quarta-feira, 3 de abril de 2024

Perda de relevância da França espelha decadência da Europa na geopolítica global, dizem analistas

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas apontam que a influência em queda da França como ator global relevante é um sinal de que a Europa caminha para se tornar um continente cada vez mais dispensável nas relações políticas e econômicas.

O presidente francês, Emmanuel Macron, tem ganhado destaque nos noticiários nas últimas semanas.

No início de março, ele irritou seus parceiros da União Europeia (UE) ao afirmar que a Europa não pode ser "covarde" em relação ao conflito ucraniano e sugerir o envio de tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para lutar pelo regime de Kiev, o que na prática desencadearia um conflito global.

Posteriormente, ele causou polêmica ao postar em suas redes sociais um vídeo com ajuda humanitária da França sendo lançada por via aérea, à Faixa de Gaza, em meio à ofensiva israelense no enclave, sendo acusado de hipocrisia pelo fato de a França ser um dos países fornecedores de armas a Israel.

Mais recentemente, Macron veio ao Brasil para um encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, marcado por trocas de declarações afetivas.

Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam que essa postura mais atuante de Macron no cenário internacional, baseada em uma liderança forçada, é fruto de problemas internos e externos que não afetam apenas a França, mas vários países da Europa, e sinalizam o declínio da relevância do continente na geopolítica global.

·        Qual a importância do continente europeu para o mundo?

Afonso de Albuquerque, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (PPGCOM/UFF), afirma que, para entender a situação de Macron, "vale a pena começar pelo problema macro", pois segundo ele "não dá para pensar a situação da França atual sem pensar a questão da União Europeia".

"Quando a gente fala em União Europeia, […] fala em um corte. Porque quando a União Europeia surge, absorve todas as unidades. Então a capacidade de qualquer país do bloco de fazer política externa independente não é eliminada, mas é limitada em algum grau, já que agora existe uma macroestrutura, que é a União Europeia. […] Parte do esforço da França será voltado para manter a União Europeia. E aí é preciso ver que a França é um país que vive um processo contínuo de degradação da posição externa ao longo do último século."

Ele acrescenta que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, "a França experimenta um processo de declínio relacionado ao fim da colonização formal e ao avanço dos Estados Unidos como líder do campo ocidental", o que colocou a Europa em posição secundária.

Somada a isso, está a perda acelerada da relevância econômica não apenas da França, mas também da Alemanha.

"A Alemanha hoje está decaindo aceleradamente de sua condição de superpotência industrial, tanto devido aos problemas de acesso a combustível e energia, não provocados, mas agravados pela guerra entre Rússia e Ucrânia e a posição que a Alemanha tomou [no conflito], mas também devido à perda de competitividade em termos mais gerais, causada pelo fato de que a Ásia produz mais barato, de que a própria Alemanha e outros países europeus levam suas fábricas para fora do seu próprio país em busca de maior lucratividade."

Ele afirma que outro fator que levou ao declínio europeu é a ascensão de novos atores, sobretudo do Sul Global, que ganharam relevância na comunidade internacional, como China, Rússia, Brasil e Índia.

"A posição que o Brasil desempenha no BRICS […] é muito subestimada. O Brasil é o país do BRICS com o maior poder de interlocução global", explica.

Albuquerque acrescenta que Lula atualmente tem uma posição muito invejável, com capacidade de não sujeitar o Brasil à submissão europeia.

"É a posição de você poder ser do BRICS, poder dizer 'Não vamos apoiar a Ucrânia' e, mesmo assim, a Europa dizer 'Ok'. Porque a posição do Brasil não é mais a posição colonial de autocolonização, de submissão internacional que já foi no passado. E isso é interessante porque torna o Brasil um país mais confiável do que um país submisso. Porque se o Brasil fosse submisso, se o Brasil cedesse à Europa em tudo o que ela quisesse, […] não valeria tanto para a Europa quanto vale."

Segundo Albuquerque, todos esses fatores fizeram cair por terra "a ideia de superioridade que muitos europeus, acima dos 40 anos, ainda cultivam, expressa pelo chefe de política externa da UE, Josep Borrell, que em 2022 causou polêmica ao afirmar que 'a Europa é um jardim, o mundo é uma selva'".

·        Qual a raiz do encolhimento da França na África?

Natali Hoff, professora de relações internacionais e ciência política do Centro Universitário Internacional (Uninter), afirma que a perda de influência da França entre ex-colônias na África também é um reflexo do declínio europeu.

