CPMI do 8 de
janeiro pode buscar informações de outra CPI que já apura atos golpistas
Com
a criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro no
último dia 26, governo e oposição tentam garantir os cargos mais importantes
enquanto trabalham a estratégia de atuação, visando impedir que seus oponentes
roubem a cena.
A Agência Pública apurou que
deputados distritais à frente de outra CPI, a dos Atos
Antidemocráticos, em curso no Distrito Federal desde fevereiro, podem ser peça
chave ao fornecer informações preliminares à CPMI do 8 de janeiro, prevista
para começar nas próximas semanas.
Reuniões
já têm sido organizadas entre os deputados distritais e federais para o debate
da estratégia, além de haver a possibilidade de que seja feito um pedido
oficial de compartilhamento de informações da CPI com a CPMI.
“A
CPI aqui no Distrito Federal já avançou bastante”, avaliou o deputado federal
Rogério Correia (PT-MG). Ele considera que o PT “sai em vantagem” por já
existirem investigações em curso que mostram que “houve uma tentativa de
golpe”. “Nós vamos sim juntar as peças, saber quem vale a gente convocar para ser
ouvido, e alguns que eles não puderam ouvir, porque não tinham força, poderão
também participar da nossa comissão, até para agregar ao relatório deles o que
será produzido aqui como prova em relação aos golpistas”, explicou. “Já está
havendo interlocução entre os membros do PT”, confirmou à Pública o deputado, cotado para
uma vaga na CPMI.
Pelo
PSOL, a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) tem feito a interlocução com a
Câmara Legislativa do DF, onde o partido conta com o deputado distrital Fábio
Felix (PSOL), membro titular da comissão, e Max Maciel (PSOL), suplente.
Melchionna explicou à Pública que
o partido quer “incorporar essa experiência da CPI da CLDF para pensar uma
estratégia para CPMI”. “A experiência da CPI na Câmara Distrital vai ser
fundamental para que a gente faça o enfrentamento na CPMI aqui no Congresso”.
Entre
os bolsonaristas, o mesmo tem acontecido. “Nós temos bom contato com deputados
que fazem parte da CPI e é claro que, se a gente puder aproveitar material,
depoimentos que eles ouviram lá, isso será muito útil”, explicou a deputada Bia
Kicis (PL-DF).
Kicis
disse que já fez reuniões com deputados distritais e citou os membros titulares
da comissão, Pastor Daniel de Castro (PP-DF) e Joaquim Roriz Neto (PL-DF), além
dos suplentes, Thiago Manzoni (PL-DF) e Paula Belmonte (CIDADANIA-DF).
Já
o deputado Mauricio Marcon (Podemos-RS), bolsonarista indicado por seu partido
para compor a CPMI, explicou que entrará em contato com a CLDF, mesmo que não
haja, no momento, representantes do Podemos na Câmara Legislativa. “Eles já
podem ter algumas informações que a gente não tenha. Então como lá a CPI
começou antecipadamente, às vezes não é preciso fazer retrabalho, a gente pode
aproveitar algo que já foi descoberto lá”, afirmou.
·
Rumo aos 80 dias
Ao
contrário da situação no Senado e na Câmara, na CLDF a solicitação de criação
de uma CPI foi consensual desde o princípio. Os deputados começaram a se
movimentar para investigar os atos logo no dia 9 de janeiro, quando foi
convocada uma sessão extraordinária em pleno recesso parlamentar. Na primeira
fala, o deputado Chico Vigilante defendeu que “essa Casa tem que dar respostas”
e argumentou que “não é uma CPI da oposição, é uma CPI da Casa”.
Desde
14 de fevereiro, data da primeira reunião ordinária, os deputados distritais já
ouviram 7 depoentes, entre eles o ex-comandante de Operações da Polícia Militar
do Distrito Federal (PMDF), coronel Jorge Eduardo Naime; a ex-chefe do setor de
Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do DF, Marília Ferreira de Alencar;
e a coronel da PMDF Cíntia Queiroz de Castro, subsecretaria de Operações
Integradas da SSP-DF, considerados importantes para a elucidação dos fatos.
A
CPI também pediu quebras de sigilos de atores interessados, como o
ex-secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Gomes; e recebeu documentos
oficiais que mostram a comunicação entre os órgãos públicos nos dias próximos
aos atos de 12 de dezembro, quando houve um ataque à região central de
Brasília, e 8 de janeiro. Os deputados ainda se reuniram com o ministro do STF,
Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos sobre os atos golpistas.
