Os ‘campeões nacionais’, apoiados pelos generosos financiamentos e
participações acionárias do BNDES
Com o
Congresso iniciando as férias de janeiro, embora já estivesse de folga desde 20
de dezembro, ainda ecoam os escândalos das emendas PIX, que o diligente
ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, tentou brecar, exigindo
transparência e os nomes dos proponentes, dos beneficiários e a destinação. Mas
a pressão dos presidentes das duas casas do Congresso sobre o governo Lula (que
precisa de apoio dos respectivos presidentes para aprovar matérias de seu
interesse e vetar as que não agradam) deixou tudo como está para ver como fica.
Inclusive os R$ 171 milhões de emendas para parentes à frente de prefeituras
pelo Brasil afora.
Com o
recesso da política, caro leitor, acredito que você já tenha ouvido falar muito
dos negócios “campeões nacionais” que teriam sido apoiados pelos generosos
financiamentos e participações acionárias do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES). Tais operações, muito criticadas nos governos Lula
e Dilma, foram demonizadas e praticamente extintas na gestão do BNDES no
governo Bolsonaro. Para marcar a guinada, a gestão do engenheiro Gustavo Montezano
(17 de junho de 2019 a 1º de janeiro de 2023) batizou o desmonte de “fábrica de
projetos”. Na minha experiência de 52 anos de cobertura econômica, andei
procurando, na época, os escândalos em projetos que um banco de fomento como o
BNDES aprovava e não encontrei nada de extraordinário. Assim como a abertura da
“caixa preta” não trouxe nenhum escândalo novo.
Montezano
substituiu ao economista Joaquim Levy, por pressão do ex-presidente que não se
conformava com a cautela de Levy em abrir a chamada “caixa preta” de
empréstimos e apoios do banco. É que na gestão de Paulo Rabello de Castro, no
governo de Michel Temer, houve uma devassa nas operações do BNDES, e o alentado
relatório, chamado de “livro verde”, também nada encontrou. Mas o governo
Bolsonaro sapateou em torno dos financiamentos de exportação de serviços às
obras das empreiteiras no exterior – e, como já era mostrado, há anos, no site
do banco, encontrou tudo detalhado, incluindo os devedores em atraso de sempre
(Venezuela e Cuba à frente de Moçambique). A tal “fábrica de projetos” se
esmerou em apressar privatizações (como a da BR Distribuidora e da Eletrobras),
nas quais, como num jogo de pôquer, a União, que era o acionista controlador,
pediu “mesa” e deixou “jogadores” privados seguirem no jogo, para pingar ou
dobrar apostas e assim tirar o controle da União da BR e da Eletrobras. A
Petrobras seria a próxima, se Bolsonaro fosse reeleito.
Mas
isso é questão para outra coluna. O que eu queria tratar aqui é do incrível
desempenho, em 2024, na B3 – a bolsa de valores do Brasil –, das ações dos
chamados “campeões nacionais”. Num ano em que o Ibovespa (o índice ponderado
das 86 ações de 83 empresas que são renovadas a cada ano – a renovação se deu
dia 2 de janeiro e vale até 3 de janeiro de 2025) caiu 10,36%, fechando em
dezembro a 120.283 pontos, atropelado pela alta do dólar em todo o mundo em
reação ao protecionismo de Donald Trump, que vai elevar a inflação nos Estados
Unidos e já forçou o Federal Reserve Bank a ser mais conservador nos planos de
baixar os juros (a meia trava ocorreu em maio de 2024, detonando uma gangorra
de moedas no mundo, com o dólar pondo quase todo o mundo de “castigo”), e a
subida de juros no Brasil para conter o dólar.
O
comportamento do Ibovespa tem muito a ver com o desempenho das ações com maior
liquidez e peso no índice: Vale ON tem peso de (11,333%), seguido de Petrobras
PN (7,770%); Itaú Unibanco (7,279%); Petrobras ON (4,682%) e Bradesco PN
(3,573%). Cinco ações representam mais de 42% do Ibovespa. Vale ON teve queda
de 23,72% nos últimos 12 meses até 3 de janeiro de 2025. Petrobras PN avançou
9,89%, superando os ganhos de 3,54% de Petrobras ON. Bradesco PN caiu 28,4% (o
último impacto foi a falência da Sete Brasil, com dívidas de R$ 36 bilhões, da
qual era um dos credores, ao lado do BTG-Pactual, do Santander e dos fundos de
pensão dos funcionários do Banco do Brasil, CEF e Petrobras). O Itaú Unibanco,
que não entrou na aventura da Sete Brasil, idealizada em 2010 por André
Esteves, principal acionista do Pactual, só teve perda de 2,94% nas ações PN
até 3 de janeiro deste ano.
