Por que progresso hoje não parece tão
rápido quanto no passado
Imagine que você é um cidadão americano típico em
1870 e vive em uma fazenda na zona rural. Se você for homem, provavelmente começou
na adolescência toda uma vida de trabalho manual que só terminará quando você
estiver incapacitado ou morto. Se for mulher, você passará o mesmo tempo em
trabalho doméstico intensivo. E, se for negro ou de qualquer outra minoria, sua
vida é ainda mais difícil.
Seja
como for, você está isolado do mundo, sem telefone, nem serviço postal. Quando
a noite cai, você vive à luz de velas. Você usa um banheiro fora da casa.
Um
dia, você dorme e acorda em 1940. A vida é totalmente diferente. Sua casa é
"conectada" - você tem eletricidade, gás, telefone, água e esgoto.
Você se maravilha com as novas formas de entretenimento, como o rádio, o
fonógrafo e o cinema.
O
edifício Empire State Building domina a paisagem de Nova York, rodeado por
outras construções incrivelmente altas. Talvez você tenha um carro e, se não
tiver, certamente conhece pessoas que têm um automóvel. Alguns dos mais ricos à
sua volta até já voaram de avião.
Essas
transformações surgiram graças a um "século especial" de crescimento
econômico forte e incomum, entre 1870 e 1970. Elas foram documentadas no livro
do economista americano Robert Gordon publicado em 2016, The Rise and Fall of
American Growth ("Ascensão e queda do crescimento americano", em
tradução livre), e agora são detalhadas em um novo livro do filósofo britânico
William MacAskill, a ser publicado com o título What We Owe the Future ("O
que nós devemos ao futuro", em tradução livre).
E
essa história não se passou apenas nos Estados Unidos. As outras nações
industrializadas sofreram vertiginosas transformações no início do século 20.
·
Explosão tecnológica
Na
maior parte da história humana, o mundo progrediu a passos lentos — quando não
se manteve estagnado. Civilizações surgiram e caíram. Fortunas foram acumuladas
e dilapidadas. Quase todas as pessoas do mundo viviam no que chamamos hoje de
pobreza extrema. Por milhares de anos, a riqueza mundial — ou pelo menos o que
imaginamos que fosse essa riqueza — raramente mudava de mãos.
Mas,
há cerca de 150 a 200 anos, tudo mudou. A economia mundial começou a crescer
exponencialmente. A expectativa de vida global disparou de menos de 30 para
mais de 70 anos. Os níveis de alfabetização, pobreza extrema, mortalidade
infantil e até de altura das pessoas também melhoraram dramaticamente.
A
história pode não ser totalmente positiva, nem os benefícios foram distribuídos
igualmente, mas, em muitos setores, o crescimento econômico e os avanços da
ciência e da tecnologia mudaram a forma de vida de bilhões de pessoas.
O
que explica essa explosão súbita da riqueza relativa e do poderio tecnológico?
O que acontece se esse progresso reduzir sua velocidade ou estagnar? E, se isso
acontecer, existe algo que possamos fazer a respeito?
Essas
são questões fundamentais do movimento intelectual e campo acadêmico nascente
autointitulado "estudos do progresso", que pretende dissecar as
causas do progresso humano para que ele possa avançar melhor.
Fundada
por um economista influente e um empresário bilionário, essa comunidade
pretende definir o progresso em termos de avanço científico ou tecnológico e
crescimento econômico — mas suas ideias e crenças têm seus críticos. No que
acredita o movimento dos estudos do progresso e o que eles querem ver acontecer
no futuro?
·
As 'frutas dos galhos mais baixos'
Uma
das formas de compreender o movimento dos estudos do progresso é entender seus
medos. Nos últimos anos, diversos pesquisadores e economistas levantaram
preocupações de que a velocidade do progresso científico e tecnológico talvez
esteja diminuindo, o que pode causar estagnação do crescimento econômico.
Para
ilustrar esta situação de forma mais tangível, Gordon convida seus leitores a
refletir sobre a velocidade do progresso desde meados e o final do século 20
até os anos 2020. Imagine que, depois daquela primeira soneca como o cidadão
americano típico, você tirasse uma segunda soneca em 1940 e acordasse nos anos
2020.
Seu
refrigerador agora tem um congelador e seu novo micro-ondas permite que você
reaqueça suas sobras de comida. Você tem o ar-condicionado para se refrescar. É
muito mais provável que você agora tenha um carro e dirigir é mais fácil e mais
seguro. Você tem um computador, televisão e um smartphone.
