'Padrão OTAN' dificulta resposta ucraniana
e garante avanço russo recorde em Donbass, diz analista
O segundo semestre de
2024 registra um avanço russo inédito no conflito ucraniano, de acordo com a
mídia dos EUA. Para analistas ouvidos pela Sputnik Brasil, a autossuficiência
militar russa contrasta com a dependência internacional de Kiev, que enfrentará
dificuldades para reverter os rumos do campo de batalha.
O mês de outubro de
2024 registrou o maior avanço russo no conflito ucraniano desde o verão de
2022, informou o The New York Times. De acordo com o jornal norte-americano, o
segundo semestre concentra boa parte dos ganhos territoriais russos de 2024,
com destaque para os avanços realizados na região de Donbass.
A ritmo acelerado das
atividades no front indica que a Rússia se aproxima do seu objetivo de liberar
os territórios das repúblicas de Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporozhie, que se
integraram oficialmente ao país por referendo em outubro de 2022.
Após realizar incursão
com resultados ambíguos na região russa de Kursk, a Ucrânia encontrou
dificuldades para manter a sua linha de defesa em Donbass, possibilitando o
novo avanço russo, disseram especialistas do Núcleo de Avaliação da Conjuntura
(NAC), da Escola de Guerra Naval (EGN), à Sputnik Brasil.
Soldados do 1.430º
Regimento de Infantaria Motorizada de Guarda das Forças
De acordo com o
próprio comandante-chefe das Forças Armadas ucranianas, Aleksandr Syrsky, o
Exército russo está atualmente conduzindo uma de suas maiores ofensivas desde o
início do conflito.
"As operações de
combate ativas que continuam em certas direções exigem a renovação constante
dos recursos das unidades ucranianas", disse o comandante ucraniano Syrsky
em seu canal no Telegram. Segundo ele, a situação no front "continua difícil".
Apesar de manobras
aceleradas não serem a tônica desse conflito, especialistas ouvidos pela
Sputnik Brasil acreditam que os sinais do avanço russo estavam dados desde o
início do ano.
"Esse foi um ano
de conquistas militares significativas para a Rússia, começando, por exemplo,
pela tomada de Avdeevka, uma cidade-fortaleza que barrava o avanço da
Rússia", disse Rafael Esteves Gomes, pesquisador de Rússia e ex-União
Soviética no NAC, à Sputnik Brasil. "Depois desse fato, a Ucrânia teve
dificuldades de restabelecer sua linha de defesa, o que influenciou muito o
avanço russo em Donetsk."
O especialista ainda
nota a tomada russa da cidade de Volchansk, na região de Carcóvia, em maio de
2024, e principalmente a tomada russa da cidade duramente contestada de
Vuhledar, na região de Donetsk, em agosto de 2024.
Em resposta, as forças
ucranianas realizaram uma incursão na região fronteiriça russa de Kursk em
agosto de 2024. Apesar do otimismo inicial do Ocidente com a operação, as
forças ucranianas demonstram dificuldade em manter suas posições no território
russo.
"Tudo indica que
a Ucrânia tem gastado muitos recursos materiais e humanos para manter a sua
ofensiva em Kursk, talvez de maneira um pouco irresponsável, já que essa
ofensiva tem cobrado o seu preço em outros fronts", apontou Esteves.
De acordo com o
especialista do NAC Pérsio Glória de Paula, Rússia e Ucrânia passaram por
transformações significativas desde o início do conflito.
Enquanto Moscou
adaptou a sua indústria de defesa às demandas da guerra moderna, a Ucrânia
deixou para trás o pensamento estratégico soviético para adotar o chamado
"padrão OTAN".
"Ao adotar no
modelo ocidentalizado, a Ucrânia enfatiza a descentralização em relação às
tropas, aos batalhões e às brigadas", disse De Paula à Sputnik Brasil.
"Por outro lado, Kiev ficou mais dependente do apoio ocidental, tanto na
área financeira quanto no fornecimento de armamentos e munições."
A Rússia, por sua vez,
resolveu gargalos militares detectados no início do conflito e repensou sua
política de mobilização de tropas, que atualmente são recrutadas por contrato.
Ao oferecer incentivos financeiros significativos, o Ministério da Defesa da
Rússia adicionou mais de 190 mil homens às suas forças, segundo informou o
vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitry Medvedev.
Por outro lado, o
recrutamento de tropas é uma das principais dificuldades das forças ucranianas.
Segundo Esteves, se a Ucrânia teve sucesso na mobilização no início do
conflito, a situação atual é de falta crônica de pessoal e poucas alternativas
para suprir as linhas de defesa.
·
Colapso das linhas de defesa?
Conforme a Rússia
avança na região de Donbass, fica claro que as linhas de defesa ucranianas
foram construídas de maneira menos robusta do que se esperava. Para De Paula,
além da limitação de recursos, existem fatores estratégicos que explicam o
fracasso ucraniano em construir linhas de defesa de monta na região de Donbass.