<><> E
os campeões são...
E os
campeões são, pela ordem: Embraer, cujas ações ON acumulam valorização de 170%
nos últimos 12 meses até 3 de janeiro de 2025. Vale observar que a companhia
brasileira para a qual o BNDES sempre atuou, desde os governos de FHC, como
fazem o Eximbank americano e o equivalente japonês, no financiamento às
exportações, no caso, com créditos a longo prazo ao comprador de seus aviões,
escapou praticamente ilesa da queda de um jato no Azerbaijão (o presidente
russo, Vladimir Putin, admitiu que pode ter sido abatido pela artilharia russa)
e ainda saiu beneficiada com o abalo da Boeing após o terrível acidente na
Coreia do Sul, no fim do ano passado. Depois da Embraer, vale destacar a alta
de 91,73% nas ações ON da BRF. Trata-se da fusão entre os frigoríficos Sadia e
Perdigão, patrocinada pelo BNDES na crise financeira mundial de 2008. O BRF
hoje exporta carnes de frango, suínos e bovinos para três dezenas de países.
Na
crise de 2008, o BNDES entrou em campo para patrocinar outra fusão de duas
grandes empresas nacionais de celulose (a Aracruz e a Votorantim) que tinham
sido arrastadas no contrapé em “hedge” de exportação (o dólar disparou na
direção contrária em que se protegeram). Surgiu a Fibra, depois comprada pela
Suzano, que virou a maior exportadora de celulose de eucalipto do mundo. Pois
as ações ON da Suzano acumulavam valorização de 14,83% nos 12 meses terminados
em 3 de janeiro. E os papéis de Klabin, outra fábrica de celulose apoiada pelo
BNDES, valorizaram 19% no mesmo período.
Mas
outros dois “campeões nacionais” demonizados pelo apoio do BNDES também se
destacaram: os papéis ON do frigorífico Marfrig, um dos maiores exportadores de
carnes do mundo, subiam 79,51%, e estavam à frente da valorização de 51% da JBS
(Friboi dos irmãos Batista).
Em
compensação, excluído o caso das companhias de energia, onde as perdas são
gerais (Eletrobras ON perde 17% e as PNs caem 15%, Equatorial ON desvaloriza
23,26% em 12 meses e Engie ON perde 18,95%), empresas dos paladinos da
privatização, que eram críticos ferrenhos do apoio do BNDES, amargam perdas.
Como a Localiza, de Salim Mattar, que foi Secretário de Desestatização do
governo Bolsonaro (deixou o governo em 2020): caiu 44,49% no período de 12
meses. Rubens Ometto, um gigante do açúcar e do álcool acumula desvalorização
de 56,45% nas ações da Cosan ON (que atua também na distribuição de gás natural
em São Paulo) e a Raízen, parceria da Cosan com a Shell na rede de
combustíveis, tem queda de 47,59% nas ações PN.
<><> Por
que o BNDES não é criticado no agro?
Agora,
uma pergunta que não quer calar: por que os milionários e bilionários do
agronegócio, que recebem generosos financiamentos com juros baixos a médio e
longo prazos do BNDES para comprar super tratores, colheitadeiras de última
geração e bancar a construção de silos para armazenagem de grãos das safras,
além de caminhões, não criticam a ação de fomento do maior banco nacional?
<><> O
fiscal ia ser péssimo, mas...
