Órgão
internacional de ginecologia diz que resolução do CFM sobre aborto é antiética
A
Figo (Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia) afirma que a
restrição ao aborto legal de gestações avançadas em discussão no Brasil é
antiética, contradiz evidências médicas e agrava as disparidades e injustiças
sociais.
No
documento, publicado nesta segunda (17), a Figo se posiciona de forma contrária
à resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) que proíbe a realização da
assistolia fetal para abortos induzidos legalmente.
A
norma está agora em análise do STF (Supremo Tribunal Federal) e motivou o PL
Antiaborto por Estupro, que tramita na Câmara dos Deputados. De acordo com a
federação, para procedimentos de aborto realizados após 20 semanas de gestação,
as evidências científicas apoiam a assistolia fetal para prevenir sinais de
vida durante o aborto medicamentoso (induzido) ou a expulsão fetal após a
preparação cervical, mas antes de um procedimento planejado de dilatação e
evacuação.
"A
probabilidade de sobrevivência neonatal transitória após a expulsão aumenta com
a idade gestacional e o intervalo entre a preparação cervical e o aborto. Para
o aborto medicamentoso além do limite de viabilidade, a indução de assistolia
fetal deve ser sempre uma opção."
Para
a federação, a proibição impede o acesso a cuidados de aborto de qualidade para
mulheres com gravidez avançada que de outra forma teriam direito ao aborto
legal no Brasil.
"A
indução de assistolia fetal em abortos induzidos avançados é um componente
essencial do atendimento padrão de qualidade e está alinhada com o resultado
pretendido do aborto, que nunca é um nascimento vivo."
Segundo
a Figo, a proibição afeta as mulheres mais vulneráveis, que estão
frequentemente sujeitas a estigma e perseguição, e enfrentam complicações mais
graves e taxas de mortalidade mais elevadas quando são forçadas a recorrer a
práticas de aborto inseguras.
Leis
restritivas, que se desviam das recomendações da OMS (Organização Mundial de
Saúde) contra a imposição de limites de tempo, juntamente com a escassez de
prestadores qualificados, agravam ainda mais as injustiças contra essas
mulheres, afirma a entidade.
A
proibição, explica a federação, impede obstetras e ginecologistas de aderirem
ao princípio ético da beneficência. "Está bem estabelecido que o aborto
seguro induzido é mais seguro do que o parto, mesmo em idades gestacionais
avançadas."
A
interrupção da gravidez sem indução de assistolia fetal constitui uma indução
de um nascimento vivo prematuro (que, por definição, não é um aborto), segundo
a Figo. "Sem a indução da assistolia fetal, os abortos para além do limite
de viabilidade se tornam impossíveis de realizar e as mulheres serão forçadas a
continuar a gravidez e a assumir os riscos do parto a termo e da maternidade
forçada, ou a recorrer a abortos muito inseguros."
Assim,
de acordo com a federação, a proibição viola o direito das mulheres de acessar
e se beneficiar de tecnologias científicas modernas para um aborto seguro.
"A proibição contraria o princípio ético da não maleficência ao sujeitar
as mulheres e o recém-nascido aos danos da prematuridade se a gravidez avançada
for interrompida sem induzir assistolia fetal."
Segundo
a entidade, a interrupção de uma gravidez avançada sem a indução de assistolia
fetal pode resultar em sinais transitórios de vida ou mesmo em sobrevivência,
com todas as complicações associadas à prematuridade. Entre elas estão
dificuldade respiratória, persistência do canal arterial, hemorragia
intraventricular grave, enterocolite necrosante, sépsis de início tardio,
displasia broncopulmonar que requer oxigênio suplementar e retinopatia.
"A
indução de assistolia fetal é, portanto, necessária para prevenir riscos
evitáveis para os recém-nascidos e garantir a não maleficência, bem como para
evitar implicações legais para os médicos que enfrentam obrigações de cuidados
para com os recém-nascidos com sinais de vida."
Para
a Figo, a proibição viola a eliminação da tortura ou de outros tratamentos
cruéis, desumanos ou degradantes estabelecida pelo Conselho de Direitos Humanos
das Nações Unidas. "A proibição da indução de assistolia fetal pode forçar
os obstetras e ginecologistas a recusar cuidados de aborto solicitados
legalmente devido ao seu compromisso de não causar danos ao recém-nascido. Tal
recusa constituiria uma violação do direito da pessoa grávida de estar livre de
tortura e de outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou
degradantes."
Segundo
a entidade, a proibição da assistolia promove uma falsa suposição de que os
estudos sobre bebês prematuros são aplicáveis a fetos abortados, usando a
retórica da viabilidade. "A viabilidade é um conceito médico relevante
apenas para cuidados neonatais e prestação de cuidados intensivos no contexto
de parto prematuro espontâneo ou por indicação médica. Não é relevante para
abortos induzidos."
A
Figo reforça que o parto prematuro é uma medida de último recurso em
obstetrícia, uma vez que qualquer dano ao recém-nascido, por mais leve que
seja, deve ser evitado. "Os estudos com prematuros citados na resolução do
CFM do Brasil estão relacionados a partos prematuros inevitáveis e não devem
ser generalizados para fetos abortados. Essa má interpretação proposital também
banaliza os riscos da prematuridade."
