As mamatas exigidas pelo Centrão para apoiar governo Lula
Mudou
o presidente, mas centenas de cargos na administração federal tendem a
permanecer nas mãos de indicados do chamado Centrão — grupo de partidos de
centro-direita que costumam apoiar diferentes governos em troca de verbas e
espaço na máquina pública.
Os
órgãos mais desejados são aqueles com grande orçamento e capilaridade no
território nacional, ou seja, com verba e alcance para impactar realidades
locais e gerar mais dividendos políticos.
É
o caso, por exemplo, da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco
e do Parnaíba (Codevasf), do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
(Dnocs), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) ou das
superintendências do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Amazônia
(Sudam).
Conseguir
que aliados ocupem cargos nesses órgãos permite a políticos ampliar sua
influência em suas bases eleitorais, o que tende a se transformar em mais força
política nas eleições seguintes.
No
momento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda não tem uma base de
apoio sólida no Congresso para garantir a aprovação de matérias do seu
interesse, até porque siglas de centro-esquerda são minoria no Parlamento.
Por
isso, sua gestão está aberta a negociar esses cargos até mesmo com integrantes
de partidos que eram da base do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e hoje se
colocam como independentes, como Republicanos e PP. A ideia é conseguir ao
menos parte dos votos dessas siglas no Congresso.
Além
disso, partidos grandes da centro-direita que receberam o comando de alguns
ministérios, como MDB, PSD e União Brasil, mas que não estão integralmente
fechados com o Palácio do Planalto, também desejam mais espaço no governo.
E,
claro, na disputa por esses cargos, também estão os partidos mais próximos a
Lula, como o próprio PT.
Essas
nomeações, porém, seguem ainda em ritmo lento, enquanto intensas negociações
acontecem nos bastidores.
“Tem
deputados reclamando. Por que estão disponíveis, querendo ajudar (o governo),
mas nada ainda”, disse um deputado do PP à BBC News Brasil.
“A
desconfiança que nós estamos é que os líderes (dos partidos no Congresso), o
presidente da Câmara (Arthur Lira, do PP de Alagoas) vão tentar segurar na mão
deles essa interlocução por cargos”, afirmou ainda.
Segundo
este parlamentar, mesmo o senador Ciro Nogueira, presidente do PP e ex-ministro
de Bolsonaro, dizendo que o partido deve ficar na oposição, parte da sigla
pretende apoiar o novo governo. No entanto, ressaltou, esses deputados podem
inicialmente votar contra o Planalto.
“O
que vai acontecer na prática: uns quatro ou cinco deputados do PP vão votar
contra. Por que, se a gente vota a favor, os caras vão inverter a gente (da
ordem de prioridades)”, calcula.
Outras
lideranças falam abertamente do desejo por cargos. Segundo o presidente do
União Brasil, Luciano Bivar (PE), seu partido tem interesse por Codevasf, Dnocs
e Sudene.
“O
PT é feito por pessoas inteligentes, que sabem que, para fazer política é
necessário ter espaços. Quanto mais espaços tivermos no governo, mais apoios
poderemos garantir”, disse em entrevista recente ao jornal O Globo.
• Indicações antigas ‘podem ser
aproveitadas’, diz ministro
Questionado
pela BBC News Brasil, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha
(PT), confirmou o diálogo com todos que tenham interesse em colaborar com o
governo.
Ele
afirmou, inclusive, que o Planalto pode manter pessoas que foram nomeadas na
administração anterior.
Na
Codevasf, por exemplo, há nomes indicados por políticos do União Brasil e do
PP.
“Às
vezes, já tinham pessoas indicadas, que já tinham um papel em determinadas
áreas, estão sendo avaliadas. Se forem competentes, tecnicamente competentes do
ponto de vista político, têm capacidade de diálogo com a sociedade, podem ser
aproveitadas”, disse o ministro.
Padilha
afirmou ainda que o governo tem interesse em acelerar as nomeações e que há
muitos “currículos” sendo analisados, indicados por “movimentos sociais,
segmentos econômicos, entidades e parlamentares”.
“Estamos
trabalhando a partir dessas indicações, e são os ministros que definem, chamam
as pessoas para serem entrevistadas, avaliam os currículos. Se aliar
competência técnica com a competência política para construir uma política
pública e, além disso, reforçar uma indicação do Congresso Nacional, melhor
ainda”, ressaltou.
• Por que esses cargos são tão visados?
