"Trump não tem condição para ser
presidente de nada", afirma politólogo americano
O politólogo e
economista nipo-americano Francis Fukuyama é
famoso por traçar, em suas análises, vastas linhas históricas, com conclusões
que beiram a predição profética. Sua obra mais popular, O fim da história e o último homem, publicado em 1992, portanto no ano seguinte à dissolução da
União Soviética, exemplifica bem a amplitude de sua visão.
Com base na filosofia
de Friedrich Hegel e Karl
Marx, ele postula que naquele momento se
alcançava "o fim da evolução ideológica da humanidade e a universalização
da democracia liberal ocidental como forma final de governo humano". Nos
anos seguintes, Fukuyama foi também associado à ascensão do movimento
neoconservador, do qual se distanciaria mais tarde.
A DW entrevistou o
pesquisador de 72 anos sobre as eleições presidenciais de 5 de novembro de 2024
nos Estados Unidos, quando ele ainda acompanhava com seus estudantes o anúncio
dos resultados oficiais. Na ocasião, Fukuyama já dava como praticamente certa a
vitória do republicano Donald
Trump – que acabou se concretizando –,
resultando num preocupante impulso para o populismo de direita no mundo.
"Essa vitória vai
mudar tudo. Trump não gosta de aliados, não gosta de ter que apoiá-los. Acho
que ele vai conseguir um acordo de paz com Putin à custa da Ucrânia. Isso vai
estabelecer um péssimo precedente para o resto da Europa."
LEIA A ENTREVISTA:
·
A eleição presidencial
americana foi um dos eventos mais esperados no mundo em 2024; na Europa e na
Alemanha, decisões importantes foram adiadas até após o resultado. Parece que
chegamos a um ponto de inflexão, o começo de uma nova história. O senhor
concorda?
Francis
Fukuyama: Quanto a uma nova história, não sei,
mas é certamente uma mudança importante para os Estados Unidos, e devido à
influência que têm, acho que [uma vitória de Trump] vai afetar o mundo de modo
negativo.
·
Na sua opinião, os
americanos querem algumas mudanças?
Ainda é extraordinário
quanta gente está disposta a votar em Donald Trump depois de tudo o que sabe
sobre ele. Para mim é bem decepcionante, porque ele realmente não parece ter
condição para ser presidente de nada. E acho que isso vai ter grandes consequências
para o resto do mundo, pois encoraja todos os partidos populistas da Europa e
de outros lugares.
·
Estamos vendo um alto
nível de polarização na sociedade americana, mas ao mesmo tempo isso resultou
numa participação eleitoral marcante. O número dos que votaram antecipadamente
é fora do comum. Isso não é bom?
Bem, é bom se você não
prestar a menor atenção nos resultados concretos que vão sair dessa votação.
Penso que a participação pública não é a única coisa a se considerar, a gente
também quer que as pessoas façam escolhas sábias quando votam. Acho que elas
estão votando por causa de questões de curto prazo, como a inflação, sem
atentar para outras, de longo prazo, muito mais importantes, como a
sobrevivência do Estado de direito nos EUA.
·
Nós vemos certas
semelhanças aqui na Alemanha, em termos do crescimento do populismo e da
incapacidade dos partidos convencionais de se oporem a esse processo. Então, a
verdade não vale?
Acho que os EUA
permanecem muito influentes, a gente vai copiar o que acontece aqui, e me
parece que isso vai provavelmente ocorrer na Alemanha. Então estou seguro de
que a [sigla populista de direita Alternativa
para a Alemanha] AfD vai se sair melhor, devido ao que
acontece nos EUA.
·
De volta aos
americanos e sua sociedade: parece que Trump apostou numa emoção, a de que o
país deveria se concentrar mais em si mesmo, nos americanos, não no mundo
inteiro. Isso vai resultar em mudanças no papel que os EUA vão desempenhar na
ordem global, e na própria ordem, em si?
Vai mudar. Vai mudar
tudo. Trump não gosta de aliados, não quer ter que apoiar aliados. Ele não
gosta da Ucrânia, acho que vai conseguir um acordo de paz com [presidente da
Rússia Vladimir] Putin à custa dela. Vai ser um precedente péssimo para o resto
da Europa. No Extremo Oriente, não está claro que ele vá se dispor a defender
os aliados dos EUA contra a China.