"No caso francês, quando a gente pensa nessa perda de relevância geopolítica, para mim fica evidente as relações com essa África francófona. Nos últimos anos, a França tem tido muitos reveses, muitas perdas estratégicas e políticas, principalmente nos países da região do Sahel que foram colônias francesas e que a França, depois do processo de independência, se estabeleceu como a potência que ali influenciava e tinha vantagens para utilizar os recursos, explorava esses países", explica.

"Nos últimos tempos, a gente assistiu a uma série de golpes de Estado que subverteram governos, alguns governos até autoritários e longos, e a instalação de novos grupos com outra visão sobre a influência francesa, uma visão mais negativa", acrescenta a especialista.

Hoff afirma que a perda da influência francesa sobre essas regiões é bem significativa porque afeta a exploração econômica de recursos muito sensíveis e leva a França "a costurar novas parcerias e novos acordos para poder substituir esses recursos".

A especialista afirma ainda que as recentes atitudes de Macron buscam "cavar um pouco mais de protagonismo para essa França que vem perdendo relevância, mas que também é algo que se observa com relação a toda a Europa".

"Ela [a Europa] já não é tão relevante quanto outros atores, como […] China e Estados Unidos. Militarmente, também não é tão relevante quanto a Rússia. Acho que essa perda de relevância geopolítica da França é meio que um sintoma que a gente vê com todos os países da Europa, e que ficou mais evidenciado ainda quando a gente começou a ver as críticas dos países do Sul Global ao histórico de exploração econômica, ao fato de que as instituições liberais, multilaterais, pensadas para definir questões internacionais, muitas vezes atendem mais aos interesses dos países desenvolvidos, entre eles os da Europa, também questionando a hipocrisia dos países europeus com relação ao conflito entre Israel e Hamas em Gaza, onde se observa que aqueles mesmos países que defenderam a Ucrânia, que defendem os direitos humanos de maneira tão veemente, não se posicionam do mesmo modo com as violações constantes que a gente tem visto acontecer em Gaza, cometidas pela parte de Israel."

Quanto à perda de influência da França na África, Estevão Chaves de Rezende Martins, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), destaca que no espectro político europeu ainda há quem considere que "a imigração clandestina, o islamismo e o fanatismo terrorista são a fonte e o resultado de todos os males".

"Majoritariamente, o país [França] é europeísta — consciente, bem ou mal, que no século 21, fora da integração não há salvação. As eleições para o Parlamento europeu servirão de termômetro do sentimento social e político em todos os 27 membros", diz Martins.

Ele afirma que, apesar das declarações que irritaram países da UE sobre o envio de tropas à Ucrânia, "Macron é um europeísta convicto e, mesmo quando toma a iniciativa de falar de forma ousada, sempre busca negociar com os demais países da UE e da OTAN".

Segundo Martins, a postura calorosa de Macron durante sua visita ao Brasil reflete uma tentativa de se reaproximar do país após anos de afastamento.

"Houve uma paralisia geral das relações entre os dois países, agravada pelo fato de [Jair] Bolsonaro, com sua usual incivilidade, haver ofendido a esposa de Macron no plano pessoal. A eleição do presidente Lula foi saudada efusivamente pelo governo francês, apontando para um aquecimento e cooperação relançadas, acordo do Mercosul excluído.

·        Movimento de ruptura com a França pode chegar à Guiana Francesa?

Questionado se essa tendência de busca pela ruptura com a França pode alcançar a Guiana Francesa, vizinha do Brasil e território ultramarino da França, Martins diz descartar essa hipótese.

"Improvável. O problema da Guiana, com cerca de 300 mil habitantes, agora está mais na invasão de gangues armadas, originadas no território do Brasil, de garimpeiros ilegais, traficantes de armas e de drogas. [...] Não se tem notícias de associação entre a Guiana [Francesa] e as políticas dos Estados africanos."

Albuquerque, por sua vez, afirma não considerar essa hipótese em curto prazo. Ele aponta que a Guiana Francesa é um território colonial da França, com uma boa relação com a metrópole e algumas vantagens garantidas, como o valor do salário, que é pago em euro, o que tem levado muitos brasileiros a migrarem para o país.

Porém, ele sublinha que em longo prazo, em um "espectro de decadência da França, é possível imaginar que sim, uma vez que as vantagens do laço com a metrópole não estejam mais presentes".

"Eu imagino que a França, ou seja, o que o Macron está fazendo, é administrar uma queda. As relações econômicas do mundo, cada vez mais vão dispensar a Europa. A Europa vai se transformar num continente dispensável. É o que eu vejo para as próximas décadas. As relações globais vão passar longe dali. E quando isso acontecer, de fato, perde-se todo o poder. Historicamente, isso aconteceu em todos os impérios. E não há razão para imaginar que a Europa será muito diferente disso."

