Premiê de Israel estaria prestes a cair
mesmo com o apoio dos EUA?
Antes criticado por
condenar somente ditadores africanos e algumas figuras ligadas ao Leste
Europeu, o Tribunal Penal Internacional (TPI) apresentou um pedido de prisão
inédito contra um líder do chamado Norte Global: Benjamin Netanyahu,
primeiro-ministro de Israel. Especialistas indicam possíveis repercussões à
Sputnik Brasil.
Era outubro de 1998
quando um caso transformava a Justiça internacional, até então incipiente ao
trazer a primeira jurisprudência sobre crimes contra a humanidade: a inesperada
prisão do ditador chileno Augusto Pinochet, na época com 82 anos, em Londres,
no Reino Unido.
Como era senador
vitalício no país e tinha imunidade diplomática, mesmo após o fim do regime
militar, além de contar com certa "amizade" histórica com a
ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, Pinochet realizava uma missão
"secreta" no país. A ocasião fez o juiz Baltasar Garzón emitir um
mandado internacional de prisão contra ele por conta da Operação Condor,
movimento que reunia no século XX as seis ditaduras sul-americanas para
eliminar opositores.
Como Espanha,
Inglaterra e Chile eram signatários de uma convenção sobre tortura, Pinochet
foi detido imediatamente após o pedido e ficou 503 dias na prisão, um fato
inédito. Isso também foi o embrião para a criação do TPI, fundado em julho de
2002 sob o Estatuto de Roma e que hoje reúne 124 Estados-membros. Passados
quase 22 anos, a atuação do órgão foi marcada por importantes contribuições
para punir crimes de guerra e contra a humanidade, mas também acumulou
críticas: ter apenas a função de condenar ditadores africanos e algumas figuras
do Leste Europeu, principalmente a ex-Iugoslávia.
Mas, nesta semana, um
feito histórico marcou a atuação do TPI: o pedido de prisão contra o
primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, além do ministro da Defesa do
país, Yoav Gallant. Entre as acusações estão "causar extermínio" e
uso da fome "como método de guerra" por conta do conflito em curso
desde outubro do ano passado na Faixa de Gaza. O número de mortos na região já
ultrapassou 35 mil.
Ao mesmo tempo que um
líder do chamado Norte Global entra no banco dos réus pela primeira vez, a
medida também pode trazer um custo alto ao tribunal, que pode ser questionado
sobre a efetividade ou não de sua atuação, apontam especialistas. Ainda foram incluídos
no pedido de prisão do procurador-chefe do TPI, Karim Khan, duas autoridades do
Hamas, Mohammed Diab Ibrahim al-Masri e Ismail Haniyeh.
Doutora em direito
internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professora
do Ibmec, Elizabeth Goraieb destacou ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil,
que nesta quarta-feira (22) já ocorreram implicações importantes na geopolítica
global após o pedido de prisão no início desta semana: o reconhecimento da
Palestina como Estado por Noruega, Irlanda e Espanha em um movimento raro entre
os países da Europa Ocidental.
Além disso, a
especialista acrescenta que Netanyahu já possui um processo em andamento no
tribunal desde 2014 por conta das políticas promovidas contra a população
palestina em Gaza e na Cisjordânia.
"Esse pedido
jamais seria realizado pelo procurador se não houvesse provas robustas. Todo
mundo está vendo vários relatórios, inclusive da ONU [Organização das Nações
Unidas], da Anistia Internacional e de vários organismos internacionais […].
Com tudo isso, a Câmara [do TPI] confirma ou não o mandado de prisão que é
expedido para todos os Estados-membros, inclusive a Interpol, e a grande
consequência disso é que as pessoas [alvo do pedido] ficam reclusas ao seu
território ou de países que não fazem parte do tribunal", resume a
professora.
Assim como Israel, os
Estados Unidos e principal aliado de Netanyahu na guerra contra os palestinos
não são signatários do TPI, ao contrário da própria Palestina e de boa parte da
União Europeia.
"A guerra é
proibida pelo direito internacional desde o fim do século XIX. Temos toda a
codificação para haver o mínimo de legalidade em um conflito armado, como o
direito de defesa previsto na Carta das Nações Unidas. Entretanto, a legítima
defesa tem parâmetros específicos, como o princípio da proporcionalidade. E é
isso que tem unido a comunidade internacional diante da morte de milhares de
crianças e mulheres, totalmente desproporcionais. A quantidade de bombas que
Netanyahu despejou em Gaza nas duas primeiras semanas equivale a duas bombas
atômicas", diz.