"O pensamento
estratégico russo […] enfatiza a defesa em profundidade, utilizada durante a
Segunda Guerra Mundial para barrar o Blitzkrieg alemão", considerou De
Paula. "Os ucranianos, talvez por terem transitado do pensamento militar
soviético para a linha ocidental da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico
Norte], estão com dificuldades para gerir projetos de grande escala, que exigem
centralização do processo decisório. E isso pode ter desconcertado a confecção
dessas linhas de defesa."
O especialista também
nota a influência de fatores domésticos na capacidade ucraniana de construir
linhas de defesa satisfatórias. Além da possibilidade de desvio de recursos e
corrupção na gestão militar ucraniana, a construção de linhas de defesa poderia
carregar impacto simbólico negativo.
"A construção de
linhas de defesa extensivas iria contra o discurso oficial, de que o objetivo
do conflito é a retomada de território. Se você começa a construir trincheiras,
fortificações de massa e dentes de dragão para impedir a passagem de tanques,
significa que muito provavelmente você não vai recuperar territórios no curto
prazo", explicou De Paula. "E isso afetaria a imagem da Ucrânia em
relação ao Ocidente."
<><> Fiel
da balança
O especialista De
Paula reconhece a assimetria estrutural entre Rússia e Ucrânia em termos de
escala — tamanho geográfico, populacional e da economia —, mas nota a
autossuficiência militar de Moscou como fator que garante a vantagem russa.
"A questão da
autonomia é uma característica invejável da Rússia, de ser autossuficiente em
praticamente tudo que é essencial para o setor militar e para a vida dos
cidadãos — o que ajuda a explicar a estabilidade social russa em meio ao
conflito", disse De Paula. "Essa autonomia garantiu a reestruturação
da indústria de defesa russa durante o conflito, outro fator que permitiu o
avanço no campo de batalha que estamos vendo agora."
Em termos de
equipamento militar, uma das principais vantagens russas sobre a Ucrânia é a
produção de munições de artilharia e drones, especialmente os drones de munição
vagante e os drones FPV, que fornecem visão privilegiada do campo de batalha ao
combatente.
De acordo com De
Paula, esses tipos de drones "tem sido essenciais no conflito e talvez
entrem para o hall de necessidades militares modernas".
De Paula lembra que a
Ucrânia também possui equipamentos militares de alta qualidade fornecidos pelo
Ocidente, que possui vigorosa indústria de defesa e, caso tenha interesse, será
capaz de manter a ajuda a Kiev no médio prazo.
"A dificuldade
para o apoio do Ocidente a Kiev é que somente o envio de armamento e dinheiro
talvez já não seja o suficiente, uma vez que a Ucrânia enfrenta problemas de
pessoal, de mobilização, recrutamento e treinamento das tropas", disse o especialista.
O engajamento dos
aliados ocidentais ao esforço de guerra ucraniano mingua frente à insatisfação
da opinião pública e à eclosão de conflitos considerados prioritários pela Casa
Branca, como os embates de Israel no Oriente Médio.
"Nesse sentido, a
realização de uma nova ofensiva ucraniana no ano que vem fica prejudicada,
tanto pelo desgaste na moral das tropas quanto pela dificuldade de alocar
recursos materiais ao esforço de guerra", disse Esteves.
Inverno com Donald
Trump
O avanço da Rússia no
segundo semestre de 2024 também pode ser interpretado como uma preparação para
o inverno do Hemisfério Norte, que obriga as partes a desacelerarem suas
operações.
"A chegada do
inverno no Hemisfério Norte impacta drasticamente a dinâmica das operações
militares", disse De Paula. "O inverno poderá, sim, afetar o ritmo
dos avanços russos, e isso não seria nenhuma surpresa. Além disso, podemos
esperar uma redução intencional do ritmo russo, para construir novas redes de
fortificações e garantir os ganhos que já foram feitos", concluiu o
especialista.
A desaceleração do
inverno coincidirá com a chegada de um novo líder na Casa Branca: Donald Trump.
Durante a campanha presidencial, Trump declarou ter a intenção de encerrar o
conflito entre OTAN e Rússia, travado no território ucraniano.
De acordo com
reportagem do The Wall Street Journal, membros do gabinete de transição de
Trump indicaram que a proposta incluirá o compromisso ucraniano de não aderir à
OTAN por um período de 20 anos, em troca do continuado apoio militar dos EUA.
O plano revelado pela
reportagem ainda incluiria o congelamento da linha de frente e a construção de
uma zona desmilitarizada de extensão de cerca de 1.200 quilômetros. O time de
Trump, no entanto, ainda debate como policiar a futura zona desmilitarizada.
"Podemos oferecer
treinamento e outros tipos de apoio, mas o cano da arma será europeu. Não
enviaremos homens e mulheres americanos para impor a paz na Ucrânia. E não
vamos pagar por isso. Peça aos poloneses, alemães, britânicos e franceses que
façam isso", concluiu um membro do time de transição de Trump.
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'Situação no front é clara': após vitória de Trump, os EUA vão sair do conflito
ucraniano, diz Orbán
Os EUA, depois da
vitória nas eleições presidenciais de Donald Trump, vão sair do conflito na
Ucrânia, onde a situação no front demonstra claramente a derrota militar de
Kiev, disse o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán.
