Luís Nassif: ‘Xadrez do segundo tempo do
golpe – 2’
Conforme demonstramos
no “Xadrez do segundo tempo do golpe da ultra direita”, um conjunto forte de indícios aponta para o início de uma
nova rodada de conspiração, visando a desestabilização do regime ou, no mínimo,
sangrar as instituições até deixá-las sem ação.
É o que
aconteceu na conspiração do impeachment – que analiso em meu novo livro “A Conspiração Lava Jato”.
A ideia seria sangrar
o governo Lula, ou até levá-lo ao impeachment, em favor do aliado político do
mercado, o PSDB de José Serra e Aécio Neves,
Um dos passos
preparatórios relevantes foi a anulação de personagens que poderiam ser um
obstáculo ao avanço da conspiração.
O primeiro alvo foi o
delegado Paulo Lacerda, que chefiava a ABIN (Agência Brasileira de
Inteligência) de Lula.
Até Lacerda, desde a
gestão Romeu Tuma, a PF se transformou em um ninho de arapongas, espionando
políticos, articulando-se politicamente.
Lacerda tinha duas
funções estratégicas. A primeira, na condição de diretor da ABIN, monitorar as
ações dos conspiradores. A segunda, na condição de liderança incontestável da
Polícia Federal, conter o ímpeto de um grupo hegemônico de delegados.
Nos anos 90 e início
de 2.000, com a criação do Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência) e a
introdução de programas de qualidade total, houve um salto na PF e no
Ministério Público Federal – ambos liderados, respectivamente, por Paulo
Lacerda e Cláudio Fontelles.
A Operação Satiagraha
marcou o início de uma atuação mais atrevida da PF. A reação veio através de
uma série de factóides, plantados pelo STF e pelo senador Demóstenes Torres –
um ex-procurador ligado ao bicheiro Carlinhos Cachoeira.
Houve falsas denúncias
de grampos no Supremo e o famoso grampo sem áudio – uma conversa entre o
Ministro Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres, ambos se elogiando,
supostamente grampeados. Nos arquivos do GGN há inúmeras reportagens
desmentindo o factoide.
A jogada maior foi em
uma falsa denúncia de grampo no Supremo.
Na época, o assessor
de informática da presidência do STF era Jairo Martins, o principal araponga de
Cachoeira. Em uma sala do STF, aparelhos descobriram sinais eletrônicos que
vinham de fora para dentro. Imediatamente a revista Veja – dirigida por Eurípides
Alcântara -, soltou uma matéria falsa, juntando declarações de Ministros sobre
suspeitas de espionagem, usando o mesmo método agora repetido pela Folha.
No mesmo sábado em que
saiu a matéria, vários ministros desmentiram declarações atribuídas a eles pela
revista. E Lacerda desmentiu que a ABIN possuísse aparelhos de grampo.
O tiro final que
derrubou Lacerda foi do então Ministro da Defesa, Nelson Jobim, que garantiu
que a ABIN adquirira equipamentos de grampo. Lacerda negou. Foi aberta uma CPI
e, quando depôs, Jobim apresentou as supostas provas.
Aqui mesmo, um
professor da USP mandou uma pesquisa que fizera na Internet. A página mostrada
por Jobim não passava da página de um site da fabricante de equipamentos de
escuta, reproduzindo inclusive erros de digitação do próprio site. Lembro-me da
manchete da matéria que fizemos: “Jobim mentiu”.
Mas o governo Lula não
acordou. Com base na falsa denúncia, Lula demitiu Lacerda. Na época, incumbiu
Dilma Rousseff e Tarso Genro de dar explicações aos três jornalistas que
estavam na linha de frente da defesa de Lacerda: Mino Carta, Paulo Henrique
Amorim e eu.
Posteriormente, Dilma
me contou que recebeu um telefonema desesperado do ex-Ministro Márcio Thomaz
Bastos, para que não tirasse Lacerda da ABIN, porque senão deixaria o governo
exposto a conspiração e desmontaria o profissionalismo da PF, abrindo espaço para
a atuação dos grupos de delegados que atuavam politicamente em favor do PSDB.
Lacerda caiu e, nos
anos seguintes, a PF se transformaria em um dos dois pilares da conspiração do
impeachment – inclusive com delegados fazendo campanha abertamente para Aécio
Neves.
Caindo Dilma, assumiu
o vice-presidente Michel Temer escancarando as estatais e os grandes negócios
da República aos grupos vencedores.
¨ Peça 2 – a nova conspiração
Agora, se repetem com
enorme coincidência, todos os passos da conspiração anterior, mas de uma
maneira bastante amadora.
