sexta-feira, 5 de maio de 2023

Quanto dinheiro EUA enviaram para Ucrânia e para onde foi tudo?

Os EUA acabam de elevar a assistência militar total à Ucrânia para mais de US$ 35,7 bilhões, ou cerca de 65% dos US$ 55 bilhões em armas enviadas a Kiev pela OTAN até o momento. Além disso, há dezenas de bilhões de dólares em "apoio" econômico e ajuda humanitária. Para onde foi todo esse dinheiro?

"De acordo com uma delegação de autoridade do presidente Biden, estou autorizando nossa 37ª retirada de armas e equipamentos dos EUA para a Ucrânia no valor de US$ 300 milhões [cerca de R$ 1,5 bilhão]", disse Blinken em um comunicado à imprensa na quarta-feira (3), prometendo que Washington "continuaria ao lado de nossos parceiros ucranianos".

"A Rússia pode acabar com sua guerra hoje", brincou Blinken, evocando as observações de Biden, em fevereiro, de que a crise ucraniana — causada por décadas de expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), um golpe apoiado pelo Ocidente em Kiev em 2014 e uma brutal guerra de oito anos em Donbass – foi de alguma forma a "escolha" do presidente Putin e que ele "poderia acabar com a guerra com uma palavra". O secretário de Estado deixou de fora, no entanto, o papel de Washington e Londres ao esmagar as negociações de paz entre Moscou e Kiev na primavera passada no Hemisfério Norte.

·         O que há no novo pacote de ajuda dos EUA à Ucrânia?

O novo pacote de assistência armamentista dos EUA vai incluir munição para os sistemas de foguetes de artilharia de alta mobilidade (Himars) da Ucrânia, artilharia, obuseiros e projéteis de tanques, armas antitanque e foguetes, armas pequenas, caminhões, reboques e peças sobressalentes. Blinken não detalhou o preço que os suprimentos adicionais teriam sobre a capacidade de combate dos EUA, ou as dores de cabeça associadas ao fato de Kiev queimar armas e munições a taxas consideravelmente mais rápidas do que a capacidade dos países da OTAN de produzi-las.

·         Quanto dinheiro total os EUA gastaram na Ucrânia?

A guerra por procuração Rússia-OTAN na Ucrânia já é um dos dez maiores envolvimentos militares da história norte-americana. Somente em 2022, o Congresso destinou mais de US$ 112 bilhões (cerca de R$ 562,3 bilhões) à Ucrânia para assistência militar, econômica e humanitária. Isso se soma a mais de US$ 2,5 bilhões (aproximadamente R$ 12,5 bilhões) em ajuda militar dos EUA enviados a Kiev entre 2014 e 2021, um empréstimo de US$ 1 bilhão (mais de R$ 5 bilhões) em 2014 e mais de US$ 1,1 bilhão (cerca de R$ 5,5 bilhões) em apoio econômico entre 2017 e 2018 e US$ 2,6 bilhões (aproximadamente R$ 13 bilhões) em nova ajuda militar anunciada no mês passado.

Até o momento, a Ucrânia custou mais aos EUA (em dólares ajustados pela inflação) do que a Guerra do Golfo Pérsico de 1991, a Guerra Civil Americana, a Guerra Hispano-Americana, a Revolução Americana e a Guerra Revolucionária, a Guerra Mexicano-Americana e a Guerra de 1812. A crise ucraniana fica atrás apenas da Primeira e Segunda Guerras Mundiais, Coreia, Vietnã, Iraque e Afeganistão, cujos custos chegaram a centenas de bilhões ou mesmo trilhões de dólares.

Em seu discurso de abertura em uma reunião de oficiais de defesa da OTAN no mês passado, o secretário de Defesa Lloyd Austin anunciou que somente Washington contribuiu com mais de US$ 35 bilhões (cerca de R$ 175,7 bilhões) em ajuda militar à Ucrânia.