"A situação na
linha de frente é evidente – derrota militar [da Ucrânia]. Os americanos sairão
disso [conflito], não vão alimentá-lo, não vão dizer que guerra é bom. Tem-se
falado muito sobre Donald Trump, incluindo aqueles que não gostam dele, mas uma
coisa não é questionada: ele não começa uma guerra. Porque ele é um verdadeiro
homem de negócios que acredita que as coisas vão bem quando não há
guerra", disse Orbán à rádio Kossuth.
O premiê húngaro
também expressou a opinião de que, se Trump tivesse vencido as eleições de
2020, o conflito na Ucrânia não começaria porque ele "teria firmado todos
os acordos necessários".
Orbán havia
anteriormente declarado que a UE tem dúvidas sobre o empréstimo de US$ 50
bilhões (R$ 299,8 bilhões) à Ucrânia e o financiamento da assistência militar a
Kiev após a vitória de Trump, que anunciou uma redução de apoio financeiro por
parte de Washington, e os europeus estão cada vez menos dispostos a financiar
um conflito cujos objetivos não compreendem.
¨ Cerca de 20% dos soldados do Exército ucraniano desertam devido
ao baixo moral, diz mídia
Devido à queda do
moral e às baixas contínuas nas Forças Armadas da Ucrânia, aproximadamente um
quinto dos soldados desertaram das posições, revela a revista The Economist.
Conforme observado na
publicação, o mês passado foi o pior para as Forças Armadas ucranianas desde o
início da operação militar especial.
De acordo com o
artigo, na Ucrânia há uma quebra da confiança no Exército e na liderança
política do país entre o público.
O Exército enfrenta o
colapso do moral dos soldados "em algumas das piores zonas do front".
"Uma fonte do
Estado-Maior sugere que cerca de um quinto dos soldados abandonou suas
posições", diz o artigo.
Enquanto isso, se
admite que os militares russos estão avançando em diferentes regiões,
libertando cada vez mais territórios, o que afeta ainda mais o moral dos
soldados ucranianos.
A Ucrânia introduziu a
lei marcial em 24 de fevereiro de 2022 e, no dia seguinte, Zelensky assinou um
decreto sobre a mobilização geral.
Os homens com idade
entre 18 e 60 anos foram impedidos de deixar o país.
Em outubro passado, a
mídia ucraniana noticiou sobre uma enorme onda de deserções, estimando estes
casos entre 30 mil a 60 mil desde o início de 2022.
¨ Biden apoiará Zelensky caso ucraniano decida entrar em
negociações de paz com a Rússia
O Departamento de
Estado dos Estados Unidos, divisão do governo responsável pelo gerenciamento da
política externa do país, afirmou que o presidente Joe Biden apoiará Vladimir
Zelensky se o ucraniano decidir entrar em negociações de paz com a Rússia.
"Se Zelensky
decidir entrar em negociações, é claro que apoiaremos isso", afirmou o
porta-voz Matthew Miller nesta quinta-feira (7).
A fala da Casa Branca
vem um dia após a derrota da candidata do Partido Democrata e sucessora de
Biden, Kamala Harris, na corrida presidencial do país para o opositor e
ex-presidente Donald Trump.
Embora não tenha sido
um grande tema de campanha dos candidatos, o conflito ucraniano distanciou
democratas e republicanos, e é cada vez mais impopular entre os cidadãos
estadunidenses.
Harris pregou a
continuidade do financiamento e armamento da Ucrânia, enquanto Trump disse que
acabaria com o conflito antes mesmo de sua posse, prevista para 20 de janeiro
de 2025.
Com a vitória de
Trump, Kiev e membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) terão
que encarar a realidade de uma América que se distanciará do palco europeu para
focar o cenário nacional.
Conforme já foi dito
repetidamente pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, e seu alto escalão,
Moscou nunca se recusou a ter conversas com Kiev. Pelo contrário, menos de um
mês após o início da operação especial, os lados se sentaram à mesa de negociações
em Istambul.
As tratativas,
contudo, foram jogadas no lixo pelo regime da Ucrânia a mando das potências
ocidentais, a ponto de Zelensky impor um decreto que proíbe qualquer conversa
com autoridades russas.
Por outro lado, a
Rússia pede que sejam reconhecidas as novas realidades materiais do conflito
como ponto de partida para um tratado de paz, além da manutenção da
neutralidade da Ucrânia.
A Rússia lançou uma
operação militar especial na Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022. Putin deu como
justificativa para o gesto "a proteção de pessoas que foram submetidas a
abusos e genocídio pelo regime de Kiev por oito anos".
Segundo o presidente,
a Rússia vem tentando negociar com a OTAN sobre os princípios de segurança na
Europa há 30 anos, mas em resposta enfrentou enganos e mentiras cínicas ou
tentativas de pressão e chantagem, enquanto a aliança, apesar dos protestos de Moscou,
está se expandindo constantemente e se aproximando das fronteiras russas.
Fonte: Sputnik Brasil
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