De
acordo com a federação, a proibição afetará negativamente os indicadores de
saúde pública, pelo potencial de aumentar as taxas de mortalidade e morbilidade
neonatal e infantil..
A
proibição da assistolia fetal com o consequente risco de nascimentos vivos resultantes do
aborto legal prejudica o acesso
aos cuidados de aborto seguro, diz a Federação. "No Brasil, priva os profissionais de saúde da capacidade de defender os direitos
das mulheres e meninas que são reconhecidos pela legislação brasileira. A proibição agrava as disparidades e injustiças sociais e estabelece um precedente perigoso para toda a região, ameaçando os progressos significativos alcançados nesta área nos últimos anos."
• Justiça espanhola mantém permissão
para menores abortarem sem aval dos pais
O
Tribunal Constitucional da Espanha rejeitou um recurso do partido Vox, de
extrema direita, e manteve a autorização para que adolescentes de 16 e 17 anos
façam abortos sem o consentimento dos pais ou responsáveis.
Ação
apresentada pelo Vox foi rejeitada por 7 votos a 4, em decisão desta
terça-feira (18). O partido havia argumentado que as mudanças na lei do aborto
feitas em 2023 violavam vários princípios constitucionais, como os da liberdade
e pluralidade e legalidade, segundo o El País. Também defendia que, no caso da
interrupção voluntária da gravidez, era necessário levar em consideração não só
a vontade da mãe, mas a do pai.
A
interrupção voluntária da gravidez no país já é permitida em qualquer situação
até as 14 semanas Em caso de risco ao feto e à mãe, aborto pode ser feito até a
22ª semana.
Permissão
dos pais passou a ser exigida por lei em 2015 e caiu oito anos depois, em
fevereiro de 2023. No ano passado foi feita a última reforma da lei do aborto
no país. A sentença de hoje consolida a doutrina do Tribunal Constitucional a
favor do livre arbítrio da mulher na interrupção da gravidez até as primeiras
14 semanas.
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ABORTO É LEGALIZADO DESDE 1985
Na
Espanha, o aborto é legalizado desde julho de 1985. A primeira lei autorizava a
interrupção da gravidez em três situações específicas: em caso de estupro, até
12 semanas; para evitar riscos à saúde da gestante, sem limite de semanas; e se
o feto apresentasse graves doenças físicas ou mentais, até as 22 semanas.
Primeira
mudança significativa na lei veio em julho de 2010. A partir da promulgação da
nova lei de saúde sexual e reprodutiva, o aborto passou a ser permitido em
qualquer circunstância até as 14 semanas, desde que a mulher fosse informada
sobre seus direitos e os suportes oferecidos pelo Estado caso opte por manter a
gravidez, como explicou o portal argentino Infobae.
• Pacheco diz que PL Antiaborto por
Estupro faz comparação irracional e inovação infeliz
O
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou nesta terça-feira (18)
que é uma "irracionalidade" e uma "inovação infeliz" a
comparação entre o crime de aborto e de homicídio feita pelo PL Antiaborto por
Estupro, em discussão na Câmara.
O
presidente do Senado disse que o projeto de lei, da forma como foi construído,
não parece ser "minimamente viável". O senador afirmou ainda ser
evidente o direito de uma mulher ou menina estuprada não querer conceber a
criança.
"Quando
se discute a possibilidade de equiparar o aborto, em qualquer momento, a um
crime de homicídio, que é definido pela lei penal como matar alguém, isso de
fato é, me perdoe, uma irracionalidade. Isso não tem o menor cabimento, não tem
a menor lógica", disse.
"Equiparar
aborto a homicídio é, de fato, uma irresponsabilidade sob todos os aspectos. E
eu acho que essa ponderação nós, de fato, temos que fazer. E acho que todos
tinham que colaborar nessa compreensão. Porque é plenamente possível defender
suas teses, suas causas, com argumentos e o mínimo de razoabilidade."
Pacheco
se manifestou sobre o tema no plenário do Senado depois que as senadoras Soraya
Thronicke (Podemos-MS) e Teresa Leitão (PT-PE) fizeram duras críticas ao PL e à
sessão de debates desta segunda (17), que contou até com a interpretação de um
feto.
"Até
um dia antes das 22 semanas não há vida, não há dor? Que contradição. Eu queria
até o telefone, o contato, daquela senhora que esteve aqui ontem encenando
aquilo que nós vimos. Sabe por quê? Eu quero ver ela encenando a filha, a neta,
a mãe, a avó, a esposa de um parlamentar sendo estuprada", disse
Thronicke.
Segundo
relatos, Pacheco ficou irritado ao assistir pela TV o debate organizado pelo
senador Eduardo Girão (Novo-CE) no plenário da Casa. O presidente ficou
contrariado com a dramatização e a falta de especialistas críticos ao projeto
de lei da Câmara.