Além disso, está o apoio econômico e humanitário. De acordo com o Kiel Institute for the World Economy, os EUA destinaram US$ 27,1 bilhões (aproximadamente R$ 135,5 bilhões) para a chamada ajuda financeira e US$ 4 bilhões (mais de R$ 20 bilhões) para ajuda humanitária, entre janeiro de 2022 e fevereiro de 2023.

·         Para onde o dinheiro está indo?

Para onde vai a ajuda? As autoridades admitiram que "não têm quase nenhuma" ideia do que acontece com as armas e munições depois que entram na "névoa da guerra" ucraniana. A administradora da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês), Samantha Power, assegurou que Washington não encontrou "evidências de que a assistência dos EUA está sendo mal utilizada ou mal gasta". Essas garantias são um pouco de conforto para os contribuintes norte-americanos em meio a extensas reportagens sobre o envio de armas para a Ucrânia de alguma forma acabando no mercado negro e nas mãos de gangues criminosas e grupos de milícias em toda a Europa, África e Oriente Médio.

Também na frente de toda a ajuda econômica e humanitária, foram relatados alguns "sustos". O veterano jornalista investigativo dos EUA, Seymour Hersh, revelou no mês passado que o governo Zelensky havia desviado US$ 400 milhões (cerca de R$ 2 bilhões) ou mais na compra de óleo diesel em 2022.

·         O que é a dívida nacional da Ucrânia e a quem ela deve?

Aparentemente tirando uma página do manual dos EUA sobre como acumular dívidas maciças, Kiev quase dobrou sua dívida nacional no ano passado, de US$ 57 bilhões (cerca de R$ 286,1 bilhões) em fevereiro de 2022 para mais de US$ 106,2 bilhões (aproximadamente R$ 533,1 bilhões) um ano depois. Outra medição coloca o total da dívida nacional ucraniana ainda mais alta, em mais de US$ 161,94 bilhões (mais de R$ 812,9 bilhões).

No início da crise do ano passado, as autoridades ucranianas apresentaram cautelosamente uma proposta de anistia da dívida para Kiev, instando "organizações financeiras internacionais" a "revisar a política da dívida e zerar as dívidas da Ucrânia".

A conversa sobre o perdão da dívida foi logo esmagada, no entanto, com Kiev não apenas acumulando novas dívidas, mas forçada a pagar antigas obrigações com o Fundo Monetário Internacional (FMI) no valor de mais de US$ 2,7 bilhões (cerca de R$ 13,5 bilhões), mais US$ 486 milhões (aproximadamente R$ 2,4 bilhões) em sobretaxas – mais do que gastos com educação, o meio ambiente e outros grandes programas combinados.

Os credores ocidentais aproveitaram a oportunidade para tirar proveito da posição vulnerável da Ucrânia para promover reformas há muito desejadas, que haviam resistido até mesmo por sucessivos governos golpistas pós-2014, como flexibilizar as leis de propriedade de terras para permitir que oligarcas e interesses financeiros estrangeiros expandissem o controle sobre as terras agrícolas altamente férteis do país em chernozem (literalmente "solo negro").

Além disso, o presidente Zelensky deixou bastante claro que seu governo está muito feliz em acomodar as corporações multinacionais em obter um lucro saudável enquanto "reconstrói" a Ucrânia.

"É óbvio que os negócios americanos podem se tornar a locomotiva que mais uma vez impulsionará o crescimento econômico global. Já conseguimos chamar a atenção e cooperar com gigantes do mundo financeiro e de investimentos internacionais como BlackRock, JPMorgan, Golden Sachs [sic], marcas americanas como StarLink ou Westinghouse já se tornaram parte do nosso jeito ucraniano. [...] Todos podem se tornar um grande negócio trabalhando com a Ucrânia em todos os setores, desde armas e defesa até construção, de comunicação a agricultura, de transporte a TI, de bancos a medicamentos", disse Zelensky em uma reunião da Câmara de Comércio dos Estados Unidos em janeiro.

O presidente ucraniano não mencionou que essas "locomotivas" não trabalham de graça e que, seja no país ou no exterior, seu principal objetivo e responsabilidade legal é e sempre foi o lucro para seus acionistas.

