Como celular de
Bolsonaro apreendido pela PF no caso das vacinas pode ser usado em outras
investigações
A
operação da Polícia Federal (PF) realizada na quarta-feira (3/5) contra Jair
Bolsonaro (PL) e pessoas próximas a ele por suposta emissão de certificados
falsos de vacinação contra covid-19 apreendeu o celular do ex-presidente e
outros materiais para investigação, como pen drives.
Bolsonaro
negou qualquer ilegalidade e disse não temer a perícia em seu celular:
"Meu telefone não tem senha, não tenho nada a esconder sobre nada",
falou a jornalistas, após a busca e apreensão da PF em sua casa.
A
apreensão do celular levantou questionamentos sobre se o material que será
colhido após perícia poderá ser usado em outros inquéritos contra Bolsonaro – o
ex-presidente enfrenta outras investigações, como no caso das joias recebidas
da Arábia Saudita e não declaradas à Receita Federal ou por possível influência
nos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro.
A
perícia da PF tem programas capazes de extrair e analisar grandes volumes de
conteúdos de celulares, como textos, imagens, áudios e vídeos, inclusive itens
apagados pelo usuário mas que ainda permanecem por um tempo na memória do
aparelho ou armazenados em sistema de nuvem.
Segundo
o advogado criminalista e professor da FGV Celso Vilardi, é perfeitamente
possível usar eventuais provas colhidas em uma investigação para outras
apurações em curso.
A
lei também permite, ressalta ele, que um novo inquérito seja aberto caso os
investigadores encontrem indícios de ilegalidades que ainda não são alvos de
investigação.
O
que seria ilegal, explica Vilardi, é a Justiça autorizar uma medida cautelar,
como quebra de sigilo telemático ou apreensão de celular, sem indícios suficientes
de um crime para tentar "pescar" alguma ilegalidade cometida pelo
alvo da ação, prática conhecida "pescaria probatória".
No
caso da apreensão do celular de Bolsonaro, no entanto, a medida estava bem
fundamentada em indícios de possíveis crimes, avalia o professor.
"Existem
indícios muito fortes no sentido de que a carteira de vacinação do presidente
foi efetivamente falsificada. Neste momento da investigação, evidentemente que
não é possível descartar que ele não esteja envolvido nessa trama. Afinal, ele
é o principal beneficiário e (segundo a investigação da PF) tudo foi feito
dentro do Palácio do Planalto, com seus assessores mais próximas", afirma
Vilardi.
"Então,
a busca (na casa de Bolsonaro) era efetivamente necessária e a partir daí não
se fala mais em fishing expedition, se fala em um celular apreendido. Se esse
celular, para além de comprovar ou não (os crimes alvos da operação),
demonstrar que outros crimes foram praticados, a autoridade pública que se
depara com isso obrigatoriamente tem que apurar", reforça.
Apesar
de considerar que a decisão de Moraes está bem fundamentada, o professor da FGV
avalia que há outros questões que despertam questionamentos.
Na
sua avaliação, pelo que se sabe até o momento sobre o caso, não está claro se o
inquérito poderia ser automaticamente direcionado a Alexandre de Moares, como
ocorreu, ou se o caso deveria ter sido distribuído a outro ministro, por
exemplo.
Geralmente,
nota o professor, quando uma investigação encontra elementos de outros crimes,
sem relação com o inquérito inicial, uma nova investigação é aberta e
distribuída por sorteio para outro juiz. Isso é feito para evitar que
investigações sejam direcionadas para determinado magistrado.
No
entanto, a PF e Moraes avaliaram que a suposta falsificação dos certificados de
vacinação tinham conexão com outra investigação que tramita em seu gabinete e,
por isso, esse caso deveria ficar também em sua relatoria.
O
ministro considerou que a falsificação teria sido realizada para manter a
coerência da campanha de desinformação contra a vacinação de covid-19 e, dessa
forma, estaria relacionada com os crimes apurados no inquérito das milícias
digitais, sobre notícias falsas nas redes sociais.
·
Caso das vacinas foi descoberto a partir de outro
inquérito
O
próprio inquérito que apura a suposta falsificação dos certificados de
vacinação ilustra como uma investigação pode ser aberta a partir do material
apreendido em outra.
Esse
inquérito foi aberto após a PF identificar mensagens potencialmente criminosas
a partir da quebra de sigilo telemático dos dados armazenados na nuvem das
empresas Google (Google Drive) e Apple (Icloud) do ex-ajudante de ordens de
Bolsonaro, Mauro Cid Barbosa.
Essa
quebra de sigilo telemático foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moares em
2 de maio de 2022, em outra investigação que apura se Cid participou do
vazamento do inquérito sobre um ataque hacker ao TSE em 2018.
Esse
inquérito foi usado em uma live do então presidente Bolsonaro
para questionar a lisura do sistema eletrônico de votação.
O
acesso às mensagens do então ajudante de ordens de Bolsonaro revelou diálogos
sobre certificados falsos de vacina a partir de novembro de 2021.
A
investigação aberta para apurar esses supostos crimes identificou então a
possível atuação de uma associação criminosa que teria agido entre novembro de
2021 e dezembro de 2022, inserindo dados falsos de vacinação contra a covid-19
no sistema do Ministério da Saúde, para emissão de certificados.
