sábado, 11 de março de 2023


 As mamatas exigidas pelo Centrão para apoiar governo Lula

Mudou o presidente, mas centenas de cargos na administração federal tendem a permanecer nas mãos de indicados do chamado Centrão — grupo de partidos de centro-direita que costumam apoiar diferentes governos em troca de verbas e espaço na máquina pública.

Os órgãos mais desejados são aqueles com grande orçamento e capilaridade no território nacional, ou seja, com verba e alcance para impactar realidades locais e gerar mais dividendos políticos.

É o caso, por exemplo, da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) ou das superintendências do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Amazônia (Sudam).

Conseguir que aliados ocupem cargos nesses órgãos permite a políticos ampliar sua influência em suas bases eleitorais, o que tende a se transformar em mais força política nas eleições seguintes.

No momento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda não tem uma base de apoio sólida no Congresso para garantir a aprovação de matérias do seu interesse, até porque siglas de centro-esquerda são minoria no Parlamento.

Por isso, sua gestão está aberta a negociar esses cargos até mesmo com integrantes de partidos que eram da base do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e hoje se colocam como independentes, como Republicanos e PP. A ideia é conseguir ao menos parte dos votos dessas siglas no Congresso.

Além disso, partidos grandes da centro-direita que receberam o comando de alguns ministérios, como MDB, PSD e União Brasil, mas que não estão integralmente fechados com o Palácio do Planalto, também desejam mais espaço no governo.

E, claro, na disputa por esses cargos, também estão os partidos mais próximos a Lula, como o próprio PT.

Essas nomeações, porém, seguem ainda em ritmo lento, enquanto intensas negociações acontecem nos bastidores.

“Tem deputados reclamando. Por que estão disponíveis, querendo ajudar (o governo), mas nada ainda”, disse um deputado do PP à BBC News Brasil.

“A desconfiança que nós estamos é que os líderes (dos partidos no Congresso), o presidente da Câmara (Arthur Lira, do PP de Alagoas) vão tentar segurar na mão deles essa interlocução por cargos”, afirmou ainda.

Segundo este parlamentar, mesmo o senador Ciro Nogueira, presidente do PP e ex-ministro de Bolsonaro, dizendo que o partido deve ficar na oposição, parte da sigla pretende apoiar o novo governo. No entanto, ressaltou, esses deputados podem inicialmente votar contra o Planalto.

“O que vai acontecer na prática: uns quatro ou cinco deputados do PP vão votar contra. Por que, se a gente vota a favor, os caras vão inverter a gente (da ordem de prioridades)”, calcula.

Outras lideranças falam abertamente do desejo por cargos. Segundo o presidente do União Brasil, Luciano Bivar (PE), seu partido tem interesse por Codevasf, Dnocs e Sudene.

“O PT é feito por pessoas inteligentes, que sabem que, para fazer política é necessário ter espaços. Quanto mais espaços tivermos no governo, mais apoios poderemos garantir”, disse em entrevista recente ao jornal O Globo.

        Indicações antigas ‘podem ser aproveitadas’, diz ministro

Questionado pela BBC News Brasil, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), confirmou o diálogo com todos que tenham interesse em colaborar com o governo.

Ele afirmou, inclusive, que o Planalto pode manter pessoas que foram nomeadas na administração anterior.

Na Codevasf, por exemplo, há nomes indicados por políticos do União Brasil e do PP.

“Às vezes, já tinham pessoas indicadas, que já tinham um papel em determinadas áreas, estão sendo avaliadas. Se forem competentes, tecnicamente competentes do ponto de vista político, têm capacidade de diálogo com a sociedade, podem ser aproveitadas”, disse o ministro.

Padilha afirmou ainda que o governo tem interesse em acelerar as nomeações e que há muitos “currículos” sendo analisados, indicados por “movimentos sociais, segmentos econômicos, entidades e parlamentares”.

“Estamos trabalhando a partir dessas indicações, e são os ministros que definem, chamam as pessoas para serem entrevistadas, avaliam os currículos. Se aliar competência técnica com a competência política para construir uma política pública e, além disso, reforçar uma indicação do Congresso Nacional, melhor ainda”, ressaltou.