·         Quanto dinheiro os países da OTAN estão dando à Ucrânia?

O Pentágono estima que a ajuda militar ocidental total à Ucrânia chegue a US$ 55 bilhões (cerca de R$ 276,2 bilhões), enquanto os compromissos de ajuda econômica e humanitária fora dos EUA atualmente chegam a US$ 60 bilhões (aproximadamente R$ 301,3 bilhões).

·         Por que os EUA estão 'ajudando' a Ucrânia?

Washington e seus aliados ofereceram uma série de razões grandiosas para apoiar a guerra por procuração na Ucrânia, desde "defender a democracia" até impedir o Kremlin de seu suposto impulso de recriar "um Império Russo".

Mas ler nas entrelinhas e monitorar as observações feitas por funcionários e especialistas em think tanks de Washington revela o propósito verdadeiro e muito mais cínico da política dos EUA: "enfraquecer a Rússia" (de acordo com Austin) e, se possível, mudança de regime em Moscou (de acordo com Biden, embora a Casa Branca tenha retirado essas observações).

O ex-operador do Conselho de Segurança Nacional da era Reagan, Oliver North, pode ter colocado isso melhor em um "momento de silêncio em voz alta" no final do ano passado.

"É um dinheiro bem gasto e, na minha humilde opinião, é muito parecido com o que Ronald Reagan fez nos anos 1980", disse North em entrevista à televisão em novembro passado. "[Reagan] acreditava em apoiar os combatentes da liberdade. Ele fez isso na América Latina, fez isso em Angola, Guiné-Bissau, Moçambique. Ele fez isso no Afeganistão. Essas pessoas estavam dispostas, como o povo ucraniano, a usar seu sangue e nossas balas", apontou.

Naturalmente, North não detalhou os tipos de forças odiosas que seu chefe estava disposto a apoiar financiando esses "combatentes da liberdade", nem o custo humano da política dos EUA ("seu sangue"), tanto na Ucrânia quanto em todo o mundo.

 

Ø  'A questão dos grãos': para onde vai realmente a maior parte dos grãos ucranianos?

 

O prazo do acordo de grãos termina no dia 18 de maio. A Embaixada dos EUA em Ancara esclareceu que 29 milhões de toneladas de cereais da Ucrânia chegaram a países com extrema necessidade de alimentos. A Sputnik, com base nos dados da ONU, descobriu para onde a maior parte dos grãos é realmente entregue.

No próximo dia 18 de maio termina o prazo do pacto alimentar que foi assinado para desbloquear a exportação de grãos e fertilizantes da Ucrânia em meio ao conflito no país. Na terça-feira (2), o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, declarou que os termos do acordo não foram cumpridos na parte que diz respeito ao setor agrícola russo.

Em paralelo, o ministro da Defesa turco, Hulusi Akar, disse que uma reunião preparatória entre os vice-ministros da Defesa da Turquia, Ucrânia e Rússia vai ser realizada em Istambul na próxima sexta-feira (5) para discutir a possibilidade de uma nova extensão da Iniciativa de Grãos do Mar Negro. Uma das questões mais polêmicas na implementação do acordo é o destino final dos grãos exportados dos portos ucranianos.

Segundo informações da ONU, 29.424.000 toneladas de grãos saíram dos portos da Ucrânia, mas apenas 2,58% da quantidade total — 758.500 toneladas — foi exportada para os países mais pobres da África subsaariana.

A maior parte da carga, especificamente 50,2% (14.718.000 toneladas), foi recebida por países europeus. Até agora, apenas 1.058 navios com cargas de trigo, milho, outros grãos, farelo de girassol e óleo de girassol deixaram os portos ucranianos.