Seja através de uma
possível e difícil prisão do primeiro-ministro em algum país signatário do TPI
ou por pressão interna em Israel, Elizabeth Goraieb afirma que o pedido só
mostra que o fim político de Netanyahu está cada vez mais próximo, mesmo com o
apoio dos EUA.
"Ele não detém a
grande maioria [dos eleitores], e a simpatia é cada vez menor dentro de Israel.
Inclusive têm sido reprimidas em Tel Aviv as manifestações da oposição de forma
violentíssima. Então Netanyahu quer se manter no poder, mas não adianta, vai
cair […]. Ele conseguiu mostrar para o mundo que é uma pessoa que comete o
mesmo crime que foi realizado contra os judeus anos atrás", declara.
Inclusive nos EUA
foram registrados grandes protestos pró-Palestina em universidades, em meio à
queda da aprovação do apoio norte-americano ao conflito promovido por Israel.
A especialista lembra
ainda que o procurador do TPI chegou a denunciar que membros do tribunal
chegaram a ser ameaçados por aliados, mas que há expectativas de mudança no
panorama atual.
"Os Estados
Unidos deram uma recuada na defesa de Netanyahu há pouco tempo porque eles
estão vendo que a situação está trazendo também para eles uma antipatia
internacional. Porque é isso o que está acontecendo."
·
Quem reconhece a Palestina como país?
Apesar de o TPI já ter
declarado que não possui jurisdição nem autonomia sobre a questão, o fato de a
Palestina ser um membro da entidade acaba sendo, de forma implícita, um
reconhecimento formal do território como um Estado. É o que acrescenta à
Sputnik Brasil a professora e doutora em direito internacional pela
Universidade Católica de Brasília (UCB), Priscila Caneparo. "Esse é o
primeiro ponto, até porque uma guerra internacional é entre dois Estados, e o
Tribunal Penal Internacional deixou muito claro que essa é uma guerra Israel
versus Palestina [e não Hamas, que é um dos tantos movimentos
palestinos]", diz.
A especialista
acrescenta que o pedido também vai funcionar como um teste para a credibilidade
do tribunal. "Quando o Norte Global é colocado no banco dos réus, na
figura do Netanyahu, a gente vislumbra uma virada quase que copernicana do
papel do TPI, e acho que é importantíssimo deixar muito claro que isso é uma
prova também para a influência e o poderio do Tribunal Penal Internacional. [Ou
seja], como vai ficar a eficácia, a efetividade frente ao Norte Global em
relação a essa expedição de dois mandados de prisão contra um israelense",
enfatizou Caneparo.
Já existem elementos,
conforme a especialista, que permitem analisar se a decisão do TPI pode gerar
um sentido contrário ao esperado, que é prolongar o sofrimento da população
palestina.
"Existia
basicamente quase como uma divisão interna em Israel em relação à postura de
Netanyahu, principalmente o partido de oposição que fazia parte do gabinete de
guerra, que estava se opondo às determinações de Netanyahu na região de Rafah,
porque era o único reduto de ajuda humanitária. Começaram a ameaçar se retirar
esta semana e, quando veio o pedido de prisão do Netanyahu, eles voltaram atrás
e voltaram a se unir", pontua, ao acrescentar que isso deu uma sobrevida
ao governo de Netanyahu.
·
Medida tem mais força moral do que
política, defende professora
Para a professora de
direito internacional, a medida possui mais efeito moral do que efetividade
jurídica prática. "Temos que pensar que toda e qualquer organização
internacional, bem como o direito internacional, esbarram na soberania dos
Estados. Então obviamente que vai depender de um esforço coletivo, de uma
efetividade na base da cooperação internacional para que se veja um resultado
prático dessa expedição de mandado de prisão", argumenta.
Outro ponto crítico
relatado pela especialista é com relação à inclusão dos líderes do Hamas no
mesmo pedido de prisão. A especialista acredita que haveria maior efetividade
caso isso ocorresse posteriormente. "Dentro dessa perspectiva, é lógico
que foi quase que 'bato com uma mão, agrado com a outra'. Existe a necessidade
de imputar responsabilidade ao prospectar responsabilidade para o Hamas? Sim,
existe. Porém, eu não acho que o momento foi oportuno. Eu acho que desviou um
pouco o foco das ações que não são equivalentes. É importantíssimo deixar claro
o que Israel está desenvolvendo dentro do território palestino", afirma.
·
O que é o crime de genocídio?