Então, esses riscos
políticos em que estamos entrando agora são realmente de grande porte, e não só
no setor de segurança. Afinal, ele quer impor uma tarifa aduaneira de 20%
contra todos os outros países. E isso resultará numa depressão econômica
global, pois vamos estar de volta ao tipo de situação dos anos 1930, depois
que foi aprovada a lei de taxação Smoot-Hawley.
·
No tocante à
interferência russa nas eleições americanas: a imprensa relatou diversos casos
de manipulação, o jornal The New York Times noticiou sobre
ingerências da Rússia, China e Irã. A influência foi tão grande assim?
Não sabemos. Não
sabemos se houve interferência. Trump venceu. Não sei se algum dia vamos saber
se houve aí uma relação causa e efeito forte, porque é muito difícil julgar
essas coisas. Mas certamente a intenção estava lá. Acho que, para Putin, a
principal esperança para uma vitória na Ucrânia era ter Trump como presidente.
·
Porque ele vai cortar
o apoio à Ucrânia?
Isso.
·
Os principais tópicos
da campanha presidencial foram as restrições à imigração e às importações, a
economia e o acesso ao aborto. Tudo
indica que os americanos estão se desviando dos valores liberais, em direção a
posturas mais conservadoras, fechando o país e a sociedade. Isso é um
movimento? Vai durar muito tempo?
Muito difícil dizer. O
fato de Trump ter vencido duas eleições, apesar de tudo o que todo mundo sabe
sobre ele, indica que há uma insatisfação real com o estado dos EUA. Não acho
que as medidas políticas dele vão funcionar, acho que vão gerar inflação, recessão
econômica, mais desemprego.
Então pode ser que
daqui a quatro anos todo mundo vá ver que foi um grande erro reelegê-lo, e
nesse caso as consequências de longo prazo serão muito diferentes. Mas no
momento, eu simplesmente não considero um bom sinal que tantos americanos
estejam dispostos a votar em alguém que é tão profundamente lesado.
¨ Novo mandato de Trump pode repercutir forte no Oriente Médio
Enquanto Israel e Egito, aliados de longa data dos americanos, celebraram a futura
volta de Donald Trump à Casa Branca, o
Catar, Irã e outros membros do autoproclamado
"Eixo de Resistência" – que se opõe Estados Unidos e Israel, sob
liderança iraniana – comunicaram diplomaticamente sua "indiferença
política".
Certos observadores
políticos não têm a menor dúvida de que o presidente eleito está decidido a
continuar tratando das políticas para o Oriente Médio do seu jeito peculiar.
"Trump gosta de se apresentar como dealmaker, um grande
mediador de acordos", comenta Neil Quilliam, especialista em Oriente Médio
e Norte da África do think tank londrino Chatham House. "Ele vai querer
continuar onde parou."
Seriam três seus
principais planos políticos para a região: em primeiro lugar, dar fim aos
conflitos de Israel com o Hamas na Faixa de Gaza e
com o Hezbollah no Líbano. Porém
as metas de estabelecer uma administração para Gaza e potencialmente criar um
Estado palestino estão muito provavelmente entrelaçadas com o segundo plano
trumpista para o Oriente Médio.
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Oriente Médio não é o mesmo depois do 7 de Outubro
"Trump vai querer
insuflar nova vida aos Acordos de Abraão e aumentar o número de nações que
normalizaram suas relações com Israel", prossegue Quilliam. "A Arábia
Saudita é seu alvo principal, mas Riad resistirá, a menos que Trump se comprometa
com um projeto de longo prazo de criar um Estado palestino."
Os Acordos de Abraão
foram uma série de pactos entre Estados árabes e Tel Aviv, cuja mediação pelos
EUA começou durante o primeiro mandato do magnata nova-iorquino. Em 2020 e
2021, os israelenses normalizaram relações diplomáticas com Marrocos, Bahrein, Emirados
Árabes Unidos e Sudão.
