quinta-feira, 4 de maio de 2023

Inadimplência dos EUA se aproxima: 'Canadá e México vão ser primeiros afetados', diz especialista

O Departamento do Tesouro dos Estados Unidos anunciou nesta semana dificuldades em financiar as operações do governo federal e, caso não seja encontrada uma solução, poderá entrar em incumprimento a partir de 1º de junho. Diante disso, o economista e cientista político, Mario Campa, garante que o caso pode levar a uma recessão.

Na segunda-feira (1º), a secretária do Tesouro, Janet Yellen, indicou que é possível que dentro de um mês eles não consigam resolver todas as tarefas que o governo do presidente Joe Biden exige.

"Está ocorrendo uma série de combinações macroeconômicas desfavoráveis para o país e se essa questão do teto da dívida não for resolvida, pode agravar tudo isso e criar um terreno fértil para uma recessão", diz Campa em entrevista à Sputnik.

Nessa mesma linha, a vice-diretora de análise econômica da empresa Monex, Janneth Quiroz, declarou à Sputnik que a situação levantada pelo Tesouro funciona como uma arma de negociação política.

"Isso gera mais incerteza sobre se vai conseguir continuar operando com todas as implicações [que a questão traz] e que tem a ver com todos os gastos do governo, mas também com as obrigações de dívida que [apresenta]", aponta a analista.

Qual é o teto da dívida?

O teto da dívida ou endividamento público foi estabelecido em 1917 e é o limite que o governo norte-americano tem para tomar recursos emprestados. Com isso, pode financiar as obrigações legais existentes que tanto os Congressos quanto os presidentes cumpriram.

Atualmente, o teto da dívida nos EUA é de US$ 31,4 trilhões (cerca de R$ 158,3 trilhões), atingido no dia 19 de janeiro de 2023.

"O Tesouro está financiando o governo temporariamente usando 'medidas extraordinárias', mas essas medidas expiram até o final deste ano, que o Escritório de Orçamento do Congresso [CBO, na sigla em inglês] adverte que pode acontecer até junho", menciona o presidente do Comitê de Meios e Recursos da Câmara, Jason Smith, em seu site.

·         Causas de possível não pagamento

Segundo Campa, um dos motivos pelos quais o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos está nessa situação é a forma como o governo exerce os gastos.

"Existem posições conflitantes entre os partidos [Democrata e Republicano]. Por um lado, os republicanos estão pedindo menos gastos ou cortes. Do lado democrata, eles não estão dispostos a executar essa política fiscal muito mais austera."

Nesse sentido, o especialista acrescenta que as estratégias utilizadas pela agência comandada por Yellen têm sido "criativas", porque a discussão sobre o assunto deveria ter ocorrido semanas antes.

"Isso se agravou nos últimos dias ou semanas porque, aparentemente, os EUA estão ganhando menos do que o previsto no início do ano e estão gastando mais. Estão ganhando menos devido à menor atividade econômica e estão gastando mais principalmente por razões relacionadas com questões de guerra [conflito na Ucrânia]", especifica.

Em entrevista à Sputnik, o especialista em economia e professor da Escola Bancária e Comercial (EBC), Ángel Méndez Mercado, considera que outra causa é a diminuição das receitas fiscais norte-americanas.

Isso abre as portas "para uma recessão econômica. Uma queda na arrecadação de impostos ou uma crise financeira que obrigue o governo a aumentar os gastos para estimular a economia são fatores que pesam. Porém, com algumas estratégias eles poderiam evitar ou tentar reduzir um pouco o impacto", disse.

·         Consequências dentro e fora dos EUA

Para Quiroz, uma das maiores consequências de não se chegar a um acordo para resolver a falta de recursos é a queda do rating soberano dos Estados Unidos.

"Se não houver um acordo e começarmos a ver como esse processo começa a andar, aumentaria o risco de alguma agência de classificação cortar o rating soberano dos Estados Unidos, pois, no final das contas, se eles ficarem sem recursos, então aumentaria a possibilidade de o país não conseguir cumprir as suas obrigações de dívida", explica a vice-diretora de análise econômica da Monex.

Campa e Méndez Mercado concordam que um clima de incerteza e desconfiança também seria gerado no governo Biden.

"O governo seria obrigado a cortar gastos, teria de reduzir os principais serviços públicos, o que poderia afetar a qualidade de vida dos cidadãos, e isso é muito grave nas atuais condições. Também poderia levar a uma queda de confiança no governo e na economia, o que teria um impacto negativo nos mercados financeiros e na taxa de juros do país", destaca o professor da EBC.