O
déficit primário (receitas menos despesas, sem considerar o mais pesado custo
dos juros da dívida pública) de R$ 6,6 bilhões em novembro foi um pouco pior
que as expectativas do mercado. Mas, a análise do Departamento de Estudos
Macroeconômicos do Itaú sobre o desempenho do setor público consolidado mostra
que o problema fiscal não era tão grande como diziam os analistas para
justificar a escalada do dólar (mais ligado às ameaças de aumento de tarifas
por Trump do que por supostos desequilíbrios fiscais). O Itaú diz que, “na
definição do Banco Central para o déficit (conceito abaixo da linha), o governo
central (Tesouro + INSS + Banco Central) registrou déficit de R$ 5,7 bilhões,
melhor que nossa estimativa de um déficit de R$ 6,4 bilhões”.
Mas não
é só. O Itaú constata que “a dívida bruta do governo geral recuou de 78,6% do
PIB para 77,7% do PIB em novembro após revisão altista do PIB (ou estável em
77,8% com a série anterior), enquanto a dívida líquida do setor público
consolidado caiu de 61,5% para 61,2% do PIB no mês. Excluindo “swaps”, o
déficit nominal acumulado em 12 meses recuou de 9,0% para 8,7% do PIB entre
outubro e novembro, enquanto as despesas de juros permaneceram em 7,1% do PIB
no mês”.
E ainda
arremata: “Apesar de o governo estar se aproximando do cumprimento do limite
inferior da meta de resultado primário deste ano [0,25%] devido à forte
arrecadação, os riscos fiscais continuam elevados, considerando a percepção de
que as despesas obrigatórias crescendo acima do limite do arcabouço fiscal
impedirão seu cumprimento até 2026 e a dificuldade em obter uma trajetória de
convergência de resultados primários”.
Ué, não
iam estourar as contas de 2024, que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
prometia cumprir no limite? E o governo trabalha com a previsão de fechar 2024
com déficit primário entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões, o equivalente a 0,1%
do PIB, bem abaixo dos R$ 28 bilhões (0,25% do PIB) autorizados no Arcabouço
Fiscal pelo Congresso. A política keynesiana de Haddad (crescer com círculo
virtuoso para gerar mais receitas e reduzir os níveis de endividamento) dá
urticária nos ortodoxos da Faria Lima.
Veja
essa opinião do Itaú: “o pacote de contenção de gastos recém-aprovado pelo
Congresso pode ser insuficiente para garantir o cumprimento do arcabouço até
2026, com poucas mudanças estruturais capazes de alterar a dinâmica recente das
despesas. Estimamos uma economia potencial de R$ 54 bilhões em 2 anos, sendo R$
30 bi em 2026, abaixo da necessidade estimada de R$ 40 bi. À frente, será
importante acompanhar se novas medidas estruturais de controle de gastos serão
implementadas, além dos riscos de deterioração de resultado primário associados
à proposta de isenção do imposto de renda”. Vejam que o furo no pacote fiscal
agora já é transferido de 2025 para 2026. Até lá, há praticamente 24 meses para
serem tomadas medidas preventivas.
Para o
Santander, o pacote de ajuste fiscal aprovado pelo Congresso, “apesar da
manutenção de boa parte dos R$ 70 bilhões em cortes de gastos propostos
inicialmente, o montante efetivo deve ficar ao redor de R$ 50 bilhões”. É ver
para crer. Até aqui os piores cenários não se confirmaram.
<><> Maior
imposto dos ricos cobriria os déficits
Os
cálculos são do Sindifisco Nacional (Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita
Federal): a isenção do IR para quem recebe até R$ 5.000,00 por mês, aliada à
desoneração significativa dos que ganham entre R$ 5.000,01 e R$ 7.000,00,
custaria aos cofres da União cerca de R$ 35 bilhões, mas beneficiaria com mais
poder de compra pouco mais de 16 milhões de brasileiros da classe média, cujo
aumento de consumo movimentaria a economia e elevaria a arrecadação de
impostos, já compensando parte da isenção.
Mas a
política “Robin Hood” do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de compensar a
perda de receita no alívio da classe média, mediante alíquotas mais efetivas
(10% de aumento) para quem ganha acima de R$ 50 mil mensais em renda – o que
abarcaria juros sobre capital próprio das empresas em que são sócios,
dividendos e rendas de aluguéis -, já igualaria o jogo, com justiça fiscal.
Esse imposto extra atingiria 160 mil pessoas ou 1% em relação ao grupo de 16
milhões aliviados mensalmente nas contas com o leão.