São
invenções impressionantes e algumas parecem ser frutos de magia. Mas, ao longo
do tempo, você percebe que seus padrões de vida não se transformaram tanto
quanto na época em que você acordou primeiro, em 1940.
Gordon
afirma que as surpreendentes mudanças ocorridas nos Estados Unidos entre 1870 e
1970 foram construídas sobre inovações únicas e transformadoras. Por isso, os
americanos não presenciarão níveis de crescimento similares em curto prazo — e
talvez isso nunca volte a ocorrer. A questão é que "não é o crescimento
que está perdendo a velocidade, mas sim que ele foi muito rápido por muito
tempo", escreve o autor.
Para
Gordon, essa perda de velocidade não é culpa de ninguém. "O crescimento
dos Estados Unidos perdeu a velocidade depois de 1970, não porque os inventores
houvessem perdido seu incentivo ou não tinham mais novas ideias, mas porque os
elementos básicos do padrão de vida moderno já haviam sido atingidos naquela
época em muitos setores."
Gordon
se baseia nos temores que ficaram famosos no livro The Great Stagnation
("A grande estagnação", em tradução livre), do economista Tyler
Cowen, publicado em 2011.
Cowen
apresenta o argumento similar de que os Estados Unidos comeram a maior parte
das "frutas nos galhos mais baixos", o que permitiu crescimento
consistente da renda média norte-americana — e o país não pode mais esperar
crescer como vinha fazendo.
Então
todas as frutas nos galhos baixos já acabaram? Está ficando mais difícil
encontrar "ideias"?
Uma
equipe de economistas da Universidade de Stanford e do Instituto de Tecnologia
de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), ambos nos Estados Unidos,
apresentou exatamente essa questão em um estudo de 2020. E a conclusão foi que
os esforços de pesquisa e desenvolvimento aumentaram significativamente, mas a
produtividade por pesquisador diminuiu. Em outras palavras, nosso tempo e
dinheiro estão trazendo menos resultados. Muito menos. Em sua análise do
estudo, MacAskill estima que dobrar os nossos avanços tecnológicos hoje exige
quatro vezes mais esforços de pesquisa do que no passado. Por quê?
Parte
da comunidade do progresso indica a burocracia de financiamento atrofiada, que
consome quase a metade do tempo dos pesquisadores e cria incentivos perversos,
como uma das causas. Isso pode explicar parte da queda, mas os autores do
estudo descobriram que a produtividade das pesquisas nos Estados Unidos caiu
mais de 40 vezes desde os anos 1930. Não seria plausível que o financiamento
científico americano tivesse perdido tanta eficiência. Por isso, os autores
favorecem os argumentos de Gordon e Cowen sobre as frutas nos galhos mais
baixos. Nós fizemos as descobertas fáceis e agora precisamos nos esforçar mais
para atingir o que sobrou. Para isso, basta comparar, por exemplo, as visões do
físico Albert Einstein (1879-1955) quando era funcionário do escritório de
patentes, ou as descobertas da física Marie Curie (1867-1934) no seu
laboratório rudimentar, com os megaprojetos multibilionários de hoje em dia,
como o Grande Colisor de Hádrons ou o Telescópio Espacial James Webb.
Nós
compensamos parcialmente esse declínio da produtividade aumentando a parcela da
população dedicada às pesquisas — mas isso, é claro, não pode durar para
sempre. O crescimento da população mundial pode ajudar, mas espera-se que sua
velocidade diminua e a população comece a diminuir antes do final do século.
Também
é possível que a inteligência artificial (IA) possa ajudar a reverter esse
declínio, ou até iniciar uma nova era de crescimento explosivo. Mas há
pesquisadores que temem que a IA superinteligente possa trazer outros riscos
que prejudiquem o progresso - ou possa até fazer pior. Mas essa hipótese de
estagnação não é universalmente aceita.
Ideias
podem ser combinadas e recombinadas, criando uma explosão combinatória de novas
inovações — um efeito que compensa o consumo das frutas nos galhos mais baixos.
E também já se indicou que, se mudarmos a forma de medir a produtividade das
pesquisas e seus benefícios, o quadro será muito mais favorável.
Ainda
assim, o medo da estagnação é uma motivação central para muitas pessoas na
comunidade do progresso. Ao contrário de Gordon, eles são otimistas sobre a
capacidade de mudar a situação - o que nos leva à história de como foi criado o
movimento dos estudos do progresso.