        Por que esses cargos são tão visados?

A Codevasf tornou-se um caso emblemático que ilustra bem o apetite político.

Criada originalmente em 1974 para apoiar o desenvolvimento regional da bacia do rio São Francisco, sobretudo com projetos de irrigação em áreas afetadas pela seca, a companhia aumentou fortemente sua área da atuação nos últimos anos.

Durante o governo Bolsonaro, passou a executar bilhões de reais em emendas parlamentares, dentro do chamado Orçamento Secreto, em ações como pavimentação de vias ou doação de tratores e caminhões para prefeituras.

Sua expansão começou a partir de 2000, quando o Congresso passou a aprovar a inclusão de novas bacias hidrográficas na área coberta pela Codevasf, elevando o número de municípios atendidos. Mas esse processo se intensificou nos últimos anos, quando a quantidade de municípios alcançados deu um salto em 2018 (de 1.020 para 1.641) e em 2020 (de 1.641 para 2.675).

Isso resultou em mais escritórios e superintendências nos Estados e mais cargos comissionados disponíveis para indicações políticas, além de ampliar a possibilidade de destinação de recursos pelo país.

Na mudança mais recente, aprovada a partir de um projeto de lei do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), a Codevasf passou a atuar no seu Estado, o Amapá, na Paraíba e no Rio Grande do Norte, além de aumentar a área atendida em mais nove Estados.

Na ocasião, Alcolumbre disso à TV Senado que a ampliação serviria para obras de infraestrutura hídrica, revitalização de orlas de cursos d'água, construção de barragens, saneamento básico, além de estruturar as cadeias produtivas pela economia criativa, artesanato e do cultivo de hortaliças e frutos orgânicos.

Segundo a Codevasf, a companhia já destinou R$ 360 milhões para o Amapá, com investimento mais expressivo em rodovias e doação de máquinas.

Já a inclusão do Rio Grande do Norte na área de atuação da companhia viabilizou, por exemplo, a doação de equipamentos de apoio à atividade agrícola para a cidade de Mossoró, como tratores, caminhões-pipa e caminhões, no total de R$ 5 milhões.

Essa, entre outras ações do governo federal, foram lembradas na eleição pelo prefeito da cidade, Allyson Bezerra (Solidariedade), ao manifestar seu apoio à candidatura ao Senado de Rogério Marinho (PL-RN), que foi ministro do Desenvolvimento Regional de Bolsonaro, pasta à qual a Codevasf está submetida. Marinho foi eleito.

“Rogério tem trabalho prestado a Mossoró e, com o apoio do nosso povo mossoroense, chega ao Senado Federal com 47.089 obtidos em Mossoró”, escreveu em seu Instagram o prefeito, destacando as doações de máquinas agrícolas.

A forte expansão da Codevasf foi, porém, acompanhada por denúncias de corrupção. Em janeiro, a Polícia Federal realizou uma operação contra um grupo acusado de fraudes nas doações de tratores pela companhia, por meio de emendas parlamentares, para prefeituras do interior da Bahia.

O governo Lula ainda não trocou o comando da Condevasf. A nomeação do atual presidente, o engenheiro Marcelo Moreira, no governo Bolsonaro é atribuída a uma indicação do deputado federal Elmar Nascimento, líder do União Brasil na Câmara.

Ele chegou a ser indicado por seu partido para ser ministro de Lula, mas foi barrado devido ao forte apoio que deu ao ex-presidente na eleição.

As superintendências estaduais também seguem sob comando de indicados de governos anteriores. A de Pernambuco é chefiada desde julho de 2016 (governo Michel Temer) por Aurivalter Pereira da Silva, indicado pelo então senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), depois de ter atuado em seu gabinete.

Coelho e sua família têm longa tradição de apoio a diferentes presidentes: ele foi ministro da Integração Regional de Dilma Rousseff; seu filho, o deputado federal Fernando Coelho Filho (União Brasil-PE), foi ministro de Minas e Energia de Michel Temer; e depois Bezerra Coelho foi líder da gestão Bolsonaro no Senado.