O
grupo é suspeito de ter inserido dados falsos de vacinação contra a covid-19 no
sistema do Ministério da Saúde, para emissão de certificados que viabilizariam,
por exemplo, viagens ao exterior.
A
investigação aponta que teriam sido forjados os certificados de vacinação de
Bolsonaro e da filha dele de 12 anos; de Cid Barbosa, da sua mulher e de três
filhas do casal (duas menores de idade); e de mais dois assessores do
ex-presidente, Max Guilherme Machado de Moura e Sérgio Rocha Cordeiro.
Questionado
por jornalistas ao sair de sua casa em Brasília sobre as suspeitas de adulteração
nos cartões de vacina, Bolsonaro disse que "não tem nada disso".
"Havia
gente que me pressionava para tomar a vacina e eu não tomei. Não tomei porque li a bula da Pfizer. Não tem nada
disso. Se eu tivesse que entrar (nos EUA) e apresentar o cartão vocês estariam
sabendo", disse.
·
Que crimes podem ter sido cometidos?
Segundo
comunicado da PF à imprensa sobre a operação, os investigados podem ter
cometido quatro crimes: infração de medida sanitária preventiva, associação
criminosa, inserção de dados falsos em sistemas de informação e corrupção de
menores.
A
continuidade da apuração deve esclarecer se de fato esses ou outros ilícitos
ocorreram e quem seriam os autores.
A
operação foi autorizada por Alexandre de Moares. O relatório da PF ao ministro
atribui especificamente a Bolsonaro os crimes de uso de documento falso e de
corrupção de menores e diz que há indícios de que ele tinha conhecimento da
alteração fraudulenta dos dados no sistema do Ministério da Saúde.
Já
a eventual entrada nos Estados Unidos com um certificado de vacinação falso
configuraria crime federal naquele país, com pena de até dez anos de prisão.
Quando
Bolsonaro ingressou em solo americano no final de 2022, porém, ainda era
presidente e tinha imunidade diplomática. Por isso, não era obrigado a
apresentar comprovante vacinal.
·
Como ocorreu a falsificação?
Segundo
a investigação da PF, a inserção dos dados falsos foi realizada por meio da
Prefeitura do município de Duque de Caxias (RJ).
No
caso de Bolsonaro, por exemplo, foram inseridas informações de que o
ex-presidente teria sido vacinado naquele município com doses da Pfizer em 13
de agosto e 14 de outubro do ano passado.
No
entanto, o relatório da PF diz que não há qualquer comprovação que o presidente
tenha estado em Duque de Caxias no dia 13 de agosto, quando cumpriu agenda no
município do Rio de Janeiro.
Já
no dia 14 de outubro, Bolsonaro teve agenda curta em Duque de Caxias, sem
registro de que tenha sido vacinado nessa data, apontou a investigação.
Também
não há evidências de que a filha de Bolsonaro estivesse naquele município nas
datas em que teria sido vacinada (24 de julho e 13 de agosto de 2022), segundo
as informações suspeitas registradas no sistema do Ministério da Saúde.
“Além
disso, cabe destacar que LAURA BOLSONARO, com 11 anos de idade, residia à época
dos fatos, obviamente, com seus pais na cidade de Brasilia/DF, não fazendo
qualquer sentido ter que se deslocar até o município de Duque de Caxias para se
vacinar”, nota o relatório da PF.
O
delegado do caso, Fábio Shor, destaca ainda como evidência de fraude o grande
tempo transcorrido entre a suposta vacinação e o registro da aplicação das
doses no sistema, realizado por João Carlos Brecha, secretário de Governo de
Duque de Caxias.
“Os
dados relativos a JAIR BOLSONARO e LAURA BOLSONARO foram inseridos em
21/12/2022 no intervalo entre 18h59min e 23h11min”, nota o relatório, ou seja,
cerca de dois a cinco meses após as supostas datas de imunização.
Segundo
a investigação da PF, certificados de vacinação para Jair Bolsonaro foram
emitidos quatro vezes entre dezembro de 2022 e março deste ano.
“O
usuário associado ao ex-Presidente JAIR BOLSONARO emitiu o certificado de
vacinação contra a Covid-19, por meio do aplicativo ConecteSUS, nos seguintes
dias: 22/12/2022 às 08h00min, 27/12/2022, às 14h19min, 30/12/2022, às 12h02min
e 14/03/2023 às 08h15min”, diz o relatório da PF.
A
Polícia Federal identificou que os acessos partiram de um computador de dentro
do Palácio do Planalto e do celular de Mauro Cid. A apuração apontou ainda que
era Cid que administrava o acesso de Bolsonaro ao ConecteSUS, já que a conta do
presidente estava associada a um e-mail do seu então ajudante de ordens.
Depois,
a conta foi passada para o e-mail de outro assessor de Bolsonaro, Marcelo Costa
Câmara, que inclusive viajou em três oportunidades a Orlando para acompanhar
Bolsonaro.
Como
ex-presidente, Bolsonaro tem direito a manter oito assessores pagos pela
Presidência da República.
"Os
elementos informativos colhidos demonstraram coerência lógica e temporal desde
a inserção dos dados falsos no sistema SI-PNI até a geração dos certificados de
vacinação contra a Covid-19, indicando que JAIR BOLSONARO, MAURO CESAR CID e,
possivelmente, MARCELO COSTA CAMARA tinham plena ciência", aponta a PF no
relatório.
Fonte:
BBC News Brasil
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