A Arábia Saudita
também estava prestes a dar esse passo em 2023, mas as negociações ficaram
congeladas a partir dos ataques terroristas do 7 de Outubro, pelo Hamas contra Israel, os quais desencadearam a guerra em
Gaza e, no ano seguinte, o conflito com o Hezbollah no Líbano.
Para a especialista em
análise de risco geopolítico e segurança no Oriente Médio Burcu Ozcelik, do
Royal United Services Institute, sediado em Londres, Trump vai tentar projetar
poder americano e demonstrar sua "vantagem distintiva" de mediador,
porém "muito provavelmente descobrirá que o desafio é muito maior agora,
no Oriente Médio pós-7 de Outubro".
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Personalidade de Trump é trunfo junto a liderança árabe
A guerra em Gaza e os
milhares de civis palestinos e libaneses mortos nas atuais campanhas militares
israelenses – que, para muitos cidadãos do Golfo Pérsico teriam o apoio do
atual governo de Joe
Biden – esfriaram o entusiasmo pelos EUA
nos Emirados Árabes, afirmou, num comentário recente, Kristin Smith Diwan,
pesquisadora chefe do Arab Gulf States Institute, de Washington.
Enquanto em 2016 Riad
saudou a vitória do Partido Republicano, em 2024 "a reação popular no
Golfo é equivalente a um dar de ombros". No entanto é possível que a
personalidade de Trump vire a maré, quando ele ocupar a Casa Branca, em
janeiro: "A popularidade de Trump junto a muitos árabes do Golfo deriva
não só da política externa dele, mas também da sua persona: sua projeção de
força e disposição para 'dizer as coisas como elas são'."
Por sua vez, o
analista egípcio Ashraf El-Ashari, conta "testemunhar mais prosperidade
entre Trump e os países árabes como Egito, Arábia Saudita, Emirados e Jordânia,
devido à química política entre ele e os dirigentes árabes".
Essa "química
política", entretanto, não se estende nem ao inimigo regional dos EUA, o
Irã, nem às facções do Eixo da Resistência que este apoia, entre as quais o
Hamas na Faixa de Gaza, o Hezbollah no Líbanos, os houthis no Iêmen e outros
grupos xiitas no Iraque.
"Trump adotou
linha-dura contra os grupos armados que o Irã apoia, e provavelmente ameaçará
uma punição pesada, caso o pessoal ou os interesses americanos na região sejam
atingidos", prediz Ozcelik. Contudo, ela não crê que ele esteja inclinado
a arrastar os EUA para uma confrontação direta com o Irã, justo num momento em
que se agrava a situação de xeque militar israelo-iraniana.
Além disso, na
avaliação do especialista da Chatham House Quilliam, fechar um acordo com Teerã
seria a terceira grande meta do presidente eleito para o Oriente Médio:
"Para tal, Trump vai impor pressão máxima, sabendo que o Irã está
debilitado no momento, e que o espectro de uma ofensiva israelense em grande
escala contra sua liderança e seu programa nuclear o tornarão mais maleável e
disposto a fazer uma grande barganha."
Ozcelik ecoa esse
ponto de vista: "Os republicanos são mais afeitos a uma postura militar,
de 'gavião', ofensiva, inclusive o respaldo aos ataques militares israelenses
contra alvos iranianos sensíveis, como instalações nucleares ou infraestrutura
de energia."
Mas a especialista em
risco geopolítico também crê que Trump "pode considerar conversações com
Teerã para promover desescalada, se ele pode aparecer como aquele que conseguiu
o impensável, aquilo que nenhum presidente americano obteve até hoje: alcançar
a paz no Oriente Médio".
¨ EUA desmantelam suposto complô iraniano para matar Trump
O Departamento de
Justiça dos Estados Unidos informou
nesta sexta-feira (08/11) que seus investigadores desmantelaram um suposto
complô iraniano para assassinar o presidente eleito, Donald
Trump.
Segundo os
investigadores, o suspeito teria sido encarregado por um funcionário do governo
do Irã antes das eleições presidenciais americanas, realizadas nesta terça-feira, de planejar o assassinato do
republicano. O objetivo seria vingar a morte do general iraniano Qassem Soleimani em
2020 em um ataque dos EUA ordenado por Trump em seu primeiro mandato na Casa
Branca, informou o Departamento de Justiça.