Sobre a repercussão mundial, o economista e cientista político comenta que a região que passaria por um período turbulento seria a América do Norte, formada por Estados Unidos, Canadá e México.

"Tanto o Canadá quanto o México seriam os primeiros afetados. Deve-se dizer aqui que em 2008 e 2009 os bancos canadenses e mexicanos não estavam tão expostos aos problemas financeiros que seus equivalentes nos Estados Unidos tiveram, mas, em qualquer caso, se houver uma queda na atividade econômica pode afetar toda a região", diz Campa.

Somado a isso, faria com que o restante das nações parassem de tomar o dólar americano como moeda de reserva global. Isso geraria fraqueza a tal ponto que "poderia ter um impacto negativo na estabilidade financeira global, sem falar nos mercados emergentes", diz Méndez Mercado.

·         América Latina

Se os EUA não resolverem sua falta de recursos, isso vai afetar a América Latina de várias maneiras. Segundo Quiroz, um dos efeitos seria a diminuição da demanda por bens e serviços.

"No fim das contas, o governo é mais um ator econômico que consome e gasta [...]. [Seu orçamento] é gasto tanto com produtos locais quanto importados. Então, o principal impacto seria uma queda na demanda", enfatizou.

Enquanto isso, Campa destaca que o prejuízo seria principalmente na América do Sul, porque várias nações daquela região continental são parceiras comerciais de Washington.

"O que podemos ver é que se os Estados Unidos, que é uma economia de certo peso, demandar menos produtos no plano internacional, pode fazer, por exemplo, cair o peso do cobre. Lá sim poderia atingir países como o Chile, que dependem muito [desse fator]. Mas, no caso da Argentina ou do Brasil, eles dependem cada vez menos do comércio com Washington; a demanda da China por seus produtos tem crescido. De qualquer forma, como [os EUA] é uma grande economia, não é uma notícia positiva para a dinâmica comercial do mundo", pondera.

·         Possíveis soluções

Diante do cenário adverso desenhado pelo Departamento do Tesouro em particular e por Washington em geral, Yellen propôs aumentar ou suspender o limite da dívida. A vice-diretora de análise econômica da Monex explica em que consiste cada um.

"Seria sobre aumentar o valor até o qual o governo pode tomar emprestado. Basicamente, o que você está pedindo como secretário do Tesouro é que [o governo] possa tomar mais empréstimos. No caso de [parar o limite], é que não haja [um teto]. Isso já aconteceu em diversas ocasiões: em que a barreira da dívida está temporariamente suspensa", menciona.

Segundo o site do Tesouro, ao longo da história o Congresso elevou o teto da dívida quando solicitado.

"Desde 1960, o Congresso agiu 78 vezes para aumentar, estender temporariamente ou revisar permanentemente a definição do limite da dívida: 49 vezes sob presidentes republicanos e 29 sob presidentes democratas. Líderes do Congresso em ambos os partidos reconheceram que isso é necessário", aponta.

Méndez Mercado comenta que a proposta da secretária do Tesouro é viável, mas pode causar controvérsia devido às preocupações com a sustentabilidade fiscal e as eleições de 2024.

Diante desse cenário, Campa aponta algumas soluções possíveis como a mudança do perfil da dívida norte-americana e uma reforma tributária que eleve as expectativas de arrecadação.

No entanto, "a solução mais viável é que haja um acordo entre os dois grandes partidos para dizer: 'Vou autorizar um novo teto da dívida, mas cortar alguns programas, ou alguns gastos que para mim, por exemplo, como republicano, posso dizer ao meu eleitor que coloquei certo limite na dívida, tornei sustentável e cortamos os gastos de um governo grande.' Aí já seria uma negociação pura e difícil, mas [Biden] não vai querer cortar", finaliza.

 

Ø  Crise financeira nos EUA: Biden e Yellen são 'vândalos encarregados de assegurar a destruição'

 

O Departamento do Tesouro dos EUA alertou para as suas dificuldades em financiar as operações do governo federal, na medida em que poderia ser insolvente para a cobertura total das suas obrigações a partir de 1º de junho. O que isso significa para a economia global? Sputnik consultou especialistas em economia.

Em plena jornada internacional de celebração do Dia do Trabalhador, a entidade norte-americana alertou em uma carta dirigida à Câmara dos Representantes para a existência de um risco de incumprimento com suas obrigações de financiamento da operação pública.

"Depois de rever as receitas recentes de impostos federais, nossa melhor estimativa é que não seremos capazes de continuar cumprindo todas as obrigações do governo até o início de junho, e potencialmente tão depressa quanto 1º de junho, se o Congresso não aumentar ou suspender o limite de dívida antes desse momento", indicou a titular do Tesouro, Janet Yellen, como signatária da carta.

