Bets: Contrato de Felipe Prior revela
que influenciadores ganham conforme o prejuízo de apostadores
O dinheiro perdido
pelos brasileiros em apostas nas bets tem virado uma oportunidade de lucro
para influenciadores. O Intercept Brasil obteve um contrato assinado
pelo ex-BBB Felipe Prior para fazer publicidade para a plataforma Betsat que
detalha a prática: ele receberia 15% da receita perdida pelos novos
apostadores. A estratégia, segundo especialistas e registros obtidos, é comum
nos acordos de publicidade do setor.
A parceria para Prior
fazer propaganda da casa de apostas Betsat foi fechada em fevereiro deste ano
através de um contrato assinado com um intermediário. O combinado foi R$ 20 mil
por seis stories semanais e seis horas semanais de transmissão no YouTube naquele
mês. Ao Intercept, Prior alegou que foi vítima de um “golpe” (leia mais
abaixo).
Segundo o contrato
assinado, para cada pessoa que se cadastrasse na plataforma e depositasse um
mínimo de R$ 15, Prior receberia R$ 20 extras. Mas havia mais uma cláusula para
aumentar os ganhos do influenciador: ele receberia 15% do valor perdido pelos apostadores
cadastrados por sua indicação. Na prática, quanto mais usuários novos ele
gerasse para a bet, maior o lucro.
Trecho do
contrato que previa o pagamento a Prior de 15% da receita de perda dos
apostadores
O contrato obtido pelo
Intercept, que consta em um processo judicial, detalha ainda que, se o
influenciador conseguisse trazer 1 mil novos apostadores para a plataforma, a
remuneração fixa saltaria para R$ 35 mil. A partir disso, cada 500 cadastros
adicionais elevaria a remuneração fixa em R$ 10 mil.
Prior hoje está
movendo uma ação contra Renan Sanjomar Brito Suzart, a pessoa com quem ele
assinou o contrato para fazer publicidade para a Betsat, empresa que tem sede
em Curaçao. Ele alega que não recebeu o pagamento e que houve quebra do
acordo.
No processo, ao qual o
Intercept obteve acesso, a defesa de Prior anexou uma nota fiscal no valor de
R$ 7 mil emitida por ele que tem como tomadora a Poligon Entertainment NV, com
sede em Curaçao. Em seu site, a Poligon apresenta
a Betsat como sua plataforma de apostas. O mesmo endereço da Poligon também é
exibido no rodapé do site da Betsat.
Hoje, a Betsat é
patrocinadora do clube de futebol Vitória, que disputa a Série A do
Brasileirão, e tem como seu embaixador o ex-jogador Zico. A casa de apostas
está na lista de bets autorizadas pelo Ministério
da Fazenda a operar no Brasil.
Questionamos a Betsat
sobre o contrato, a relação de Renan Suzart com a empresa e a prática de
remunerar influenciadores com a receita da perda de apostadores. A casa de
apostas disse que não vai se manifestar. Suzart foi procurado e não respondeu
até a publicação da reportagem.
Ao Intercept, Prior
disse que sofreu um golpe e, por isso, entrou com uma ação judicial contra
Suzart. “Eles me contrataram na época por um serviço. E não cumpriram com o que
combinaram se passando pela Betsat”, escreveu.
O ex-BBB alegou ainda
que não fez a publicidade conforme estava combinado no contrato, mas o próprio
processo movido por ele cita o contrário. “O Exequente cumpriu o pactuado e
assinado entre as partes apresentando stories e lives”, afirmou o influenciador
na ação.
Além disso, prints
anexados no processo mostram que Prior chegou a criar pelo menos um grupo para
engajar os apostadores. Minutos depois da conversa, um dos advogados do
influenciador nos contatou e disse que este é um “assunto particular” de Prior.
O Intercept apurou que
a prática de remunerar influenciadores pelas perdas de seus apostadores está
longe de ser exclusividade da Betsat. Aliás, é a norma na relação entre casas
de apostas e influenciadores.
Rafael Ávila,
especialista em bets e psicólogo que atende apostadores e pessoas com
dependências em apostas e jogos de azar, explicou que contratos deste tipo
costumam incluir duas formas de remuneração.
