sexta-feira, 28 de julho de 2023

CASO MARIELLE: DESCASO DA ALEMANHA FEZ PF DESISTIR DE COOPERAÇÃO EM PERÍCIA DA SUBMETRALHADORA

A NOVA OPERAÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL e do Ministério Público do Rio de Janeiro para desvendar os mandantes do assassinato de Marielle Franco, ocorrido em março de 2018, esbarrou em questões diplomáticas. Documentos obtidos pelo Intercept mostram que o governo alemão teve absoluto descaso com a intenção da PF em obter apoio da empresa alemã Heckler & Koch, fabricante da submetralhadora MP5, utilizada no assassinato da vereadora e do motorista Anderson Gomes. 

A tentativa de aproximação brasileira começou em 31 de março deste ano e foi encerrada pela própria PF em 22 de junho, após empecilhos colocados pela Alemanha. O objetivo dos brasileiros era que um perito ligado à empresa H&K participasse dos trabalhos de investigação do caso.

Depois de fazer um primeiro contato com a Embaixada Alemã no Brasil por telefone, o delegado Guilherme Catramby formalizou no dia 31 de março, por meio de uma carta, a intenção da PF em ter a colaboração dos alemães para ajudar a elucidar o caso. No dia 4 de abril, veio a resposta de Uwe Recht, adido alemão no país. “Devido ao direito internacional, especialistas da H&K não podem ser diretamente convidados pela autoridade investigativa para irem ao Brasil a fim de examinar os vestígios de munição e estojos”, respondeu.

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O representante da embaixada, então, orientou a PF a formalizar um pedido de assistência jurídica ao governo alemão – segundo ele, um acordo da ONU contra o crime organizado transnacional daria legalidade ao desejo da PF em obter apoio. “Nesse contexto, recomendo que seja apresentado, o mais breve possível, um pedido de assistência jurídica por meio dos canais apropriados”, disse Recht.

·         Andando em círculos

Dias depois, na tarde de 6 de abril, o setor de inteligência da PF já havia formulado um pedido nos moldes sugeridos. O documento de pouco mais de duas páginas, basicamente, formaliza novamente “um especialista/perito da empresa H&K para participar dos trabalhos periciais a serem realizados nos vestígios encontrados no local do crime”. 

A resposta veio apenas dois meses e oito dias depois, em 14 de junho de 2023. Desta vez, Uwe Recht afirmou que a Secretaria Nacional de Justiça alemã o orientou a formalizar o pedido de cooperação junto ao Poder Judiciário do país. Dias depois, segundo o adido, ele teria sido orientado pelas autoridades alemãs, desta vez para que solicitasse à PF um pedido de cooperação jurídica complementar, no qual descrevesse mais detalhadamente os fatos do caso e abordasse também uma série de outros pontos.

Uma das questões trazidas por Recht indagava a PF se a arma do crime era, de fato, uma arma H&K, e quais seriam as evidências nesse sentido. A dúvida levantada pelo governo alemão, porém, contraria a notícia publicada pelo canal Deutsche Welle em agosto de 2020, dando conta de que durante a reunião anual de acionistas da Heckler & Koch, ocorrida na em 27 de agosto de 2020, a empresa confirmou que não exportará mais armamento para o Brasil, citando justamente a “agitação política” e a repercussão do caso Marielle como justificativa para a decisão.

Na mensagem em que encerrou as tratativas visando o acordo de cooperação internacional, em 22 de junho, o delegado Guilherme Catramby respondeu a esse ponto de forma dura: “As autoridades alemãs de pronto, ao menor indício de que a arma do crime fosse uma H&K MP5, cessaram a venda de armamento para o Brasil, o que refletiu diretamente nesta Polícia Federal, por exemplo, e, neste momento, impõem empecilhos dessa ordem para o trâmite regular do presente procedimento”.

Outras indagações feitas pelo governo alemão também indignaram Catramby e fizeram a tentativa de acordo ir por água abaixo. Em uma delas, a Embaixada Alemã encaminhou o seguinte questionamento às autoridades brasileiras: “Também seria útil se as autoridades do Brasil incluíssem uma declaração sobre o reembolso dos custos normalmente incorridos (por exemplo, perda de serviço, custos de viagem, etc.)”. 