·
A origem dos estudos do progresso
Por
volta de 2016, Tyler Cowen recebeu um e-mail inesperado do bilionário irlandês
Patrick Collison, interessado no seu livro The Great Stagnation. Alguns anos
antes, Collison havia sido um dos fundadores da empresa de pagamentos online
Stripe e agora queria discutir questões mais importantes. Os dois jantaram
algumas vezes em São Francisco, nos Estados Unidos, e viraram amigos.
Cowen
e Collison são "infóvoros" — eles se alimentam de informação.
Collison postou toda a relação de livros da sua estante com cerca de 800
volumes no seu site pessoal (embora ele admita ter lido apenas cerca da
metade). Já a prática de Cowen de esquadrinhar livros implacavelmente em busca
do valor de informação que eles contêm e abandoná-los — às vezes, depois de
cinco minutos — pode causar tremores nas pessoas que gostam de ler livros
inteiros. E a produção de informação de Cowen é quase tão prolífica quanto o
seu consumo. O economista tem 60 anos de idade e já publicou cerca de 20
livros, 40 artigos, seis anos de colunas na agência de notícias financeira
Bloomberg, mais de 150 episódios do seu podcast e cerca de 20 anos de postagens
no seu blog sobre economia popular intitulado Marginal Revolution.
Durante
a nossa conversa, a voz de Cowen já estava rouca com a maratona de entrevistas
concedidas para promover seu livro mais recente. Em 2020, Cowen foi o 17° na
lista dos 100 economistas mais influentes do mundo. Enquanto isso, Collison —
cerca de três décadas mais jovem e dono da quarta start-up privada mais valiosa
do mundo — escreveu menos, mas ainda encontrou tempo para publicar coleções de
links sobre temas como poluição do ar, cultura, crescimento, história do Vale
do Silício e, é claro, o progresso. A Stripe está avaliada em cerca de US$ 100
bilhões (cerca de R$ 540 bilhões), o que eleva o patrimônio líquido de Collison
para mais de US$ 11 bilhões (cerca de R$ 60 bilhões). Sua empresa de pagamentos
online combina a retórica solene de "mudar o mundo" das start-ups do
Vale do Silício com o trabalho comum, mas competente, de uma companhia de
infraestrutura.
Cowen
conta que, durante suas reuniões com Collison, "estávamos os dois falando
sobre ideias, descobrindo que tínhamos ideias em comum e, de alguma forma,
surgiram as bases de um artigo". Por isso, em 2019, eles escreveram um
artigo que foi publicado na revista americana The Atlantic, defendendo "uma
nova ciência do progresso". "Não existe um movimento intelectual
amplo concentrado na compreensão da dinâmica do progresso, ou dirigido ao
objetivo mais profundo de acelerá-lo. Acreditamos que ele merece um campo de
estudo dedicado", escreveram eles. "Sugerimos a criação da disciplina
de 'estudos do progresso'."
O
artigo gerou críticas. A professora Amy Pistone, especializada em estudos
clássicos, afirmou pelo Twitter que era apenas mais um exemplo do Vale do
Silício reinventando a roda (ou, neste caso, as ciências humanas). Já a
historiadora Monica Black tuitou que eles ignoram os prejuízos do
"progresso" — um termo subjetivo, o que faz com que ele reflita as
tendências das pessoas que o adotam. Os professores Shannon Dea e Ted McCormick
— de filosofia e história, respectivamente — escreveram que "o 'progresso'
é uma ação posicionada, muitas vezes com interesses, sobre os esforços humanos,
não um bem natural ou uma dádiva divina. Ele necessita de avaliação crítica,
não de zelo precipitado." Mas, entre o peso intelectual de Cowen e a ampla
fortuna de Collison, os estudos do progresso ficaram suspensos. Eles acreditam
que, ao contrário dos campos acadêmicos do passado, os estudos do progresso
devem prescrever ações. Para eles, "está mais perto da medicina que da
biologia: o objetivo é tratar, não apenas entender".
·
No que acreditam os estudos do progresso
Desde
que Cowen e Collison inauguraram este campo, outras pessoas detalharam como
deveriam ser os estudos do progresso e seus princípios básicos. Um dos mais
influentes é o empresário Jason Crawford, que escreveu sobre o progresso anos
antes da criação dos "estudos do progresso". Seu blog, Roots of
Progress, analisa exemplos do desenvolvimento científico e tecnológico, como
por que o motor a combustão venceu o vapor. Ele também opina sobre questões
como por que o estudo do progresso é um "imperativo moral" e por que
as pessoas hoje são mais "inteligentes, ricas e livres" que os seus
antepassados.