A primeira é o custo
por aquisição, chamado de CPA, que é o valor pago para cada pessoa que se
cadastrar numa plataforma por indicação do influenciador. A segunda é o revenue
share, ou seja, a comissão sobre o ganho da plataforma – na prática, o quanto
os apostadores perderam.
Ávila disse que, com a
regulamentação que entra em vigor a partir de 1º de janeiro de 2025, a
tendência é que a remuneração CPA seja eliminada, já que costumam ocorrer
fraudes nos cadastros com o objetivo de inflar o número de novos usuários e
ampliar os ganhos, e os contratos priorizem o revenue share.
Segundo ele, em
plataformas regulamentadas, essa porcentagem de remuneração a partir da perda
de apostadores prevista em contrato varia entre 15% a 30%.
·
Comissão mais alta pode ser relacionada a
bets clandestinas
Nas redes sociais,
encontramos vídeos em que influenciadores revelam detalhes sobre propostas que
receberam de casas de apostas. Em um deles, o influenciador Alexandre Paniagua, que fala sobre churrasco,
diz ter recebido uma oferta em que ficaria com 80% das perdas de quem entrasse
na plataforma por indicação dele.
Em outro, o influenciador
Lucas Motta, que tem 2 milhões de seguidores no TikTok, explica que recebeu uma
proposta em que ele teria duas formas de remuneração: um valor fixo ou uma
comissão de 15% “sobre tudo que perderem”. “Cara, quando ele falou isso, meu
coração já doeu”, diz Motta no vídeo.
Ávila disse que
propostas de comissão mais alta, como esta de 80%, são provavelmente ligadas às
casas clandestinas, plataformas de aposta que não têm licença para operar em
nenhum lugar do mundo.
“Essas casas têm um
custo muito baixo, inclusive são combatidas porque são ilegais, às vezes não
pagam, cometem fraude”, disse o especialista. “Elas não pagam patrocínio, não
pagam outorga, não pagam licença, não têm folha salarial. Ela só tem o site e aí
lucra 20% e, para ela, está ótimo”, explicou.
Estas casas
clandestinas tendem a procurar contratos com influenciadores menores. “São
essas casas que conseguem fazer o salto financeiro na vida do pequeno
influenciador, que pagam muito dinheiro em pouquíssimo tempo”, explicou Ávila.
·
Publicidade para bets virou negócio
atraente para influenciadores
Em um mercado onde
quase 80% dos criadores de conteúdo ganham menos de R$ 5 mil por mês, segundo
a edição de 2024 da
pesquisa Creators & Negócios, da agência Brunch, fazer publicidade para
casas de apostas tem virado um negócio atraente.
“Muitos aceitam fazer
publicidade desses serviços para continuar na carreira como criador de
conteúdo, mesmo que teoricamente não concordem com ele”, disse ao Intercept Ana
Paula Passarelli, co-fundadora e diretora de operações da Brunch.
Segundo ela, em muitos
casos, a transparência sobre o caráter publicitário e sobre os riscos
associados às apostas é insuficiente, o que contribui para a falta de clareza
nas relações entre criadores e sua comunidade.
“Há uma lacuna que só
poderá ser preenchida por regulamentações específicas, além de uma postura mais
responsável e ética por parte dos influenciadores. A confiança da comunidade
depende diretamente dessa transparência, e a falta dela pode ter consequências
graves para a credibilidade de todo o mercado de influência” disse
Passarelli.
Em agosto, a
Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda publicou uma portaria, que
entra em vigor em 2025, com regras para publicidade sobre apostas online por
influenciadores.
Segundo o texto, ficam
proibidas ações publicitárias que “apresentem a aposta como socialmente
atraente ou contenham afirmações de personalidades conhecidas ou de
celebridades que sugiram que o jogo contribui para o êxito pessoal ou social ou
para melhoria das condições financeiras”. A portaria também exige que toda
publicidade seja identificada como tal. A fiscalização caberá à Secretaria de
Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda.
Fonte: Por Laís
Martins, em The Intercept
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