmônica param de executar os dobrados e silenciam em lugar do som dos instrumentos sagrados, como o rum, rum-pi e rum-lé, que irrompe da “casa de santo”.

Os alabês, das filhas e filhos de santo cantam em reverência aos ancestrais e lembram que a independência se fez com o sangue de homens e mulheres negras e indígenas “que enfrentaram as suas próprias lutas por outras liberdades que não se limitavam apenas a ruptura política com a metrópole”, completa Fábio Batista.

ANTÔNIO, UM ADVOGADO PELA DEMOCRACIA

Antônio Pereira Rebouças é outro maragogipano que participou da guerra pela independência, mas em Cachoeira. Nascido em 1798, filho de um português com uma escravizada liberta, entrou para as batalhas no dia 26 de junho, mas na parte estratégica.

Com a criação de uma Junta Interina, Conciliatória e de Defesa, uma espécie de governo paralelo instalado em Cachoeira, Antônio passou a ser secretário do grupo. Quando a Junta Conciliatória foi ampliada para Comissão de Administração da Caixa Militar, para todas as vilas do Recôncavo, Rebouças renunciou ao cargo de secretário para dar oportunidade de representação para outras vilas.

"Demonstrando um espírito democrático, com a clara intenção de unificar este governo paralelo recém-criado na Vila da Cachoeira"

Antônio também escreveu o livro Recordações Patrióticas, no qual relata o surgimento e as dificuldades dos pelotões patrióticos que culminaram com a vitória brasileira em 2 de julho de 1823. Para Manoel, Antônio se une ao patamar de Maria Quitéria, Maria Felipa, Pedro Labatut e Lord Cochrane.

A LUTA EM MARAU

A região hoje conhecida como Baixo Sul da Bahia teve participação decisiva nos enfrentamentos das tropas portuguesas, ainda em 1822. Em 8 de setembro daquele ano, o primeiro tenente da Armada Real, Domingos Fortunato, recebeu a ordem de ir à vila de Marau, de onde deveria embarcar para Salvador com farinha e bois para abastecer as tropas portuguesas.

Salvador passava por uma crise de abastecimento de alimentos e Marau e adjacências tinham uma importância fundamental no abastecimento da cidade. Ao chegar no porto da vila de Maraú, no entanto, Fortunato viu cerca de 300 homens armados.

Cinco dias depois, Fortunato tentou mais uma vez levar a carga até Salvador, mas sofreu uma nova investida dos partidários da independência. Naquele intervalo de poucos dias, as pessoas de Marau tiveram tempo de se organizar com novas armas.

Cercado, Fortunato não conseguia avançar e os moradores de Marau tomaram sua embarcação e armas, naufragaram a embarcação, além de o obrigarem a libertar os escravizados. “A derrota dos portugueses se deu de forma lenta, mas progressiva, e graças à conjunção de esforços da população”, explica Alex Costa, professor da pós-graduação em história da Ufba.

RESISTÊNCIA NO SERTÃO: A BATALHA DE MATA MOURO

Caetité, no Alto Sertão baiano, enviou guerreiros, mantimentos e animais para as batalhas pela Independência no Recôncavo da Bahia. Segundo os relatos locais, até pólvora foi enviada pelo município.

O clima na cidade, à época uma vila chamada Príncipe Santana, era de tensão entre nativos e os portugueses que viviam no local entre 1822 e 1823. Um dos períodos mais bélicos - mas quase desconhecido da historiografia oficial sobre a Independência da Bahia – é chamado de “Enfrentamento Mata Mouro”.

Consequência do acirramento da tensão foi o assassinato de um português, cujo corpo ficou jogado na porta da igreja, como afronta ao padre da época, alinhado às ideias portuguesas. Portugueses que viviam na então vila se desfizeram dos seus patrimônios e fugiram, com medo de que fossem os próximos. O Enfrentamento ainda resultou em mais mortes, saqueamentos e tomadas de propriedade.

"Foi um ato sangrento e de enfrentamento radical, junto com rio de Contas, foram enfrentamentos que tornaram verdadeiros polos de enfrentamento no alto sertão da Bahia"

A vila que originou Caetité tinha vários revoltosos contra o regime português. "A manifestação é genuinamente participada pela vila local, pela insatisfação diante das políticas desenvolvidas pela coroa portuguesa", continua o pesquisador.

Depois da Independência, o avô de Castro Alves, José Antônio da Silva Castro, considerado um dos heróis da Independência, passa a morar em Caetité, onde se casa com Joana, grande proprietária de terras.

 

Fonte: Correio

 

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