A
Codevasf tornou-se um caso emblemático que ilustra bem o apetite político.
Criada
originalmente em 1974 para apoiar o desenvolvimento regional da bacia do rio
São Francisco, sobretudo com projetos de irrigação em áreas afetadas pela seca,
a companhia aumentou fortemente sua área da atuação nos últimos anos.
Durante
o governo Bolsonaro, passou a executar bilhões de reais em emendas parlamentares,
dentro do chamado Orçamento Secreto, em ações como pavimentação de vias ou
doação de tratores e caminhões para prefeituras.
Sua
expansão começou a partir de 2000, quando o Congresso passou a aprovar a
inclusão de novas bacias hidrográficas na área coberta pela Codevasf, elevando
o número de municípios atendidos. Mas esse processo se intensificou nos últimos
anos, quando a quantidade de municípios alcançados deu um salto em 2018 (de
1.020 para 1.641) e em 2020 (de 1.641 para 2.675).
Isso
resultou em mais escritórios e superintendências nos Estados e mais cargos
comissionados disponíveis para indicações políticas, além de ampliar a
possibilidade de destinação de recursos pelo país.
Na
mudança mais recente, aprovada a partir de um projeto de lei do senador Davi
Alcolumbre (DEM-AP), a Codevasf passou a atuar no seu Estado, o Amapá, na
Paraíba e no Rio Grande do Norte, além de aumentar a área atendida em mais nove
Estados.
Na
ocasião, Alcolumbre disso à TV Senado que a ampliação serviria para obras de
infraestrutura hídrica, revitalização de orlas de cursos d'água, construção de
barragens, saneamento básico, além de estruturar as cadeias produtivas pela
economia criativa, artesanato e do cultivo de hortaliças e frutos orgânicos.
Segundo
a Codevasf, a companhia já destinou R$ 360 milhões para o Amapá, com
investimento mais expressivo em rodovias e doação de máquinas.
Já
a inclusão do Rio Grande do Norte na área de atuação da companhia viabilizou,
por exemplo, a doação de equipamentos de apoio à atividade agrícola para a
cidade de Mossoró, como tratores, caminhões-pipa e caminhões, no total de R$ 5
milhões.
Essa,
entre outras ações do governo federal, foram lembradas na eleição pelo prefeito
da cidade, Allyson Bezerra (Solidariedade), ao manifestar seu apoio à candidatura
ao Senado de Rogério Marinho (PL-RN), que foi ministro do Desenvolvimento
Regional de Bolsonaro, pasta à qual a Codevasf está submetida. Marinho foi
eleito.
“Rogério
tem trabalho prestado a Mossoró e, com o apoio do nosso povo mossoroense, chega
ao Senado Federal com 47.089 obtidos em Mossoró”, escreveu em seu Instagram o
prefeito, destacando as doações de máquinas agrícolas.
A
forte expansão da Codevasf foi, porém, acompanhada por denúncias de corrupção.
Em janeiro, a Polícia Federal realizou uma operação contra um grupo acusado de
fraudes nas doações de tratores pela companhia, por meio de emendas
parlamentares, para prefeituras do interior da Bahia.
O
governo Lula ainda não trocou o comando da Condevasf. A nomeação do atual
presidente, o engenheiro Marcelo Moreira, no governo Bolsonaro é atribuída a
uma indicação do deputado federal Elmar Nascimento, líder do União Brasil na
Câmara.
Ele
chegou a ser indicado por seu partido para ser ministro de Lula, mas foi
barrado devido ao forte apoio que deu ao ex-presidente na eleição.
As
superintendências estaduais também seguem sob comando de indicados de governos
anteriores. A de Pernambuco é chefiada desde julho de 2016 (governo Michel
Temer) por Aurivalter Pereira da Silva, indicado pelo então senador Fernando
Bezerra Coelho (MDB-PE), depois de ter atuado em seu gabinete.
Coelho
e sua família têm longa tradição de apoio a diferentes presidentes: ele foi
ministro da Integração Regional de Dilma Rousseff; seu filho, o deputado
federal Fernando Coelho Filho (União Brasil-PE), foi ministro de Minas e
Energia de Michel Temer; e depois Bezerra Coelho foi líder da gestão Bolsonaro
no Senado.