O professor de macroeconomia Sergio Rossi, da Universidade de Friburgo, na Suíça, disse que o dólar dos EUA é uma moeda-chave na economia global, pelo que se os EUA não pagarem suas dívidas isso pode resultar em uma crise de grande escala.

"Se os EUA não pagarem suas dívidas, haverá uma crise financeira sistêmica, particularmente porque o dólar americano é uma moeda-chave na economia global. Um ex-secretário do Tesouro disse à Europa que 'o dólar americano é a nossa moeda, mas seu problema', já que os acordos de Bretton Woods de 1944 colocaram esta moeda no centro do regime monetário internacional", apontou especialista.

Por isso, qualquer incumprimento por parte dos EUA desestabilizará a economia global e gerará um efeito dominó particularmente nos mercados financeiros, advertiu o acadêmico.

"[Isto] induziria uma dramática crise global, com uma série de consequências negativas para vários bancos e instituições financeiras não bancárias, pequenas e médias, empresas de grande dimensão, bem como corporações transnacionais em todo o mundo", assinalou.

A respeito, o comentarista financeiro e geopolítico Tom Luongo disse que este problema é mais outro que demostra "a degradação de esfera política nos Estado Unidos" e afirmou que isto poderia ser uma brincadeira do governo norte-americano.

"O panorama geral é criar caos para que os mercados financeiros considerem congelar o capital estrangeiro que pode tentar fugir para os EUA. Esse é o objetivo", sentenciou.

Sobre a intenção do presidente americano, Joe Biden, de aumentar o teto da dívida – o qual deve ter o respaldo legislativo – Luongo indicou que o líder americano quer um "aumento limpo e sem condições", o que parece inviável, pois mesmo dentro da ala de seu partido, o Partido Democrata, alguns não apoiam o executivo.

A este respeito, o acadêmico Sergio Rossi disse que este acordo deve ser alcançado em breve, pois se não o fizessem EUA seriam uma economia cambaleante. Luongo, por sua vez, indicou que para os Estados Unidos continuar aumentando sua dívida já é inviável, pois não há margem no balanço nacional para "absorver mais déficits".

"E, no entanto, isso é tudo o que Yellen e Biden querem: mais déficits, porque são vândalos encarregados de assegurar a destruição dos EUA em vez de fazer a menor tentativa de mudar o rumo", qualificou.

A sustentabilidade da dívida pública dos EUA depende de duas questões, explicou Rossi.

Por um lado, isto tem a ver com o objetivo de aumentar a dívida pública, pois se esta for aumentada para fins de investimento, nomeadamente em saúde, transportes públicos ou educação, aumentará a produção e o bem-estar social, para além da coesão e do nível de emprego, o que permitirá ao governo federal dos Estados Unidos reembolsar mais tarde esta dívida.

Por outro lado, muito depende da posição da política monetária dos EUA com base nas taxas de juro de política decididas pelo Federal Reserve (Fed) que, tanto a curto como a longo prazo, afetam todas as taxas de juro do mercado.

"Se essa taxa aumenta com o tempo, como se pode observar neste período, então uma maior parte da despesa pública se dedica a esse serviço da dívida, o que reduz a quantidade de receitas fiscais que o governo pode realmente utilizar para financiar sua provisão de bens públicos e serviços públicos", advertiu.

Rossi apontou que se se apostar em continuar aumentando a taxa de juros dos EUA, isto poderia gerar desconfiança nos acionistas, além de que já não é uma medida viável para a contenção inflacionária.

O especialista da Universidade de Friburgo alertou que os EUA estão à beira de uma nova crise financeira impulsionada pelas especulações estratégicas das instituições e uma regulação mal concebida.

"O capitalismo financeiro é um sistema econômico que induz a que ocorra tal crise por uma série de razões endógenas que têm a ver com a possibilidade de privatizar os lucros e socializar as perdas quando uma instituição financeira sistemicamente relevante está perto da falência", sentenciou.

O Departamento do Tesouro suavizou o seu próprio alerta dizendo que a sua estimativa é baseada nas informações atualmente disponíveis, sem esquecer que aspectos como a cobrança de impostos e os gastos são inerentemente fatores variáveis, por isso o risco de incumprimento pode ser adiado por algumas semanas.

"É impossível prever com uma data exata quando o Tesouro será incapaz de pagar as contas do governo, e eu continuarei mantendo o Congresso informado nas próximas semanas, enquanto surge mais informação disponível", disse Yellen.

No entanto, enfatizou que é imperativo que o Poder Legislativo aja o mais rápido possível em sua regulação do limite da dívida.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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