 

Ø  China ultrapassa EUA como parceiro preferido do Sudeste Asiático

 

A China destronou os EUA e se tornou a principal escolha de alinhamento para os países do Sudeste Asiático, à medida que Washington perde terreno em uma série de questões fundamentais, desde o envolvimento econômico regional até a guerra entre Israel e Hamas, indicou nova pesquisa asiática.

Um inquérito, publicado nesta terça-feira (2) e realizado pelo Instituto ISEAS-Yusof Ishak, mostra a popularidade da China em uma corrida "tête-à-tête" com os Estados Unidos subindo de 38,9% no ano passado para 50,5% neste ano.

A pesquisa de 2023 mostrou que 38,9% preferiram a China e 61,1% escolheram os EUA. A sondagem foi realizada entre 3 de janeiro e 23 de fevereiro, coletando respostas de 1.994 pessoas.

Entre os entrevistados, 33,7% eram do setor privado; 24,5% do governo; 23,6% da academia, grupos de reflexão e instituições de pesquisa; 12,7% de organizações não governamentais e meios de comunicação; e os restantes 5,6% de organizações regionais ou internacionais.

Entre os dez países da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), o possível alinhamento com os chineses foi mais evidente entre os entrevistados da Malásia, com 75,1%, seguido pela Indonésia e Laos com 73,2% e 70,6%, respectivamente.

"A confiança nos EUA diminuiu. Isso pode ser atribuído em parte à crescente rivalidade entre a China e os EUA, que levou a um aumento da ansiedade relativamente à crescente influência estratégica e política dos EUA", afirma o relatório.

Em análise, a Bloomberg acredita que as nações do Sudeste Asiático abraçaram amplamente Washington como uma presença de segurança necessária, mas a região também conta com Pequim como um importante financiador e parceiro comercial, em uma altura em que os líderes regionais procuram novos

Os habitantes do Sudeste Asiático também estão "cada vez mais inseguros" sobre a eficácia do Quadro Econômico Indo-Pacífico para a Prosperidade (IPEF, na sigla em inglês), um esforço liderado pelos EUA para aumentar o comércio que tem sido criticado pela sua falta de acesso significativo ao mercado, relata a mídia.

Em termos gerais, "há um sentimento crescente de otimismo entre os asiáticos do sudeste relativamente às suas futuras relações com a China", afirma o relatório, acrescentando que "as Filipinas emergiram como as mais cautelosas".

A última sondagem também coloca o conflito Israel-Hamas no topo da lista de preocupações geopolíticas da região, com uma grande proporção de entrevistados preocupados com o fato de "o ataque de Israel a Gaza estar indo longe demais".

Quase um terço dos inquiridos receava que a guerra no Oriente Médio catalisasse o aumento de atividades extremistas, enquanto a diminuição da confiança no direito internacional e em uma ordem baseada em regras era a segunda principal preocupação.

"[...] apesar da distância geográfica, o conflito repercutiu fortemente nesta região diversificada, multirracial e multirreligiosa", afirma a pesquisa.

·        China se opõe à relatório dos EUA

Também nesta terça-feira (2), o Ministério do Comércio da China disse que se opõe firmemente ao Relatório de Estimativa Comercial Nacional dos EUA sobre Barreiras ao Comércio Exterior, divulgado em 31 de março, que disse "listar a China como um país de principal preocupação".

O documento "não forneceu nenhuma evidência para provar que as políticas e práticas relevantes da China violavam as regras da Organização Mundial do Comércio [OMC], mas acusou arbitrariamente a China de ter as chamadas políticas e práticas 'não mercantis' e barreiras em produtos agrícolas e políticas de dados", disse um porta-voz do ministério em comunicado, citado pela Reuters.

Os EUA deveriam parar de fazer "falsas acusações" contra outros países, respeitar as regras da OMC e manter uma ordem comercial internacional justa, acrescentou o porta-voz.

 

Ø  Deputados russos denunciam 'grupo criminoso organizado' com responsáveis ​​de EUA, OTAN e Ucrânia

 

Após o ataque terrorista ao Crocus City Hall, vários deputados da Duma (câmara baixa do Parlamento russo) enviaram uma petição à Procuradoria-Geral para solicitar a ajuda de Estados estrangeiros na investigação do financiamento do terrorismo pela Ucrânia.