Um dos pedidos que
levou o procurador do TPI a solicitar a prisão do premiê israelense foi o
movido pela África do Sul contra o país judeu, do qual faz a acusação de um
genocídio em curso nas terras palestinas. Porém, o órgão internacional não
imputou o crime a Netanyahu. A professora Elizabeth Goraieb lembra que, mesmo
com todas as provas robustas colhidas pelo tribunal e o "trabalho
impecável" realizado nas investigações, o genocídio é um crime que exige
um "elemento subjetivo chamado intenção" de provocar as mortes.
"O genocídio
difere dos outros tipos penais porque tem que haver a prova de um elemento
subjetivo chamado intenção, que é o dolo. Então, o sujeito, quando mata,
extermina, faz deslocamento forçado. São formas de cometer o genocídio. Ele
violenta a vítima, transfere crianças de grupo e faz com a intenção de
destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, ético, racial ou religioso.
Então, a prova do dolo, dessa intenção, é muito mais difícil. Por exemplo,
nunca se conseguiu comprovar que [Slobodan] Milosevic deu a ordem para os
extermínios dos sérvios", compara.
Já no crime de guerra
ou contra a humanidade não há necessidade de comprovar esse elemento subjetivo.
"[…] digamos que a tropa vem e atira na população como um todo. Não mira
uma etnia, não mira uma raça, não existe um programa do Estado para destruir
determinado grupo. Então, no crime contra a humanidade, há um ataque
generalizado, sistemático contra uma população civil", finaliza.
¨
Benjamin Netanyahu
pode ser preso em 123 países, se condenado pelo TPI
O primeiro-ministro de
Israel, Benjamin Netanyahu, poderia ser preso em 123 países, se o Tribunal
Penal Internacional pedir e as respectivas nações signatárias acatarem à
orientação. Há mais de 25 anos, o ditador chileno Augusto Pinochet foi preso em
Londres, em circunstâncias similares e que servem como jurisprudência para o caso
atual.
Nesta segunda (20), o
procurador-chefe do TPI Karim Khan pediu que o tribunal emitisse mandado de
prisão contra Netanyahu, parte de sua equipe de governo e líderes do Hamas. O
caso ainda precisa ser julgado pela Corte Internacional.
Para o desfecho,
contudo, seriam necessários uma série de mecanismos, adotados pelo TPI e pelos
países. Mas nesta quinta-feira (23), a Alemanha sinalizou que está disposta a
acatá-los.
·
Qual é o poder do
Tribunal Penal Internacional
O Tribunal Penal
Internacional (TPI) é a instância da Justiça internacional responsável por
investigar e julgar pessoas acusadas de crimes de guerra, crimes contra a
humanidade e genocídio.
Assim como a Corte
Internacional de Justiça (CIJ), que julga os países por crimes contra a
humanidade, o Tribunal também precisa da adesão das nações para que suas
determinações sejam acolhidas.
E, ainda assim, como
todos os órgãos do sistema penal internacional, essas decisões são limitadas às
legislações e decisões de Estado dos países membros, sob a alegação de ameaça
às respectivas soberanias.
Além disso, o TPI não
tem força policial ou regulamentação nesse sentido para a aplicação de suas
próprias decisões. Na prática, os países membros deveriam cumprir as
determinações, mas elas têm somente força de recomendação e orientação,
submetidas aos mecanismos internos de cada país para a sua aplicação.
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Os países podem, ou
não, prender Netanyahu
É dessa forma que
mesmo os países signatários, que atualmente são 123, podem não cumprir a
decisão do Tribunal, se este condenar Netanyahu à prisão, e assim os mandados
de prisão podem não ter efeitos práticos.
Para que sejam
cumpridos, os países devem movimentar os seus mecanismos diplomáticos,
jurídicos e policiais. É como acenou a Alemanha, por meio do porta-voz do
chanceler alemão Olaf Scholz, Steffen Hebestreit, em coletiva de imprensa.
Hebestreit foi
questionado se o país iria prender o primeiro-ministro de Israel, caso o
Tribunal Internacional determinasse junto aos signatários e Benjamin Netanyahu
pisasse em território alemão. “Claro. Sim, cumprimos a lei”, respondeu, sem
pestanejar.
A postura não é a
mesma, por exemplo, dos Estados Unidos, da Rússia e de Israel, que não são
signatários do tratado do TPI. Mas outros importantes países são membros do
Tribunal: além da Alemanha, França e Reino Unido, que também têm relações
próximas do Estado de Israel, são signatários e podem acenar da mesma forma que
a Alemanha.