Já
a superintendência de Alagoas continua sob comando de João José Pereira Filho
(PP), o Joãozinho Pereira, primo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Segundo
reportagem do jornal Folha de S.Paulo, a Codevasf pavimentou uma via na pequena
cidade de São Sebastião, no interior alagoano, com verbas de emenda parlamentar
indicada por Lira, nas proximidades de fazendas do próprio deputado.
Lira,
que participou da inauguração da obra no ano passado, disse ao jornal que era
uma “inverdade” relacionar a obra federal com sua propriedade, sem prestar
maiores esclarecimentos.
Questionada
sobre as críticas e as suspeitas contra a atuação da Codevasf, a companhia
disse, por meio de nota que “ações e projetos da empresa contribuem para a
redução de desigualdades e são empreendidas com abordagem técnica e em resposta
a demandas da sociedade, independentemente da origem dos recursos orçamentários”.
A
Codevasf afirmou ainda que “possui sólida estrutura de governança implantada” e
que “nomeações para cargos de direção observam requisitos técnicos e de
experiência estabelecidos pela Lei nº 13.303/2016 e por normas complementares”.
“A
diretoria é composta por pessoas com qualificação e experiência cujos nomes são
aprovados pela instância de nomeação e destituição, que é o Conselho de
Administração da Companhia. A ocupação de cargos em comissão ocorre de acordo
com as disposições do Plano de Funções e Gratificações da Empresa e das demais
normas aplicáveis”, acrescentou.
Ø
Governo
Lula abre mão de verba para Lira distribuir emendas até a deputados da oposição
O
governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez um acordo com Arthur Lira (PP-AL)
para que parte da verba de ministérios seja usada para bancar emendas de
deputados novatos que ajudaram a reeleger o presidente da Câmara.
Deputados
recém-eleitos não conseguem indicar emendas, porque o Orçamento é negociado e
fechado antes de eles assumirem o mandato.
Por
isso, na campanha para manter o comando da Câmara, Lira prometeu que os novatos
também poderiam, ao longo de 2023, enviar dinheiro para obras e projetos em
seus redutos eleitorais.
Aliados
de Lira e do governo afirmam que a sinalização é de que cada um dos 219 novos
deputados possa usar R$ 13 milhões como se fossem emendas.
Lira
foi reconduzido para a presidência da Câmara com votação recorde, de 464 votos
dos 513 deputados, após costurar uma ampla aliança política.
A
lista inclui governistas, assim como parlamentares da oposição a Lula, como
integrantes do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, além de membros de
siglas independentes como PP e Republicanos.
Auxiliares
de Lula dizem que, para não desagradar a Lira, o governo pretende atender
inclusive os pedidos de deputados adversários do Palácio do Planalto. A
expectativa é que, com essas negociações, consiga colher alguns votos da
oposição em projetos reformistas, como a reestruturação do sistema tributário e
a nova política de controle de gastos.
Apesar
de a promessa poder ser cumprida até o fim do ano, deputados novatos têm
cobrado uma garantia de que serão beneficiados pelas emendas. Eles temem que
sejam obrigados a recorrer aos ministros para a liberação da verba.
O
ministro Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais) participa
como avalista dos acordos para as emendas.
Não
há mais recursos no Orçamento para emendas propriamente ditas —todas
já foram reservadas.
Diante
disso, a verba para bancar as indicações dos novatos virá do orçamento direto
de ministérios. A liberação do dinheiro será, portanto, fruto de negociação
política entre o Congresso e o Palácio do Planalto.
Lula
herdou R$ 9,8 bilhões do Orçamento de 2023 que iriam para as emendas de
relator. Após o STF (Supremo Tribunal Federal) declarar esse mecanismo
inconstitucional, aliados do petista e a cúpula do Congresso costuraram um
acordo para dividir o dinheiro que estava previsto para essas emendas.
Como
mostrou a Folha de S.Paulo, os articuladores políticos de Lula planejam usar os
R$ 9,8 bilhões para negociações com o Congresso.
Parte
dessa verba será usada para atender às promessas de Lira aos novatos, segundo
integrantes do Planalto e membros da Câmara. A estimativa é que essa fatia
fique em torno de R$ 3 bilhões, mas o valor ainda está em tratativa.
Apesar
de Lula ter conseguido ficar com R$ 9,8 bilhões da sobra das emendas de
relator, a verba foi distribuída de acordo com critérios definidos pelo próprio
Congresso, que antes controlava esses recursos.
O
dinheiro foi para áreas de interesse dos parlamentares, como construção de
estradas, compras de tratores e obras —na mesma proporção
que o Congresso havia decidido distribuir antes de o STF declarar as emendas de
relator inconstitucionais.