No
Congresso, a oposição bolsonarista pressionava pela instauração de uma comissão
parlamentar mista de inquérito, por vezes usando desinformação, e o governo
tentava impedi-la de acontecer. A situação mudou após a divulgação de imagens
das câmeras do Palácio do Planalto pela CNN, que levou à demissão do General
Gonçalves Dias, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Lula. As
novas imagens transformaram o cenário político, e os petistas entenderam que a
instauração da CPMI seria inevitável.
Para
o deputado distrital Fábio Félix, que tem sido ativo na CPI da CLDF, a esquerda
errou ao agir contra a CPMI. “Não há outro caminho possível que não punir os
golpistas, os fascistas, os criminosos que cometeram aquilo no dia 8 de
janeiro. Então a esquerda deveria desde o início ter assumido a CMPI como uma
agenda sua, uma bandeira sua, para que isso tivesse consequência”, argumentou.
·
CPI do DF poderia atuar com foco local
Do
lado dos deputados distritais também tem havido uma organização para consolidar
e repassar as informações aos seus aliados na Câmara. “Vamos elaborar um resumo
parcial das atividades com o objetivo de subsidiar a atuação das bancadas
aliadas”, explicou Félix. Ele disse à Pública que já foi procurado por representantes do PT e PSOL
e que o documento deve ser entregue na semana que vem.
Já
a deputada conservadora Paula Belmonte, suplente na comissão da Câmara
Legislativa, disse que já tem trocado informações com os deputados federais.
“Nossa CPI tem uma limitação. Então será uma complementação da CMPI entender o
que aconteceu de âmbito federal, e como a gente já recebeu alguns depoimentos
de âmbito distrital, isso facilita que os parlamentares atuem de forma mais
direta, mais objetiva e com mais produtividade”, explicou.
O
deputado Daniel de Castro, pastor da Assembleia de Deus, disse também que tem
estado em contato com os membros de sua congregação que têm cargo no Congresso.
“Eu acho que a partir desse momento instaura-se inclusive um processo
simbiótico entre nós, Câmara Legislativa, e o Congresso Nacional”, explicou.
Os
deputados distritais ouvidos pela reportagem consideram que a instauração da
CPI no Congresso não deve afetar seus trabalhos. “Vamos continuar no mesmo
ritmo que a gente estava vindo anteriormente”, afirmou o deputado Chico
Vigilante, presidente da comissão. O deputado também colocou as apurações à
disposição: “se eles procurarem a gente, nós estaremos disponibilizando tudo
que já apuramos até agora para ajudá-los na elucidação dos casos”.
O
relator Hermeto (MDB-DF) foi na mesma linha. De acordo com ele, a instauração
da CPMI vai permitir que a CPI foque mais no plano distrital. “Nós vamos focar
mais no local, a atuação da Secretaria de Segurança Pública, a atuação da
Polícia Militar, as forças de segurança do Distrito Federal. Inclusive,
conversei com o presidente para que a gente possa focar mais num plano local do
que no plano nacional”, explicou. “Como a CPMI vai ser instalada a partir da
semana que vem, que ela possa utilizar [seus poderes investigativos] em um
plano nacional, ver os generais, enfim, ver toda a parte nacional”, avaliou.
Nas
últimas semanas, a CPI na CLDF enfrentou problemas com a convocação do
general Augusto Heleno, ex-ministro do
Gabinete de Segurança Institucional de Bolsonaro, que desmarcou a ida à Câmara
na véspera. Vigilante disse que Heleno lhe avisou que fora “aconselhado por
amigos e advogados a não comparecer [ao depoimento] para não jogar mais
gasolina na fogueira”, sem dar mais detalhes. Na última sessão, em 27 de abril,
a comissão aprovou novamente a convocação do general. A oitiva está marcada
para o dia 25 de maio.
Ø
CPMI
do 8 de janeiro certamente roubará a cena, mobilizando governo e oposição. Por
Luiz Carlos Azedo
O
depoimento de Jair Bolsonaro à Polícia Federal sobre uma postagem no Facebook,
na qual questionava a lisura das eleições, mostra que o ex-presidente piscou ao
ser intimado a depor no inquérito que investiga os responsáveis pela ocupação
do Planalto, do Congresso e do Supremo. Sua superexposição será inevitável
durante o funcionamento da CPMI do 8 de janeiro.
Ao
depor, Bolsonaro disse que publicou o comentário por engano, ao repassar para
uma rede social um vídeo que questionava a lisura das urnas eletrônicas. Alegou
que estaria sob efeito de medicamentos quando fez a postagem, por ter sido
hospitalizado.