Em outra, questiona por que a abordagem direta à H&K não teve sucesso – sendo que o próprio adido alemão disse que o “direito internacional” não permitiria a abordagem direta da PF à empresa.

Catramby mostrou revolta com a pergunta: “A abordagem direta junto à H&K se mostrou inviabilizada pelo fato do mesmo subscritor do ofício em questão, Sr. Uwe Recht, em e-mail datado de 04 de abril de 2023, ter indicado que ‘não é possível que os especialistas da H&K sejam convidados diretamente ao Brasil pelo órgão de investigação para avaliar restos de munição e invólucros’. Assim, confessa esta autoridade policial estar surpresa com tal questionamento”.

No último contato antes de encerrar a tentativa de acordo, o delegado da PF usou palavras como “ausência de interesse ativo”e “empecilhos criados pelas próprias autoridades” para classificar o tratamento dado à Embaixada alemã ao caso. 

O Intercept procurou, desde a manhã de quarta-feira, as assessorias de imprensa da Polícia Federal e da Embaixada da Alemanha. Foram feitos contatos por telefone e por e-mail. Nos dois casos, não houve nem sequer menção ao recebimento dos questionamentos feitos pela reportagem. O espaço segue aberto para manifestações das partes citadas.

 

Ø  Caso Marielle! Não existe crime perfeito, há investigações malfeitas para dar em nada. Por Eliane Catanhêde

 

O avanço das investigações sobre o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes é, como a defesa efetiva dos territórios Yanomami, uma derrota para o governo Bolsonaro e uma vitória para o de Lula. Um lavava as mãos e gerava desconfiança sobre o real interesse em desvendar o crime, enquanto Lula já assumiu com o compromisso de ir às últimas consequências para responder a duas perguntas: quem matou Marielle? Por quê?

Marielle era e é uma síntese de diversidade, complexidade e injustiça no Brasil: mulher, negra, linda, vereadora, de origem pobre e LGBTQIA+. E ela dedicava a carreira política e a vida a proteger os mais vulneráveis e a perseguir os agressores poderosos.

Virou símbolo de coragem nas comunidades pobres e ameaça para as milícias. Por uma coincidência cheia de simbologia, as investigações dão um salto justamente quando uma outra síntese encanta o Brasil na Copa: Ary Borges.

Pelo crime, lá se vão cinco anos, foram presos os ex-policiais Ronnie Lessa, autor dos tiros, e Élcio Queiroz, que dirigia o carro. Que motivo eles teriam para matar Marielle e Anderson? A resposta é: dinheiro, porque os dois são milicianos, assassinos de aluguel.

Com a delação premiada de Élcio, surgiu a nova operação da PF, que prendeu o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel, e fez sete buscas e apreensões.

O ministro Flávio Dino (Justiça), que pegou o touro a unha desde a posse, já tinha avisado que haveria “novidades” e, agora, deixa no ar que as apurações estão bem mais avançadas do que parece.

Logo, cresce a esperança de que o crime que abalou o Rio de Janeiro e o Brasil e ganhou manchetes internacionais seja, finalmente, desvendado. Vamos todos saber quem, e por quê, mandou matar a vereadora que enfrentava poderosos e milicianos.

Desde 2018, houve várias mudanças nas equipes da polícia civil do Rio, da PF e do Ministério Público, e a então procuradora geral, Raquel Dodge, fez tudo para federalizar as investigações, mas em quem confiar, nas autoridades do Rio ou de Brasília? Afinal, Bolsonaro foi acusado pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro e respondeu a processo no Supremo por interferência na PF.

Mudou o presidente, o governo, o ministro da Justiça, a PF e foi criado até o Ministério da Igualdade Racial, ocupado por… Anielle Franco, irmã de Marielle e tão guerreira como ela.

As condições são outras e solucionar o crime é uma questão de honra para o governo e para a Nação.