<><> O
novo pacto político
Na década de 2010, o
pacto do mercado-mídia era com o PSDB, José Serra e Aécio Neves. Agora, é com
Tarcísio de Freitas.
Com a privatização da
Sabesp, Tarcísio conquistou o mercado. Sem o menor receio, montou a operação de
privatização mais nebulosa da história, um escândalo que superou até a venda
das refinarias da Petrobras.
Tarcísio demonstrou
que, para o desfecho dessas articulações, é fundamental a presença de uma
autoridade maior sem medo de futuros indiciamentos por corrupção. Nem Paulo
Guedes, nem Bolsonaro, com sua falta de limites, ousaram tanto.
A maneira como montou
a operação, comprando deputados da Assembleia Legislativa, os vereadores da
Câmara Municipal, cooptando tribunais e Ministério Público Estadual, confiando
na blindagem da mídia e do mercado, era a peça que faltava para se acreditar em
uma futura venda das grandes estatais, se eleito presidente da República.
Mostramos no Xadrez
que o alvo final dessa manobra seria a perspectiva de futura privatização da
Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.
No editorial de hoje,
a Folha deixou claro o jogo – e seu profundo amadorismo -, ao antecipar os
objetivos finais da armação contra Moraes.
<><> A
derrubada das âncoras
Nos anos 2010, a
âncora era Paulo Lacerda.
Depois do desastre
Bolsonaro, o Supremo caiu em si sobre a loucura de conspirar contra as
instituições e contra a democracia. Hoje em dia, a figura central da luta
anti-conspiração é o Ministro Alexandre de Moraes.
A importância de
Moraes se deve ao fato de ser o principal obstáculo à conspiração e à guerra
cibernética – campo amplamente dominado pelo bolsonarismo.
A arma utilizada foi o
vazamento das conversas dele com seu assessor – provavelmente pela Polícia
Civil de Tarcísio de Freitas. E o momento escolhido foi o do aparecimento de
sinais positivos na economia e da saída próxima do grande instrumento de desestabilização
econômica: o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Aliás, na
sexta-feira, momento em que se aceleraram as medidas para sua substituição,
Campos Neto voltou a prever alta na Selic – mesmo com a provável queda dos
juros nos EUA.
Para dar dimensão
política à manobra de desestabilização de Moraes, as duas repercussões-chave
foram de Tarcísio de Freitas e… Nelson Jobim de novo, agora na condição
de membro do Conselho do BTG-Pactual.
O aparecimento de
Jobim mostrou as impressões digitais do provável grande articulador da
repercussão: André Esteves, do BTG Pactual, banco que convidou Jobim para
membro do Conselho de Administração, está por trás da privatização da Sabesp e
do lançamento da candidatura de Tarcísio à presidência.
<><> O
tiro na água
Só não se deram conta
que os tempos são outros.
- No campo da mídia, só entraram no jogo a Folha-UOL, o
Estadão e novos veículos de ultradireita. Ainda como principal grupo da
mídia do país, a Globo não entrou na conspirata. O grande cartel da ANJ (Associação
Nacional dos Jornais) não foi reeditado.
- Ao contrário de 2008, o STF fechou-se unanimemente em
defesa de Moraes, mas agora contra o golpe.
- Nenhuma figura de expressão aderiu ao golpe. Baluartes do
golpismo anterior, como Ives Gandra e Janaína Paschoal, não apoiaram.
- Ao perceber que ficou sozinho na jogada, Jobim recuou,
dizendo ter sido mal interpretado. Não foi. Há entrevistas gravadas em que
ele compara a atuação de Moraes à da Lava Jato e sustenta que jamais houve
conspiração bolsonarista, que 8 de janeiro foi uma mera baderna.
- Mesmo assim, expôs André Esteves. A partir de agora, haverá
uma atenção redobrada da opinião pública – e do Supremo – sobre sua
atuação.
Em todo caso, é apenas
o primeiro lance.
¨ Peça 3 – os novos tempos
Quando começou a
conspiração do impeachment, Fernando Henrique Cardoso aderiu de forma relutante
– embora defendesse a prisão de Lula mais tarde – com a sabedoria de um
cientista social: golpes dessa natureza todo mundo sabe como começa, mas
ninguém sabe como acaba.
Agora, surge o fator
Pablo Marçal, tornando o cenário muito mais nebuloso.
Se não for parado, o
que poderá ocorrer?