Para os
ricos, a alta de 34% no café, de 21% no leite, de 31% no óleo de soja, de 53%
na laranja e de 63% na tangerina quase não faz cócegas, mas dá urticárias na
classe média. Já uma tributação mais balanceada incomoda os mais ricos, que até
2023 estavam isentos em fundos exclusivos de bilionários ou investimentos
“off-shores”. Com o aumento dos juros, a maior tributação é mais do que justa,
para evitar que os 1% mais ricos concentrem ainda mais a renda do país.
Segundo
os cálculos do Sindifisco, a taxação de renda mais alta com a alíquota será
cobrada sobre soma de todas as rendas. A proposta da Fazenda é que o Rendimento
bruto ao ano teria acréscimo de Imposto mínimo nas seguintes faixas: R$ 600.000
zero; R$ 720.000 2%; R$ 840.000 4%; R$ 960.000 6%; R$ 1.080.000 8%; e R$
1.200.000 10%.
Ou
seja, a combinação da isenção para quem ganha até R$ 5 mil mensais com um
instrumento que garanta um pagamento mínimo de alíquota efetiva para os
extratos mais abastados da população garantiria a neutralidade fiscal (as
obrigações devidas pelo governo à sociedade e aos contribuintes seria bancada
pelo maior aperto fiscal sobre os mais ricos – como é na Europa e nos Estados
Unidos e como foi desenhada a reforma tributária que aliviou os impostos em
cascata sobre o consumo, que onerava o consumidor.
<><> A
proposta do Sindifisco
O
Sindifisco tem uma proposta ainda mais ousada: igualar as alíquotas de
tributação sobre as rendas dos milionários à mesma percentagem de IR paga por
um professor universitário. Se aplicada a alíquota de 12,8%, o “incremento na
arrecadação poderia ser suficiente para custear a segurança pública no Nordeste
e no Centro-Oeste”, assevera os cálculos do Sindifisco. Que vai além: se a
reforma do Imposto de Renda (IR) proposta pelo governo federal, anunciada pelo
ministro Haddad no final de novembro, fosse aprovada no Congresso Nacional,
seria possível beneficiar 16,1 milhões de contribuintes sem diminuir a
arrecadação federal.
Na
hipótese da alíquota de 12,8% para compensação das perdas de arrecadação com a
isenção, se o governo federal propusesse alíquotas afetivas de progressão
linear que complementam as já atuais contribuições, começando com aqueles que
ganham R$ 600 mil anuais em 0% e terminando em 10% de alíquota efetiva para os
que recebem, pelo menos, R$ 1,2 milhão, teríamos um incremento na arrecadação
anual de R$ 41,06 bilhões.
A
alteração na cobrança iria atingir, aproximadamente, 160 mil declarantes, que
representam os mais altos níveis de renda do país. Atualmente, essa parcela da
população paga percentuais que, em muitos casos, estão significativamente
abaixo de 10%, mesmo em faixas de rendimentos extremamente elevadas. Uma
autêntica política “Robin Hood”, tirar mais de 160 mil para isentar 16,1
milhões.
Para se
ter uma ideia, uma pessoa com rendimentos de R$ 24,5 milhões anuais contribui
com Imposto de Renda referente a apenas 5,12%, menos da metade dos 11,34% que
pagam contribuintes que ganham R$ 280 mil por ano. “O exercício que propomos
deixa claro que não há perda de arrecadação. A opção pela utilização de
mecanismos que deixam o sistema tributário mais progressivo é benéfica para
toda a sociedade e impulsiona a economia. Não à toa o princípio da capacidade
contributiva está na nossa Constituição Federal”, afirma o presidente do
sindicato, Dão Real.
Caso a
proposta do governo federal atingisse a alíquota efetiva máxima de 12,8% para
os milionários, o mesmo que paga, hoje, um professor universitário, o país
poderia ter uma arrecadação adicional anual de R$ 35,5 bilhões. Mas é por isso
que tanto se criticam os gastos sociais e não os altos juros que beneficiam os
rentistas da classe média alta e os bilionários gestores de fortuna que surfam
na onda dos altos juros com taxas de administração.
Fonte: Jornal do
Brasil
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