Como reforça Flávio Dino, “não existe crime perfeito”. O que há são investigações imperfeitas, ou propositalmente feitas para não dar em nada. Não é mais o caso.

 

Ø  SUSPEITOS DE ENVOLVIMENTO NO ASSASSINATO TEMIAM PRISÃO DE DOMINGOS BRAZÃO

 

NA VÉSPERA DA OPERAÇÃO POLICIAL que levou para cadeia os ex-policiais militares acusados de matar Marielle Franco e Anderson Gomes, outros suspeitos de envolvimento no crime temiam a prisão de um político investigado como um dos possíveis mandantes do atentado: Domingos Inácio Brazão.

No dia 11 de março de 2019, às 23h, Jomar Duarte Bittencourt Júnior, conhecido como Jomarzinho e filho de um delegado da Polícia Federal, enviou uma mensagem por WhatsApp a um policial militar. O atentado que matou Marielle e Anderson completaria um ano dali a três dias.

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Quem recebeu a mensagem foi um sargento da PM, Maurício da Conceição dos Santos Júnior. Jomarzinho informava que no dia seguinte pessoas seriam presas no âmbito da investigação do atentado contra a ex-vereadora.

“Pelo que me falaram vão até prender Brazão e Rivaldo Barbosa”, escreveu Jomarzinho.

“Putz”, respondeu o sargento.

O diálogo mostra que operação policial foi vazada, e é ainda mais importante porque revela o temor com a possível detenção de um dos políticos do MDB, cujo nome sempre esteve no rol de suspeitos de ser um dos mandantes do atentado contra Marielle. Além disso, a conversa reforça a hipótese de que o atentado teve motivação política, como destacado pelo ministro Flavio Dino, ao determinar a abertura de um inquérito sobre o caso no começo deste ano.

de mensagens entre suspeitos revela medo de que Domingos Brazão fosse preso em operação da Polícia Civil, em 2019.

A primeira menção refere-se a Domingos Brazão, líder de uma família de políticos com atuação na Zona Oeste do Rio de Janeiro e suspeito de ser aliado de milicianos na região. À época, ele estava afastado do cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Rio, acusado pela Operação Lava Jato de receber propinas de empresários do setor de transporte.

As investigações cogitam a hipótese de que Brazão mandou matar Marielle para se vingar de Marcelo Freixo, ex-deputado estadual e atual presidente da Embratur na gestão Lula. Freixo ajudou procuradores da República em operações da Lava Jato do Rio que resultaram nas prisões de políticos do MDB, a exemplo do próprio Brazão, e dos então deputados estaduais Jorge Picciani (já falecido), Paulo Melo e Edson Albertassi.

Post no Twitter do Ministro da Justiça, Flávio Dino sobre a abertura de investigação da Polícia Federal no caso Marielle Franco.

“Cogita-se a possibilidade de Brazão ter agido por vingança, considerando a intervenção do então deputado Marcelo Freixo nas ações movidas pelo Ministério Público Federal, que culminaram com seu afastamento do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro”, afirmou a ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça, quando foi debatida a federalização do caso, em maio de 2020.

“Informações de inteligência aportaram no sentido de que se acreditou que a vereadora Marielle Franco estivesse engajada neste movimento contrário ao MDB, dada sua estreita proximidade com Marcelo Freixo”, também está escrito no relatório da ministra.

Já Rivaldo Barbosa é delegado e ex-chefe da Polícia Civil do Rio. Tempos depois, a PF associou a ele a um suposto recebimento de propina para impedir avanços na investigação do caso. Barbosa nega.

A operação, de fato, aconteceu como Jomarzinho previa, mas os presos foram outros: os ex-PMs Ronnie Lessa e Élcio Vieira de Queiroz. Élcio firmou, recentemente, acordo de delação premiada e confirmou que foi o motorista do carro usado no atentado de 14 de março de 2018 e que Lessa foi o autor dos disparos. Ronnie Lessa também foi filiado ao MDB durante alguns anos.