Já a superintendência de Alagoas continua sob comando de João José Pereira Filho (PP), o Joãozinho Pereira, primo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, a Codevasf pavimentou uma via na pequena cidade de São Sebastião, no interior alagoano, com verbas de emenda parlamentar indicada por Lira, nas proximidades de fazendas do próprio deputado.

Lira, que participou da inauguração da obra no ano passado, disse ao jornal que era uma “inverdade” relacionar a obra federal com sua propriedade, sem prestar maiores esclarecimentos.

Questionada sobre as críticas e as suspeitas contra a atuação da Codevasf, a companhia disse, por meio de nota que “ações e projetos da empresa contribuem para a redução de desigualdades e são empreendidas com abordagem técnica e em resposta a demandas da sociedade, independentemente da origem dos recursos orçamentários”.

A Codevasf afirmou ainda que “possui sólida estrutura de governança implantada” e que “nomeações para cargos de direção observam requisitos técnicos e de experiência estabelecidos pela Lei nº 13.303/2016 e por normas complementares”.

“A diretoria é composta por pessoas com qualificação e experiência cujos nomes são aprovados pela instância de nomeação e destituição, que é o Conselho de Administração da Companhia. A ocupação de cargos em comissão ocorre de acordo com as disposições do Plano de Funções e Gratificações da Empresa e das demais normas aplicáveis”, acrescentou.

 

Ø  Governo Lula abre mão de verba para Lira distribuir emendas até a deputados da oposição

 

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez um acordo com Arthur Lira (PP-AL) para que parte da verba de ministérios seja usada para bancar emendas de deputados novatos que ajudaram a reeleger o presidente da Câmara.

Deputados recém-eleitos não conseguem indicar emendas, porque o Orçamento é negociado e fechado antes de eles assumirem o mandato.

Por isso, na campanha para manter o comando da Câmara, Lira prometeu que os novatos também poderiam, ao longo de 2023, enviar dinheiro para obras e projetos em seus redutos eleitorais.

Aliados de Lira e do governo afirmam que a sinalização é de que cada um dos 219 novos deputados possa usar R$ 13 milhões como se fossem emendas.

Lira foi reconduzido para a presidência da Câmara com votação recorde, de 464 votos dos 513 deputados, após costurar uma ampla aliança política.

A lista inclui governistas, assim como parlamentares da oposição a Lula, como integrantes do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, além de membros de siglas independentes como PP e Republicanos.

Auxiliares de Lula dizem que, para não desagradar a Lira, o governo pretende atender inclusive os pedidos de deputados adversários do Palácio do Planalto. A expectativa é que, com essas negociações, consiga colher alguns votos da oposição em projetos reformistas, como a reestruturação do sistema tributário e a nova política de controle de gastos.

Apesar de a promessa poder ser cumprida até o fim do ano, deputados novatos têm cobrado uma garantia de que serão beneficiados pelas emendas. Eles temem que sejam obrigados a recorrer aos ministros para a liberação da verba.

O ministro Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais) participa como avalista dos acordos para as emendas.

Não há mais recursos no Orçamento para emendas propriamente ditas todas já foram reservadas.

Diante disso, a verba para bancar as indicações dos novatos virá do orçamento direto de ministérios. A liberação do dinheiro será, portanto, fruto de negociação política entre o Congresso e o Palácio do Planalto.

Lula herdou R$ 9,8 bilhões do Orçamento de 2023 que iriam para as emendas de relator. Após o STF (Supremo Tribunal Federal) declarar esse mecanismo inconstitucional, aliados do petista e a cúpula do Congresso costuraram um acordo para dividir o dinheiro que estava previsto para essas emendas.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, os articuladores políticos de Lula planejam usar os R$ 9,8 bilhões para negociações com o Congresso.

Parte dessa verba será usada para atender às promessas de Lira aos novatos, segundo integrantes do Planalto e membros da Câmara. A estimativa é que essa fatia fique em torno de R$ 3 bilhões, mas o valor ainda está em tratativa.

Apesar de Lula ter conseguido ficar com R$ 9,8 bilhões da sobra das emendas de relator, a verba foi distribuída de acordo com critérios definidos pelo próprio Congresso, que antes controlava esses recursos.