O direito
internacional guarda, ainda, exemplos práticos que podem ser repetidos. É o
caso do presidente da Rússia, Vladimir Putin, que como pode ocorrer com
Netanyahu, foi alvo de uma ordem de prisão pelo Tribunal Internacional. Putin
não foi preso, mas desde então se viu impossibilitado de comparecer a alguns
países, onde sua presença pode gatilhar a prisão.
Também esteve na lista
de condenados pelo Tribunal Penal Internacional o ex-presidente do Sudão, Omar
al-Bashir, que liderou um golpe de estado no país em 1989 e foi deposto do
poder em 2019 e detido pelo próprio país.
Outro precedente, que
antece a própria regulamentação do TPI, é do ditador chileno Augusto Pinochet.
·
O precedente Pinochet
O TPI foi criado,
inclusive, meses antes da prisão de Pinochet, por meio do tratado internacional
Estatuto de Roma, que fundou a instância judicial, entre junho e julho de 1998.
A prisão de Pinochet
foi considerada um precedente determinante para a atuação da Justiça
internacional em crimes de guerra e genocídio, inclusive para a atuação
posterior do Tribunal Penal Internacional.
Na época, o ditador
ocupava um cargo de senador vitalício no país e estava, dentro do Chile,
protegido pela imunidade. Mas viajou de forma particular – não diplomática – a
Londres, capital britânica, para realizar uma cirurgia na coluna.
O juiz espanhol
Baltazar Garzón emitiu um mandado de prisão, desde a Espanha, com base no
julgamento internacional da Operação Condor, e Pinochet ficou 503 dias preso no
Reino Unido.
¨
Alemanha diz que
prenderá Benjamin Netanyahu se premiê for ao país após decisão do TPI
A Alemanha pode
prender o primeiro-ministro israelense se ele entrar no país em meio a
alegações de crimes de guerra por parte do Tribunal Penal Internacional (TPI),
confirmou um porta-voz do governo alemão.
O promotor do TPI,
Karim Khan, anunciou na segunda-feira (20) que está buscando mandados para três
líderes do Hamas, bem como para os líderes israelenses Netanyahu e o ministro
da Defesa, Yoav Gallant, estabelecendo equivalência entre eles pela guerra na
Faixa de Gaza.
Na quarta-feira (22),
o porta-voz do governo alemão, Steffen Hebestreit, foi questionado em uma
conferência de imprensa se Berlim vai aderir à decisão do TPI e implementá-la.
"Da forma como
você colocou isso tão bem, esta é uma questão hipotética, então darei meio
passo para trás e direi: em princípio, somos apoiadores do TPI e continuará
assim", afirmou Hebestreit, segundo o Daily Mail. Logo em seguida, o
jornalista repetiu a sua pergunta, e Hebestreit reiterou: "Pensei ter
respondido à pergunta através da minha declaração normativa, caso contrário, se
ainda tiver dúvidas: claro. Sim, cumprimos a lei", reiterou.
A decisão da Alemanha
surge após o embaixador de Israel em Berlim, Ron Prosor, ter feito um apelo
desesperado ao governo alemão para que rejeitasse o mandado de prisão proposto
pelo TPI, relata a mídia.
Netanyahu classificou
o anúncio de Haia como "uma desgraça" e "uma completa distorção
da realidade".
Em uma entrevista no
começo da semana, o promotor Khan disse que os mandados são por crimes de
guerra e crimes contra a humanidade devido ao ataque mortal do Hamas em 7 de
outubro contra Israel e a resposta israelense no enclave palestino ao ataque.
"O mundo ficou
chocado no dia 7 de outubro quando pessoas foram arrancadas dos seus quartos,
das suas casas, dos diferentes kibutz em Israel", disse Khan à
apresentadora da CNN, Christiane Amanpour, acrescentando que "as pessoas
sofreram enormemente".
Ao mesmo tempo, o
promotor afirmou que as acusações contra Netanyahu e Gallant incluem
"crimes de extermínio, causar fome como método de guerra, incluindo a
negação de suprimentos de ajuda humanitária, visando deliberadamente civis em
conflito".
A decisão do TPI foi
recebida com reações mistas por parte da comunidade internacional, com Londres
a rotulá-la de "inútil" e o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden,
a chamá-la de "ultrajante", enquanto outros líderes mundiais disseram
que apoiavam a investigação.
Na terça-feira (22),
Noruega, Espanha e Irlanda reconheceram o Estado palestino, uma decisão que
entrará em vigor em 28 de maio. No entanto, a Alemanha afirmou que o
reconhecimento "não vai trazer paz", conforme noticiado.
Fonte: Sputnik Brasil/Jornal
GGN
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