- Passará a disputar a liderança da ultradireita com
Bolsonaro. Até agora, Bolsonaro ocupou espaço devido à falta de
competidores. Marçal tem muito mais esperteza e appeal do que a hidra de
Lerna do bolsonarismo – a cabeça e o micro-cérebro do pai e as cabecinhas
com algum cérebro dos Bolsonarinhos filhos.
- Saindo candidato, Marçal matará a tentativa mídia-mercado
de vestir Tarcísio de Freitas como uma versão bolso-moderada da terceira
via. Sem o apoio maciço do bolsonarismo, Tarcísio será apenas um arremedo,
com menos appeal, de um Luciano Huck. Para segurar a boiada, terá que se
transmudar para Tarcísio-Hulck, sem garantia de retomar o eleitorado
conservador de Marçal.
- Por outro lado, sua falta de limites e suspeitas de
vinculações com o submundo das redes sociais e econômicas acende um farol
vermelho de atenção.
Para contrabalançar a
influência massacrante da BBBF – bala, bíblia, boi e Faria Lima – o governo
Lula tenta se cercar de outros grupos influentes, como a J&F. Da mesma
maneira, aliás, que se aliou às empreiteiras no período pré-Lava Jato.
Não se tenha dúvidas
de que a próxima investida será sobre a parceria Alexandre Silveira-J&F. A
maneira de contrabalançar seria avançar nas investigações sobre o cartel da
Faria Lima.
A próxima etapa do
jogo está apenas sendo ensaiada. Há muito jogo pela frente.
¨ A democracia e a invasão do atraso. Por Ronaldo Lima Lins
A eleição para a maior
cidade do país tem trazido preocupações à reflexão sobre a democracia, seus
postulados e suas saídas para as crises. O ingresso das emissoras de televisão
enquanto comunicadoras e difusoras de propostas, em substituição aos saudosos
comícios de outrora alterou com novidades estranhas a escolha dos nomes
destinados a cargos públicos. Passamos a assistir em nossas salas, em vez de
propostas, um concurso de calúnias, difamação e acusações que, pelo visto,
agarram a atenção dos espectadores e influem na popularidade de uns sobre
outros. Em semelhante quesito, compreende-se que os bem educados se hajam
retirado das telas, cansados de responder a baixarias, praticamente sem direito
a contestação.
O tal de Marçal
descobriu, em seguida, que, questionado, retrucaria pelo instagram e
se pouparia de mobilizar a inteligência, delegando a assessores a tarefa de
fazê-lo. Nada de mais grotesco ao que um dia se entendeu como debate, ajudando
a esclarecer posições e definir a opinião dos eleitores. Amarrados a essa
estrutura, numa espécie de evolução aceita por todos, tornou-se difícil, no
auge da catástrofe, dar um basta aos exageros. Eles fariam parte da atualidade,
cabendo ao povo a ação de discernir se caminha para um lado ou para outro.
Soberano, o votante imperaria nos labirintos da verdade e, por meio de sextos
sentidos, optaria pela escolha correta. Alexis de Tocqueville, no livro Democracia
na América, havia percebido certas perversões do sistema. Sem gravidade,
acrescentara ele, na medida em que a população, independentemente de seus
gestores, tomava as providências necessárias para a gravidade dos problemas.
Ele não observou a anomalia à luz dos holofotes televisivos, é claro, já que
isso, em seu tempo, inexistia. A máxima ‘governo do povo’, frente às
transformações tecnológicas e demais adereços, já vem sofrendo golpes com a
passagem do tempo.
Como nos defender, na
sociedade do espetáculo, das luzes em neon com forte capacidade de manipulação
– e seus desdobramentos? Cabe, nesse momento, a intervenção de métodos legais
ou dentro em pouco desceremos a ladeira da opressão, não mais pelos tanques,
mas pela esperteza de bandidos ou chantagistas, ancorados no desejo da maioria.
Para tanto, existem os tribunais com a função de impedir que desonestos, por
pura desonestidade, tomem conta da situação e a encaminhem a seu bel prazer.
Ninguém perderá pelo uso do bom senso... – e a nação reagirá com satisfação
depois, na administração de suas instituições.
Pruridos na hora de
não tocar nos princípios da nossa escolha de governo não impedirão que
milicianos, traficantes e corajosos representantes da má-fé dominem a situação.
Cumpre implementar medidas antes da instalação das seções eleitorais ou
entraremos na esfera do imponderável, orando aos céus para nos salvar. Pode
existir melhor motivo para regulamentar a democracia do que orientá-la,
seguindo o alvo da correção? Pouco a pouco atingiremos um limite e não
romperemos com ele sem que o Estado tome medidas de preservação... Antes que o
caldo entorne.
Fonte: Jornal GGN/Brasil
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