“Esse
vídeo foi postado na página do Facebook quando ele tentava transmiti-lo para o
seu arquivo de WhatsApp para assisti-lo posteriormente”, disse o advogado Paulo
Cunha Bueno, na saída da sede da Polícia Federal. Entre 8 e 10 de janeiro,
Bolsonaro esteve hospitalizado em Orlando, em razão de uma obstrução
intestinal, sendo submetido a tratamento com morfina. Ou seja, estava
involuntariamente drogado.
Bolsonaro
teme seu indiciamento no inquérito da Polícia Federal que investiga a tentativa
de golpe de Estado de 8 de janeiro, sob jurisdição do ministro Alexandre de
Moraes, o que poderia resultar numa condenação e inelegibilidade.
Bolsonaro,
segundo disse o advogado, estaria à disposição da CPMI para depor sobre o 8 de
janeiro. Dependendo da composição da comissão, porém, sua situação pode ficar
ainda mais enrolada, embora seja um palco de recuperação plena da sua liderança
na oposição a Lula.
No
Congresso, movimentam-se o governo, acusado pelos bolsonaristas de ter
facilitado a invasão dos Três Poderes, e a oposição, para ocupar posições
estratégicas na CPMI e fazer muito barulho. Uma disputa entre o senador Renan
Calheiros (MDB-AL) e o presidente Câmara, Arthur Lira (PP-AL), complica a
situação. Governista de primeira hora, Renan quer ser o relator da CPMI, mas
isso descontenta Lira, de cujo apoio Lula depende para aprovar qualquer matéria
no Parlamento.
Ex-ministro
da Casa Civil de Bolsonaro, o presidente do PP, Ciro Nogueira, tem preferência
pelo líder da sua bancada na Câmara, André Fufuca (MA). Está afinado com o presidente
do PL, Valdemar Costa Neto, na articulação do bloco de oposição ao governo no
Congresso.
Lira
manteve sua hegemonia no Centrão com o superbloco que formou na Câmara, mas sua
liderança no PP é compartilhada com Ciro. Eduardo Bolsonaro, na prática, lidera
a ruidosa bancada do PL.
O
governo deve indicar 11 dos 16 senadores, entre os quais o líder do governo no
Congresso, Randolfe Rodrigues, Omar Aziz, Humberto Costa e Renan Calheiros, que
pontificaram na CPI da Covid.
O
líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), passa um dobrado para
conseguir a indicação dos deputados governistas, porque quem garante maioria
para o Executivo alcançar seus objetivos é Lira.
Sem
apoio do presidente da Câmara, o governo se fragilizaria, embora pretenda
escalar deputados bons de briga, como Lindbergh Farias, Rogério Correia, André
Janones e Aliel Machado.
Bolsonaro
tem uma tropa de choque pronta para defendê-lo na CPMI: os deputados Eduardo
Bolsonaro, Nikolas Ferreira, Alexandre Ramagem e André Fernandes, além dos
senadores Magno Malta, Jorge Seif e Rogério Marinho. O líder da oposição na
Câmara, Carlos Jordy, em publicação nas redes, antecipou a linha de atuação dos
bolsonaristas:
“Lula,
Flávio Dino e G. Dias tentaram se eximir de qualquer culpa pelo 8 de janeiro,
mas a proteção dos órgãos federais era da competência deles, e se omitiram e
contribuíram para que a tragédia ocorresse. Agora, as câmeras não deixam
dúvida. Foram os mentores intelectuais”.
A
comissão terá seis meses de duração, ou seja, deve funcionar até outubro. Como
a questão democrática ocupa a centralidade da disputa política, a CPMI deve
roubar a cena em muitos momentos do Congresso.
Ou
seja, ofuscará a discussão de medidas muito importantes, como a regulamentação
das big techs, conhecida como PL das Fake News, a aprovação do novo “arcabouço
fiscal” e a reforma tributária, grande aposta do governo para retomada do
crescimento sustentável.
O
governo quer ocupar 21 das 32 cadeiras do CPMI, sendo 11 no Senado Federal e 10
na Câmara dos Deputados. Para identificar os autores intelectuais e
responsabilizar Bolsonaro; apontar omissões de agentes públicos durante a
movimentação de pessoas para o acampamento em frente ao QG do Exército e depois
para a Praça dos Três Poderes; alcançar os financiadores dos atos golpistas e
os responsáveis pela logística do acampamento e pelo transporte de
bolsonaristas para Brasília; individualizar a conduta dos envolvidos na
depredação dos palácios.
Para
isso, conta com o apoio do presidente da CPI dos Atos Antidemocráticos da
Câmara Legislativa do Distrito Federal, deputado Chico Vigilante (PT), que já
tem muita informação sobre mandantes e financiadores.
Fonte:
Por Laura Scofield, em Agência Pública/Correio Braziliense
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