Crawford
tentou sistematizar o que significam os estudos do progresso. Ele afirma que o
movimento defende a existência de três premissas que são verdadeiras.
Primeiramente,
que o progresso é real. Os padrões de vida materiais melhoraram enormemente nos
últimos 200 anos e, seja qual for a razão, "alguma coisa obviamente
funcionou muito bem".
Segundo,
que o bem derivado do progresso é definido em termos humanísticos: "que
nos ajuda a ter vidas melhores: mais longas, saudáveis e felizes; vidas com
mais opções e oportunidades; vidas nas quais podemos progredir e
florescer".
E,
por fim, que as sociedades têm a capacidade de acelerar ou retardar o
progresso: "o progresso contínuo é possível, mas não uma garantia".
Quando
descritas desta forma, as premissas dos estudos do progresso parecem tão amplas
que quase tudo poderia enquadrar-se no seu extenso campo de atuação. Afinal,
muitos movimentos afirmam ser a favor de melhorar o bem-estar humano.
Então,
os estudos do progresso são contra ou a favor do quê, exatamente? Os estudos
ainda estão no começo, mas já existem temas comuns que estão surgindo.
·
Meio ambiente, desigualdades e normas sociais
De
um lado, os estudos do progresso não desejam um mundo onde os seres humanos
vivam com mais harmonia com a natureza. Para Crawford, "o humanismo diz
que melhorar a vida humana exige alterar o meio ambiente e que a humanidade tem
precedência moral sobre a natureza." Os estudos do progresso também não
querem necessariamente um mundo com menos desigualdades. Eles preferem
concentrar-se mais em fazer crescer o bolo, sem se preocupar com a forma em que
ele é dividido.
Eles
também não se preocupam muito com as normas sociais que dificultam a forma de
progresso como eles o definem — mesmo o progresso compartilhado por todas as
culturas. Na revista Works in Progress, por exemplo, a pesquisadora Aria Babu
defendeu recentemente o uso de úteros artificiais para pôr fim ao pesado
trabalho da gravidez.
Crawford
e outros líderes da comunidade do progresso são cuidadosos ao incluir temas
polêmicos como o avanço moral nas suas definições de progresso. Mas, na
prática, as organizações e os escritores que compõem a comunidade concentram-se
quase exclusivamente nos avanços materiais, como ampliar o crescimento
econômico, melhorar e acelerar as pesquisas científicas e aumentar a oferta de
residências (com novas normas de zoneamento) e a imigração (especialmente de
pessoas altamente qualificadas).
A
visão mundial da comunidade de progresso pode também ser deduzida não apenas
por qual é o seu foco, mas também por onde ele está. Os estudos do progresso
priorizam amplamente o crescimento na fronteira tecnológica em países ricos e
democráticos como os Estados Unidos — e não a recuperação do crescimento, que
enriquece os países pobres. Isso aparentemente estaria em conflito com a
preocupação do movimento com a estagnação do crescimento e do florescimento
humano. Afinal, a maior parte das pessoas mais pobres do mundo vive em
economias que estão parando de crescer. Além disso, até o momento, o movimento
praticamente não demonstrou curiosidade sobre o enorme crescimento econômico
observado na China desde os anos 1980, que retirou 800 milhões de pessoas da
pobreza — embora Cowen pessoalmente tenha definido como prioridade entender
melhor o crescimento chinês.
O
típico partidário do progresso — pelo menos, por enquanto — mora na região da
baía de São Francisco, nos Estados Unidos, e provavelmente trabalha na área de
tecnologia (o canal de encontro do progresso no aplicativo de mensagens Slack tem
três vezes mais membros naquela região que em qualquer outra cidade). A
influência de pessoas como o investidor Peter Thiel — que ficou famoso ao
declarar que "queremos carros voadores e, em vez disso, conseguimos 140
caracteres" — é significativa nessas comunidades. Por isso, talvez não
seja surpreendente que a comunidade do progresso esteja mais empolgada em
revolucionar a concessão de financiamento científico do que em pesquisar a
literatura sobre o desenvolvimento da economia para saber por que alguns países
seguem sendo pobres.