O dinheiro foi para áreas de interesse dos parlamentares, como construção de estradas, compras de tratores e obras na mesma proporção que o Congresso havia decidido distribuir antes de o STF declarar as emendas de relator inconstitucionais.

Na prática, apesar da decisão da corte, o Orçamento de 2023 manteve os recursos nas mesmas ações e projetos que já estavam previstos no ano passado em acordos políticos entre líderes do centrão. A diferença é o código, que deixa de ser o RP9 (emendas de relator) e passa a ser o RP2 (recurso dos ministérios).

Isso ocorreu com rubricas para projetos de fomento ao setor agropecuário (que financia compras de máquinas e tratores) e qualificação viária (obras em rodovias, especialmente pavimentação, por ser de rápida execução).

Além disso, a lista inclui implantação de sistemas adutores para abastecimento de água no canal do sertão alagoano e outras obras da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), dominada pelo centrão no governo Bolsonaro e que pode ficar novamente com o grupo na gestão Lula.

Em outra frente de negociação política, integrantes do Palácio do Planalto pretendem fazer uma nova rodada de nomeações em cargos de segundo e terceiro escalões. Isso, porém, ainda depende de aval de Lula para os nomes indicados por políticos.

O governo avalia manter o engenheiro Marcelo Moreira no comando da Codevasf e trocar superintendentes nos estados.

Moreira foi indicado pelo deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA) para presidir a empresa em 2019, no início do governo Bolsonaro.

Articuladores políticos do Planalto têm sido cobrados para a liberação de cargos prometidos, especialmente para a União Brasil além de Elmar, há indicações do ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (AP) e do presidente da sigla, Luciano Bivar (PE).

Para cargos regionais em estatais, o governo pretende atender a pedidos de parlamentares de partidos que se aliaram a Bolsonaro, como PP, Republicanos e o próprio PL.

Além do crivo de Lula, as nomeações políticas também podem demorar por causa de questões legais ou até mudanças na Lei das Estatais. É o caso do ex-governador de Pernambuco Paulo Câmara, aliado do presidente, e que deve comandar o Banco do Nordeste.

A ideia de interlocutores do Palácio do Planalto é que a distribuição dos cargos e das emendas seja feita a conta-gotas. A estratégia é liberar mais nomeações e verba a parlamentares quando o governo for passar por votações importantes no Congresso.

Para esse semestre, Lula definiu como prioridade a reforma tributária e a revisão do teto de gastos.

 

       Investigação sobre desvios na Codevasf, controlada pelo Centrão, está no começo, diz ministro da CGU

 

A Controladoria-Geral da União (CGU) está no começo das investigações sobre a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), segundo o ministro Vinícius Marques de Carvalho.

Em entrevista à coluna, Carvalho diz que o relatório publicado recentemente sobre indícios de desvio de equipamentos na Bahia ainda será complementado por investigação adicional.

 “A gente está no começo de um processo de investigação sobre eventuais desvios. Acho muito cedo para a gente caracterizar e apontar culpabilidades ou coisas desse tipo. Foi feito um primeiro relatório. Tem mais relatórios para virem por aí”, afirmou.

Segundo ele, esse processo começou a partir da proibição das emendas de relator (“RP 9”) pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte demandou que a (CGU e o Tribunal de Contas da União (TCU) apurassem irregularidades no uso desses recursos.

Questionado sobre se é correto manter a companhia nas mãos do mesmo grupo político — o governo está sendo pressionado a manter o presidente indicado por Elmar Nascimento, do União Brasil —, disse que o resultado das investigações deverá ser “levado em conta” em eventuais nomeações.

“Na medida em que essas informações vierem à tona, o relatório passar por um processo de análise mesmo, para ver se essas acusações fazem sentido ou não, eu não tenho dúvida de que essas questões têm que ser levadas em consideração em eventuais nomeações de pessoas. Ou de indicações com características políticas ou não”, pontuou.

Durante o governo Jair Bolsonaro, a CGU apontou diversas vezes indícios de superfaturamento e falta de controle sobre os equipamentos da Codevasf. A Polícia Federal (PF) também abriu inquéritos criminais para apurar desvios, e o Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a paralisar as obras executadas pela companhia.

 

Fonte:  BBC News Brasil/FolhaPress/Metrópoles

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