Na
prática, apesar da decisão da corte, o Orçamento de 2023 manteve os recursos
nas mesmas ações e projetos que já estavam previstos no ano passado em acordos
políticos entre líderes do centrão. A diferença é o código, que deixa de ser o
RP9 (emendas de relator) e passa a ser o RP2 (recurso dos ministérios).
Isso
ocorreu com rubricas para projetos de fomento ao setor agropecuário (que
financia compras de máquinas e tratores) e qualificação viária (obras em
rodovias, especialmente pavimentação, por ser de rápida execução).
Além
disso, a lista inclui implantação de sistemas adutores para abastecimento de
água no canal do sertão alagoano e outras obras da Codevasf (Companhia de
Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), dominada pelo
centrão no governo Bolsonaro e que pode ficar novamente com o grupo na gestão
Lula.
Em
outra frente de negociação política, integrantes do Palácio do Planalto
pretendem fazer uma nova rodada de nomeações em cargos de segundo e terceiro
escalões. Isso, porém, ainda depende de aval de Lula para os nomes indicados
por políticos.
O
governo avalia manter o engenheiro Marcelo Moreira no comando da Codevasf e
trocar superintendentes nos estados.
Moreira
foi indicado pelo deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA) para presidir a
empresa em 2019, no início do governo Bolsonaro.
Articuladores
políticos do Planalto têm sido cobrados para a liberação de cargos prometidos,
especialmente para a União Brasil —além
de Elmar, há indicações do ex-presidente
do Senado Davi Alcolumbre (AP) e do presidente da sigla, Luciano Bivar (PE).
Para
cargos regionais em estatais, o governo pretende atender a pedidos de
parlamentares de partidos que se aliaram a Bolsonaro, como PP, Republicanos e o
próprio PL.
Além
do crivo de Lula, as nomeações políticas também podem demorar por causa de
questões legais ou até mudanças na Lei das Estatais. É o caso do ex-governador
de Pernambuco Paulo Câmara, aliado do presidente, e que deve comandar o Banco
do Nordeste.
A
ideia de interlocutores do Palácio do Planalto é que a distribuição dos cargos
e das emendas seja feita a conta-gotas. A estratégia é liberar mais nomeações e
verba a parlamentares quando o governo for passar por votações importantes no
Congresso.
Para
esse semestre, Lula definiu como prioridade a reforma tributária e a revisão do
teto de gastos.
Investigação sobre desvios na Codevasf,
controlada pelo Centrão, está no começo, diz ministro da CGU
A
Controladoria-Geral da União (CGU) está no começo das investigações sobre a
Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba
(Codevasf), segundo o ministro Vinícius Marques de Carvalho.
Em
entrevista à coluna, Carvalho diz que o relatório publicado recentemente sobre
indícios de desvio de equipamentos na Bahia ainda será complementado por
investigação adicional.
“A gente está no começo de um processo de
investigação sobre eventuais desvios. Acho muito cedo para a gente caracterizar
e apontar culpabilidades ou coisas desse tipo. Foi feito um primeiro relatório.
Tem mais relatórios para virem por aí”, afirmou.
Segundo
ele, esse processo começou a partir da proibição das emendas de relator (“RP
9”) pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte demandou que a (CGU e o
Tribunal de Contas da União (TCU) apurassem irregularidades no uso desses
recursos.
Questionado
sobre se é correto manter a companhia nas mãos do mesmo grupo político — o
governo está sendo pressionado a manter o presidente indicado por Elmar
Nascimento, do União Brasil —, disse que o resultado das investigações deverá
ser “levado em conta” em eventuais nomeações.
“Na
medida em que essas informações vierem à tona, o relatório passar por um
processo de análise mesmo, para ver se essas acusações fazem sentido ou não, eu
não tenho dúvida de que essas questões têm que ser levadas em consideração em
eventuais nomeações de pessoas. Ou de indicações com características políticas
ou não”, pontuou.
Durante
o governo Jair Bolsonaro, a CGU apontou diversas vezes indícios de
superfaturamento e falta de controle sobre os equipamentos da Codevasf. A
Polícia Federal (PF) também abriu inquéritos criminais para apurar desvios, e o
Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a paralisar as obras executadas pela
companhia.
Fonte: BBC News Brasil/FolhaPress/Metrópoles
Nenhum comentário:
Postar um comentário