Na
semana passada, Pacheco afirmou a jornalistas que o projeto de lei seria
tratado com "cautela", passando pelas comissões do Senado
-compromisso reafirmado nesta terça. O senador também disse que uma matéria
dessa natureza "jamais" iria direto ao plenário da Casa.
• Agenda conservadora avança no país
impulsionada pelo Congresso
Iniciativas
mais duras contra o aborto ou o consumo de maconha: a maioria conservadora do
Congresso desafia o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao
colecionar vitórias na “batalha cultural” que divide a sociedade.
Embora
Lula tenha derrotado o ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022) em 2022, a
direita que ele representava reforçou, nas mesmas eleições, seu domínio na
Câmara dos Deputados e no Senado.
Só
o Partido Liberal (PL) de Bolsonaro conta com 96 dos 513 assentos na Câmara, o
que o torna a principal formação da Casa. Além disso, os evangélicos, membros
de diversos partidos, somam 203 cadeiras, ou seja, quase 40% do total.
Nas
últimas semanas, projetos parlamentares sobre valores e práticas em torno da
família, saúde, segurança e gênero avançaram com o voto conservador.
O
mais recente foi na semana passada, quando a Câmara dos Deputados aprovou a
tramitação urgente de um texto que equipara o aborto a partir de 22 semanas ao
homicídio, inclusive em casos de estupro.
A
iniciativa gerou enorme polêmica e milhares de manifestantes protestaram em
várias cidades.
Diante
do clamor, Lula, que afirma ser pessoalmente contra o aborto, tachou a
iniciativa de “insanidade”.
“Aquilo
que antes era muito restrito a certos grupos específicos e lugares, isso virou
já desde o Bolsonaro, uma pauta nacional. A questão dos comportamentos, dos
valores, virou uma bandeira, uma agenda nacional disputada por políticos.
Políticos se elegem ancorados nessas agendas”, explica à AFP Carolina Botelho,
do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP).
Segundo
a cientista política, grupos “mais radicais” ligados às igrejas neopentecostais
“estão conquistando a passos largos” um poder “tanto financeiro quanto
político”, em busca de “fazer valer a sua cultura”.
Confira
a seguir algumas das iniciativas conservadoras que avançaram no país.
–
Aborto –
No
Brasil, uma lei de 1940 autoriza o aborto se houver risco de vida para a
mulher, se ela foi estuprada ou se o feto tem malformação cerebral, sem
restrições de tempo para realizar o procedimento.
Fora
dessas exceções, interromper uma gestação pode acarretar penas de até quatro
anos de prisão.
A
nova proposta qualifica como “homicídio simples” o aborto após a 22ª semana,
mesmo em casos de estupro, e prevê uma pena de seis a 20 anos, o dobro da
prevista para um estuprador.
Diante
dos protestos, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, decidiu
reverter decisão de acelerar a tramitação. Os legisladores criarão uma
“comissão representativa” para debater o polêmico assunto “de maneira ampla no
segundo semestre”, anunciou na terça-feira.
A
aprovação da proposta pode afetar especialmente menores de idade vítimas de
estupro, que muitas vezes não se atrevem a falar ou demoram a detectar indícios
de uma gravidez.
De
acordo com uma recente pesquisa do Instituto Datafolha, 35% dos entrevistados
defendem a proibição do aborto sem exceções.
–
Consumo de drogas –
O
Senado aprovou em abril um projeto para incluir na Constituição o crime de
posse de drogas em qualquer quantidade, algo que hoje não está explicitamente
estabelecido.
A
iniciativa, que deve ser debatida na Câmara, é vista como um desafio ao Supremo
Tribunal Federal (STF), que avalia a descriminalização da cannabis para uso
pessoal.
A
Human Rights Watch criticou a emenda, considerando que “impulsiona operações
policiais letais nas comunidades e enche as prisões com pessoas que não
deveriam estar atrás das grades”.
Milhares
de pessoas foram às ruas no domingo em São Paulo para protestar contra essa
modificação constitucional e pedir a descriminalização do consumo da maconha.
–
Questões LGBTQIA+ –
Os
deputados aprovaram em maio uma norma que proíbe financiar com recursos
públicos ações destinadas “a desconstruir, diminuir ou extinguir o conceito de
família” ou “influenciar crianças e adolescentes, da creche ao ensino médio, a
terem opções sexuais diferentes do sexo biológico”.
A
disposição, que já entrou em vigor, também impede a destinação de dinheiro
público a “cirurgias em crianças e adolescentes para mudança de sexo”.
Poucos
dias depois, após a grande Parada do Orgulho LGBT+ em São Paulo, um deputado do
PL disse que buscará a proibição da participação de menores nesse evento.
–
Armas –
A
Câmara dos Deputados aprovou, também em maio, um projeto que flexibiliza o
acesso a armas e a localização de clubes de tiro.
O
texto invalidou restrições estabelecidas por um decreto do presidente Lula à
compra de pistolas de ar comprimido ou de mola, e ao estabelecimento de clubes
de tiro a menos de um quilômetro de instituições educacionais.
Além
disso, eliminou multas por publicidade de armas de fogo, tiro esportivo e caça.
Fonte:
FolhaPress/IstoÉ
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