Crawford
e Cowen (as duas principais figuras intelectuais da comunidade do progresso)
vêm de tradições objetivista e libertária, respectivamente. Em um painel no
Instituto Ayn Rand, Crawford descreveu os estudos do progresso como sendo
próximos do objetivismo, o sistema filosófico detalhado pela filósofa Ayn Rand
no século 20. O objetivismo afirma que buscar a própria felicidade é o objetivo
moral próprio da vida e defende o capitalismo sem intervenção estatal, entre
outras coisas. Crawford também espera que os estudos do progresso gerem
"debates políticos concebidos em termos de progresso e crescimento e não
principal ou exclusivamente em termos de redistribuição".
·
Tudo pelo PIB
Crawford
e Cowen também têm uma visão específica sobre qual tipo de bem-estar eles
pretendem incentivar com o progresso. Não é a felicidade — nem mesmo a medida
mais consagrada de "satisfação na vida". Sua principal prioridade é,
isso sim, aumentar o "PIB per capita" (soma de bens e serviços
dividido pela população). O livro de Cowen Stubborn Attachments ("Conexões
obstinadas", em tradução livre), publicado em 2018, argumenta que o
"crescimento econômico sustentável" deveria ser a estrela-guia da
civilização mundial. Os estudiosos do progresso costumam salientar que o PIB
per capita possui correlação positiva com todo tipo de coisas que consideramos
desejáveis, como o consumo, o lazer, a longevidade e até o progresso moral.
O
que essa conta não considera é que o PIB per capita, há muito tempo, é um
objetivo dos governos. E, como os críticos costumam indicar, ele também está
relacionado a mudanças menos desejáveis, como o aumento do uso de combustíveis
fósseis e do consumo de carne. E, além disso, embora o PIB per capita realmente
esteja relacionado à felicidade em primeiro lugar, em todo o mundo e em cada
país, os níveis médios de felicidade teimam em permanecer inalterados à medida
que as nações ficam mais ricas.
Em
resumo, os estudos do progresso desenvolvem uma estrutura e linguagem para o
progresso que parece ser global e inclusiva, mas, na prática, é fundamentada em
um conjunto específico de visões sociopolíticas do mundo. É uma única ideia de
progresso e uma única ideia do significado do florescimento humano.
·
O progresso e os riscos existenciais
Outra
crença fundamental da comunidade de progresso é que, quanto mais rápido o
progresso tecnológico, melhor. E se isso não for verdade?
A
humanidade sobreviveu a ameaças de extinção natural por centenas de milhares de
anos e só ganhou o poder de, teoricamente, exterminar a nossa espécie com o
Projeto Manhattan, que desenvolveu a primeira bomba atômica da história, em
1945. A destruição sem precedentes causada pela guerra que culminou com o
lançamento da bomba destacou o lado negativo do progresso.
Holden
Karnofsky, líder do trabalho desenvolvido pela fundação Open Philanthropy para
melhorar o futuro distante, acredita que, no final das contas, a tecnologia
melhorou a vida humana na história recente. Mas ele não acredita
"necessariamente que isso se traduza para o futuro". Sua preocupação
é que o desenvolvimento tecnológico acelerado possa aumentar o risco de
catástrofes que extinguiriam ou arruinariam permanentemente a humanidade — os
chamados riscos existenciais.
Fazendo
referência aos indicadores de mortes violentas, Karnofsky afirma que "você
poderá contar uma história em que, em vez de as coisas melhorarem, o que vemos
é que grande parte do que já é ruim concentra-se em eventos raros, improváveis,
mas imensamente ruins". Pelas suas contas, o século 20 foi o terceiro mais
sangrento dos últimos 2.500 anos. Karnofsky deseja que a comunidade do
progresso questione uma das suas premissas fundamentais. Para ele, é importante
perguntar "nós queremos mais avanços científicos e tecnológicos? Que tipo
[de avanços] nós queremos?" Tentando chegar ao centro da discussão sobre o
progresso e os riscos envolvidos, Crawford escreve: "minha opinião é que o
progresso tecnológico é essencialmente bom, mas devemos acompanhar as
consequências ruins e combater os riscos específicos".