Os parlamentares pedem para "considerar essa declaração como uma denúncia de crime, investigar os fatos de organização e financiamento do terrorismo, enviar pedidos de ajuda a Estados estrangeiros para investigarem os fatos de financiamento do terrorismo".

"A declaração descreve fatos e eventos que confirmam a existência de um grupo criminoso organizado [terrorista] que inclui altos funcionários dos EUA, líderes do bloco político-militar da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte], parceiros comerciais ucranianos de [Joe] Biden, líderes políticos da Ucrânia e funcionários da Direção Geral de Inteligência e Serviço de Segurança […] do Ministério da Defesa ucraniano", detalha o documento.

Os signatários também apelam ao Comitê de Investigação e ao Gabinete do Procurador-Geral da Rússia para "solicitarem aos Estados estrangeiros que adotem medidas para identificar, detectar, bloquear ou deter fundos utilizados ou alocados para cometer crimes terroristas e exigir a condenação ou extradição de pessoas envolvidas no financiamento do terrorismo".

Ao mesmo tempo, os deputados pedem aos órgãos citados que "levem à Justiça pessoas singulares e coletivas envolvidas no financiamento do terrorismo" e informem o público sobre os fatos apurados e as decisões tomadas.

A declaração foi assinada, entre outros, pelo chefe do Comitê da Duma para o Extremo Oriente e antigo candidato à presidência russa, Nikolai Kharitonov, pelo filósofo Aleksandr Dugin e pelo antigo membro da Verkhovna Rada da Ucrânia (parlamento unicameral ucraniano) Andrei Derkach.

A petição também foi enviada ao Escritório Federal de Justiça da Alemanha, ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos, ao Ministério da Justiça e Ordem Pública de Chipre e ao Ministério da Justiça da França.

Esse pedido é uma consequência, considerando a série de ataques terroristas perpetrados em território russo, como o ataque à Câmara Municipal de Crocus, os ataques contra líderes políticos e figuras públicas russas, bem como os constantes bombardeamentos das regiões do país que fazem fronteira com a Ucrânia.

Moscou forneceu repetidas provas do envolvimento de Kiev e de seus apoiadores ocidentais, incluindo os Estados Unidos, nesses atos. A Ucrânia e o Ocidente, por outro lado, negam o seu envolvimento.

¨      Ante eventual volta de Trump, OTAN corre para aprovar medidas que deixam ajuda a Kiev sob sua chefia

Uma delas foi sugerida pelo secretário-geral, Jens Stoltenberg, o qual propôs estabelecer um fundo de contribuições quinquenal no valor de US$ 100 bilhões (R$ 505 bilhões) para o país do Leste Europeu.

Os membros e aliados da Aliança Atlântica ainda estão discutindo a proposta de Stoltenberg e qualquer mecanismo de contabilidade, incluindo a possibilidade de incluir a ajuda bilateral à Ucrânia no montante global, segundo fontes ouvidas pela Bloomberg.

Como parte do pacote, a OTAN também poderia assumir as funções operacionais do Grupo de Defesa de Contato da Ucrânia, liderado pelos Estados Unidos, que coordena as entregas de armas de cerca de 50 países para Kiev.

Com o comandante supremo aliado da OTAN, general Chris Cavoli, na chefia, tal medida poderia proteger a estrutura de qualquer mudança política que possa resultar após as eleições norte-americanas de novembro.

A perspectiva do regresso de Donald Trump desencadeou um aumento do debate entre os aliados sobre o que a Europa deveria fazer para garantir que Washington continue a investir na segurança transatlântica, relata a mídia.

O possível retorno do republicano também levantou preocupações entre as autoridades europeias de que Trump poderia retirar a ajuda dos EUA à Ucrânia à luz dos comentários de que tentaria "acabar com a guerra em um dia".

A agência norte-americana analisa que se os aliados apoiarem a proposta de Stoltenberg, uma medida da OTAN para assumir um papel mais ativo na ajuda à Ucrânia marcaria uma mudança de paradigma para a aliança militar, que anteriormente se distanciou desses esforços para evitar ser potencialmente arrastada para uma guerra mais ampla com a Rússia.As discussões ocorrem na semana em que os ministros das Relações Exteriores da aliança se reúnem em Bruxelas, quarta (3) e na quinta-feira (4), para celebrar o 75º aniversário da aliança, em 4 de abril.

Porém, a proposta do fundo e da chefia do grupo de contacto que precisa da aprovação dos 32 Estados-membros da OTAN, provavelmente mudará antes que os líderes concordem, disseram as fontes.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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