<<< A seguir estão as regiões como:

Ásia-Pacífico com 26,5% (7.794.000 toneladas)

Oriente Médio e Norte da África com 15% (4.427.000 toneladas)

Sul da Ásia com 5,8% (1.726.000 toneladas)

No dia 17 de novembro de 2022, o acordo foi prorrogado por mais 120 dias, até 18 de março de 2023. No dia 14 de março, a Rússia anunciou que aceitava a prorrogação do pacto por mais 60 dias, o que foi descrito pelo Kremlin como um gesto de boa vontade.

Atualmente, a Rússia pede para aproveitar o tempo restante até 18 de maio e cumprir as condições do pacto alimentar para prorrogá-lo novamente.

O embaixador da Rússia na ONU, Vasily Nebenzya, observou que as sanções unilaterais dos EUA e da UE continuaram a obstruir o envio de alimentos e fertilizantes russos para países terceiros.

 

Ø  Como a máquina de guerra americana ficou sem combustível? Colunista opina

 

O arsenal militar dos Estados Unidos foi drenado pelo apoio militar à Ucrânia e por décadas de escolhas falhas em política de defesa, diz o pesquisador de política externa dos EUA Hal Brands em seu artigo para a Bloomberg.

Em seu artigo, o colunista exorta Washington a abandonar a estratégia que visa a primazia na economia de alta tecnologia e voltar à primazia na produção de armas.

O arsenal dos EUA está em um estado lamentável, assim como a capacidade da América de sustentar – ou melhor ainda, dissuadir – uma guerra entre grandes potências, escreve Brands no seu artigo.

Brands vê o apoio militar em larga escala dos EUA à Ucrânia e décadas de escolhas políticas falhas como a razão disso. De acordo com o autor do artigo, no mundo pós-Guerra Fria, que foi determinado pelo domínio americano, as decisões políticas errôneas do establishment americano não importavam muito.

No entanto, devido ao conflito na Ucrânia, é provável que essas decisões políticas custem caro a Washington nos próximos anos.

Como explica o autor do artigo, os EUA já tiveram uma base industrial e de defesa insuperável. No final da Primeira Guerra Mundial, o país estava construindo mais navios do que o resto do mundo junto. E no meio da Segunda Guerra Mundial os Estados Unidos estavam quatro vezes mais industrializados que a Alemanha.

Mas a mudança na estrutura da economia dos EUA levou à difícil situação atual, em que o país precisará de anos para substituir a quantidade de armas que a Ucrânia gastou em semanas.

Apesar de a liderança econômica americana se manter, agora ela é baseada na primazia da economia de alta tecnologia, e não na primazia industrial. Segundo Brands, isso permitiu que o país desenvolvesse as armas mais sofisticadas do mundo, mas ao mesmo tempo dificultou sua produção em larga escala.

A situação foi agravada pelo declínio nos gastos com defesa após o fim da Guerra Fria. No final da década de 1990, eles caíram para cerca de 3% do PIB dos 6% em meados da década de 1980. Ainda hoje, os gastos com defesa são inferiores a 4% do PIB do país.

A estratégia dos EUA de aumentar a qualidade dos armamentos em detrimento da quantidade parecia ser muito racional ao longo da maior parte do período pós-Guerra Fria. Naquela época, os Estados Unidos tinham conflitos longos, mas de baixa intensidade.

"As guerras dos Estados Unidos eram contra oponentes inferiores, como a Sérvia, ou eram conflitos longos, mas de baixa intensidade – no Iraque e no Afeganistão, por exemplo – que não consumiam um grande número de munições de alta qualidade ou infligiam um atrito pesado em tanques, navios e aviões dos EUA."

A assistência militar americana à Ucrânia demonstra o quanto é difícil para os EUA substituir as reservas esgotadas por causa de déficits acumulados há muito tempo, como a falta de mão de obra treinada e engarrafamentos criados pela dependência de fornecedores individuais de motores de foguetes ou componentes de projéteis de artilharia.

Ao mesmo tempo, Brands adverte que o problema, que vem crescendo há anos, não pode ser resolvido da noite para o dia. O autor do artigo insiste que deve ser aumentado o orçamento de defesa dos EUA e deve se convencer as empresas de defesa da necessidade de expandir a produção.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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