Os investigadores
souberam do plano para matar Trump através de Farhad Shakeri, um suposto agente
do governo iraniano que esteve detido durante anos em prisões americanas.
Segundo as autoridades, ele mantém uma rede de criminosa encarregada de cumprir
planos de assassinatos de Teerã.
Shakeri disse aos
investigadores que um contato na Guarda Revolucionária do Irã o instruiu em
setembro passado a montar um plano em sete dias para vigiar e matar Trump,
segundo um documento tornado público por um tribunal federal em Manhattan.
<><> Rede
criminosa criada na prisão
O funcionário do
regime iraniano teria dito a Shakeri que "dinheiro não é um problema"
e que uma enorme soma já teria sido gasta. Segundo o relato, o agente do
governo disse que, se Shakeri não conseguisse montar um plano dentro de sete
dias, a conspiração seria suspensa até após as eleições. Ele teria presumido
que Trump perderia a votação e que, dessa forma, seria mas fácil matá-lo.
Shakeri, de 51 anos,
está foragido e se encontra provavelmente no Irã. Ele migrou para os Estados
Unidos quando criança e foi deportado em 2008 após cumprir 14 anos de prisão
por roubo.
"Nos últimos
meses, Shakeri usou uma rede de associados criminosos que conheceu na prisão
nos Estados Unidos para fornecer à Guarda Republicana iraniana agentes para
conduzir vigilância e assassinatos", disse o Departamento de Justiça.
Nesta sexta-feira
foram presos outros dois suspeitos, Carlisle Rivera e Jonathon Loadholt, ambos
de Nova York. Segundo as autoridades, eles teriam sido recrutados para
participar de outros assassinatos, incluindo um atentado a um proeminente
jornalista iraniano-americano dissidente do regime em Teerã.
Loadholt e Riveram
teriam agido sob a direção de Shakeri. Eles passaram meses vigiando um cidadão
dos EUA de origem iraniana que é um crítico declarado do regime de Teerã e foi
alvo de vários planos de assassinato.
A pessoa não foi
identificada, mas as acusações vêm menos de três semanas após um general da
Guarda Revolucionária ser acusado em Nova York por associação a um suposto
complô para assassinar o jornalista dissidente Masih Alinejad, que vive em Nova
York.
<><> Maior
ameaça à segurança dos EUA
"As acusações
anunciadas hoje expõem as contínuas tentativas descaradas do Irã de atingir
cidadãos dos EUA, incluindo o presidente eleito Donald Trump, líderes do
governo e dissidentes que criticam o regime em Teerã", afirmou o diretor
do FBI, Christopher Wray.
"Existem poucos
atores no mundo que representam uma ameaça tão grave à segurança nacional dos
Estados Unidos quanto o Irã", disse o procurador-geral Merrick Garland, em
nota.
A conspiração, com as
acusações reveladas poucos dias após vitória de Trump nas eleições, reflete o
que autoridades federais descrevem como esforços contínuos do Irã para atingir
autoridades do governo dos EUA em solo americano. Há poucos meses, o Departamento
de Justiça acusou um paquistanês com ligações com o Irã de envolvimento em um
plano de assassinato visando autoridades americanas.
O Departamento de
Estado anunciou uma recompensa de 20 milhões de dólares (R$ 114 milhões) por
informações que levem à prisão do suposto mentor iraniano por trás de um complô
para assassinar o ex-embaixador e conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca
John Bolton.
<><>
Tensões entre Washington e Teerã
Agentes iranianos
também conduziram uma operação para hackear e vazar emails de pessoas
associadas à campanha de Trump, naquilo que as autoridades avaliaram como um
esforço para interferir nas eleições presidenciais.
As autoridades de
inteligência disseram que o Irã se opunha à reeleição de Trump por considerar
que sua volta ao poder teria potencial para aumentar as tensões entre
Washington e Teerã.
Em seu primeiro
mandato, Trump encerrou um acordo nuclear com o Irã, reimpôs
sanções e ordenou a morte de Soleimani, o que levou os líderes iranianos a
prometer vingança.
Fonte: DW Brasil
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