Quando foi preso saindo do condomínio Vivendas da Barra, Lessa admitiu aos policiais civis que estava em fuga. Ele tinha recebido a informação de Maxwell Simões Corrêa, o Suel, ex-bombeiro e seu sócio em negócios milicianos. Por sua vez, Suel soube por Maurício, que o avisou logo depois de conversar com Jomarzinho.

A cadeia de vazamento da operação foi a seguinte: Jomarzinho contou a Maurício. Este contou a Suel que, por sua vez, contou a Lessa. 

E um detalhe chama a atenção. Lessa decide fugir, mas o nome dele não é especulado entre os que seriam presos de acordo com Jomarzinho, que cita Brazão e Rivaldo Barbosa. Mas mesmo assim, Lessa optou por escapar da operação.

Essas informações constam na investigação da Polícia Federal que resultou na prisão de Suel na última segunda-feira, 24 de julho. Ele é suspeito de ter participado do planejamento do atentado contra Marielle e foi delatado por Élcio. Jomarzinho e Maurício foram alvos de mandados de busca e apreensão.

·         Brazão suspeito de mandar matar Marielle

A violência marca a trajetória pública de Domingos Brazão. Em março de 1987, Domingos Brazão matou a tiros um homem e feriu outro por causa de uma desavença entre vizinhos. O inquérito policial mostrou que ele perseguiu os dois homens e efetuou os disparos pelas costas. Ele alegou legítima defesa. O caso nunca foi submetido a júri popular e tramitou durante 15 anos até a denúncia ser rejeitada pela corte especial do Tribunal de Justiça, quando Brazão era deputado estadual pelo MDB.

“A autoridade policial destacou, à época, a índole violenta e perigosa do réu, que constantemente portava arma e se unira a ‘grileiros’ que disputavam a posse das terras na região”, afirmou em 2002, José Muiños Pinheiro Filho, então procurador-geral de Justiça, chefe do Ministério Público do Rio de Janeiro, e posteriormente desembargador.

Anos depois, Brazão teria seu nome citado na CPI das Milícias, que foi presidida pelo então deputado estadual pelo Psol Marcelo Freixo. Marielle Franco trabalhou no caso como assessora parlamentar dentro do gabinete de Freixo.

Desde o começo das investigações sobre as mortes de Marielle e Anderson, Domingos Brazão figurou entre os suspeitos de ser um dos mandantes do crime. Ele prestou depoimento meses após o atentado e negou qualquer participação.

Em um inquérito anterior da PF, que apurava um esquema para atrapalhar as investigações do duplo homicídio, ele foi citado em 2019 “como um dos possíveis mandantes.

No mesmo ano, a então procuradora-geral da República Raquel Dodge chegou a afirmar na denúncia que fez contra Brazão por obstrução de justiça que ele “arquitetou o homicídio” de Marielle. Brazão negou, novamente, qualquer envolvimento.

·         Freixo foi à Justiça contra Brazão

Os caminhos de Freixo se cruzaram novamente sete anos depois do relatório final da CPI das Milícias. Em 2015, Domingos Brazão havia sido escolhido pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro para ocupar uma vaga do Tribunal de Contas do Estado, o TCE. A indicação foi apadrinhada pelo então presidente da casa legislativa, Jorge Picciani, então seu correligionário no MDB.

O único partido a se opor foi o Psol, do qual Freixo era o principal representante da bancada. Ele ingressou na Justiça do Rio para barrar a ida de Brazão ao TCE. Não conseguiu.

Freixo também teve papel fundamental na Operação Cadeia Velha, deflagrada em novembro de 2017, cinco meses antes da morte de Marielle. Nomes fortes do MDB no estado foram presos, a exemplo dos deputados estaduais Jorge Picciani, Paulo Mello e Edson Albertassi. Este último, pouco antes de ser preso, havia sido indicado para uma vaga no TCE, tal qual como Brazão. Daquela vez, sim, Freixo obteve uma liminar na Justiça impedindo a posse de Albertassi no Tribunal de Contas do Rio.

 

Fonte: por Flávio VM Costa, André Uzêda, Carol Castro e Paulo Motoryn, em The Intercept/Agencia Estado

 

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