Comparando
a humanidade com passageiros em uma viagem "dentro de um carro que trafega
pela estrada do progresso", Crawford afirma que os pesquisadores dos
riscos existenciais acham que "o carro está fora de controle e precisamos
pegar o volante de direção com mais firmeza". Ele prossegue: "não
devemos acelerar até conseguir dirigir melhor e talvez precisemos até reduzir a
velocidade para evitar acidentes". Já os estudos do progresso
"acreditam que já estamos diminuindo a velocidade e, por isso, querem
prestar mais atenção na reaceleração". "É claro que provavelmente
também precisemos melhorar a direção, mas isso é secundário", afirma ele.
·
Ações e consequências
Essa
diferença filosófica traz implicações práticas. Um exemplo é a biotecnologia,
talvez a maior fonte de riscos existenciais no futuro próximo. Os avanços
biotecnológicos, como a queda vertiginosa dos custos de síntese de DNA, podem
fazer com que as doenças se tornem mais transmissíveis e mortais do que nunca.
Muitos
estudiosos do progresso defendem a ampla aceleração das pesquisas
biotecnológicas, a reforma dos modelos de financiamento e a liberação de
restrições para os pesquisadores, visando as doenças que possam ser curadas com
esses novos conhecimentos. Mas os frutos de acelerar o progresso neste campo
podem também favorecer pessoas mal intencionadas ou aumentar o risco de
acidentes catastróficos. Estudos voltados aos riscos da biotecnologia, como os
financiados pela Open Philanthropy, concentram-se em desenvolver primeiramente
as capacidades defensivas, como testes que podem detectar novos patógenos ou
melhores equipamentos de proteção individual. Outro exemplo são as abordagens
centradas no progresso para combater as mudanças climáticas, que são
significativamente diferentes dos movimentos ambientalistas.
Crawford
sugeriu que, com "algum tipo altamente avançado de nanotecnologia que
essencialmente nos forneça capacidade de terraformação, as mudanças climáticas
não seriam um problema. Nós simplesmente teríamos o controle do clima."
Mas ele não reconhece — a menos que seja contestado - que essa tecnologia pode
aumentar os riscos, em vez de reduzi-los. Esse intercâmbio revela algo
importante sobre as intuições por trás de muitas das conclusões da comunidade
do progresso: existe um viés empresarial para as ações. Os possíveis benefícios
de uma nova tecnologia sobrepõem-se às considerações sobre o que alguém mal
intencionado poderá fazer com ela. O receio de perder uma oportunidade sobrepõe-se
ao medo de perder tudo. Crawford, de fato, discute a segurança como importante
prioridade e parte central do progresso. Mas, por fim, ele reconhece que os
pensamentos sobre segurança e riscos são periféricos aos estudos do progresso e
não incorporados ao seu DNA.
·
O futuro dos estudos do progresso
No
seu manifesto na revista The Atlantic, Tyler Cowen e Patrick Collison fazem uma
referência sutil à famosa frase de Karl Marx: "os filósofos apenas
interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa, porém, é
transformá-lo". Isso indica que, apesar do nome do novo campo, eles não
estão satisfeitos em apenas estudar o progresso. Eles querem ações. Cowen chega
a afirmar que Marx era "obcecado pelos estudos do progresso".
Em
fevereiro de 2022, Jason Crawford descreveu sua visão de um progresso dinâmico
em movimento para os próximos 10 anos. Ele espera, por exemplo, o
reconhecimento acadêmico dos estudos do progresso como um campo
interdisciplinar valioso e uma disciplina de estudos do progresso em todas as escolas
secundárias do planeta. Crawford considera os estudos do progresso muito mais
que um movimento político: "acho que precisamos de mudanças em nível filosófico,
muito mais profundo". Por fim, a comunidade do progresso quer que seus
seguidores acreditem que podem fazer melhor.
Diversas
fontes parafrasearam o slogan "um mundo melhor é possível" nas nossas
discussões. A visão desse mundo é animadora para Crawford. "Quero que a
humanidade ganhe novamente sua autoestima e ambição, para atingir as estrelas,
literal e figurativamente. Quero nos ver sonhando com carros voadores, energia
de fusão, fabricação de nanotecnologia, terraformação de planetas e exploração
da galáxia. Por isso, não é apenas questão de política, mas das atitudes
fundamentais das pessoas com relação à humanidade e ao nosso lugar na
natureza."
Se
você dormir por mais 70 anos, será que o mundo de Crawford poderá estar
esperando por você? Você estaria vivendo uma vida mais rica e feliz? Talvez
sim. Mas considerar essa visão como sendo ou não um progresso provavelmente
dependerá da sua própria definição do que é o progresso na realidade.
Fonte:
BBC News
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