Governo Lula reconhece falhas na saúde
indígena em plano enviado ao STF
Por ordem do STF
(Supremo Tribunal Federal), o governo Lula (PT) apresentou um plano de ação
para redução da mortalidade nas terras indígenas em que lista o que chama de
fragilidades e ameaças internas enfrentadas pela gestão.
São 123 páginas em que
a Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde cita uma série de falhas
no sistema. O documento joga luz sobre as possíveis razões da continuidade das
mortes na Terra Indígena Yanomami, mesmo após um ano de operações de emergência
em saúde na região.
O território registrou
363 mortes de indígenas yanomamis em 2023, primeiro ano do governo Lula, o que
supera os números oficiais de 2022 (343 mortes), embora a gestão argumente que
houve elevada subnotificação no último ano do governo Jair Bolsonaro (PL).
Falta de pessoal
qualificado, corte de verbas, equipamentos obsoletos ou insuficientes, alta
rotatividade de gestores e de projetos e dificuldades logísticas são alguns dos
problemas apontados pela secretaria.
O plano de ação foi
entregue ao STF no dia 9. O sigilo foi retirado pelo ministro Luís Roberto
Barroso na última terça-feira (20).
O documento é uma
exigência do próprio ministro, que determinou ao governo em novembro de 2023 a
entrega, em 90 dias, do documento --que deveria trazer uma estratégia para
aperfeiçoamento do sistema. Barroso relata no STF ação movida em 2020 pela Apib
(Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e seis partidos da então oposição a
Bolsonaro, que o acusavam de omissão na proteção de indígenas durante a
pandemia da Covid-19.
Na meta específica de
reduzir de mortalidade infantil por causas evitáveis, por exemplo, a Secretaria
de Saúde Indígena lista a precariedade de dados, alta rotatividade de
profissionais e descontinuidade de ações, dificuldades logísticas de acesso as
áreas, cortes orçamentários, inadequação de Unidades Básicas de Saúde e falta
de água potável para o consumo humano.
O documento detalha
também o material básico necessário para auxílio ao enfrentamento dos
problemas, como computadores de alta performance com softwares para auxílio do
monitoramento das informações de imunização e vigilância das doenças
imunopreveníveis, impressoras, webcams, fones e microfones.
Por ora, porém, o que
estaria disponível seriam "notas técnicas, informes, manuais e
computadores" ultrapassados.
Barroso também
determinou no último dia 30 que a Procuradoria-Geral da República, o Ministério
Público Militar, o Ministério da Justiça e Polícia Federal apurem se houve
participação de integrantes da gestão Bolsonaro na prática dos crimes de
genocídio, desobediência e quebra de segredo de Justiça em relação ao garimpo
ilegal e as terras indígenas.
O ministro do STF
afirmou haver suspeita de ação ou omissão de autoridades federais que teriam
agravado "o quadro de absoluta insegurança dos povos indígenas" em
relação ao garimpo ilegal.
Ele citou como exemplo
a publicação pelo ministro Anderson Torres (Justiça) de ato que teria alertado
garimpeiros de uma ação sigilosa que ocorreria contra na Terra Indígena
Yanomami.
Após assumir o
governo, Lula classificou o combate ao garimpo ilegal e o cuidado com os
yanomami como prioridade de seu governo. A continuidade das mortes, porém,
mostra que a emergência em saúde pública declarada por seu governo em 20 de
janeiro de 2023 não foi capaz de resolver o problema até agora.
Em entrevista coletiva
realizada nesta quinta-feira (22), a ministra dos Povos Indígenas, Sonia
Guajajara, reconheceu o problema.
Entendemos que um ano não foi suficiente para gente resolver
todas as situações instaladas ali, com a presença do garimpo, com a presença de
quase 30 mil garimpeiros convivendo diretamente no território, aliciando e
violentando os indígenas impedindo que as equipes de saúde chegassem ali",
disse a ministra, em entrevista coletiva.
Segundo ela, o governo
agora conhece os dados reais da situação, tem maior capacidade de atuação e uma
série de ações importantes foram realizadas, como a reabertura de 6 dos 7
polos-base fechados durante o governo anterior.
"Agora a gente
sai desse estado de ações emergenciais e passamos ao estado de ações
permanentes a partir da instalação da Casa de governo em Boa Vista",
afirmou ela, referindo-se a uma estrutura que reunirá, dentro do território, a
presença de 13 ministérios.
A ação foi anunciada
por Lula em janeiro, junto com a instalação de três bases de vigilância no
território, com forças de segurança como PF (Polícia Federal) e Forças Armadas.
Os gastos previstos são de R$ 1,2 bilhão.
Na ocasião, Lula
reuniu vários ministros para dizer que o assunto deveria ser tratado como
"questão de estado". Ele prometeu ainda usar toda a máquina pública
para expulsar invasores, afirmando que não é possível "perder guerra"
contra garimpo ilegal.
Os yanomamis vivem uma
crise humanitária em razão da invasão de garimpeiros em seu território. Até
2022, auge da invasão, eram 20 mil garimpeiros, estimulados pela gestão
Bolsonaro.
A quantidade de áreas
invadidas diminuiu no primeiro semestre de 2023, assim como a quantidade de
garimpeiros em ação no território.
A partir de setembro,
ações de fiscalização foram abandonadas, e as Forças Armadas se ausentaram das
atribuições de repressão ao garimpo. Houve um novo avanço da exploração ilegal
de ouro, ainda que em escala menor, com reflexo direto na saúde dos indígenas.
A desnutrição persiste
em comunidades das regiões de Auaris e Surucucu. Os surtos de malária são
frequentes. Em comunidades como Kayanaú, onde o posto de saúde seguia fechado
em meados de janeiro, o garimpo se intensificou e tornou impossível a ação de profissionais
de saúde, que desconheciam o destino e as condições de saúde de mais de 300
yanomamis que viviam em cinco aldeias da região.
A gestão Lula anunciou
em janeiro que iria promover um "casa de governo" permanente em
Roraima para tratar das ações na terra yanomami e a instalação de três bases de
vigilância no território, com forças de segurança como PF (Polícia Federal) e
Forças Armadas. Os gastos previstos são de R$ 1,2 bilhão.
Como governo quer combater a fome na
Terra Indígena Yanomami
Ministério vai
contratar empresa por R$ 185 milhões para levar, em aviões e helicópteros,
cestas básicas às aldeias atingidas pela crise humanitária.Presidente do
Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami (Condisi-Y), Júnior Hekurari
acordou nesta quinta-feira (22/02) com a notícia de que 363 indígenas morreram
na terra indígena Yanomami em 2023, primeiro ano do terceiro governo de Luiz
Inácio Lula da Silva, segundo dados do Ministério da Saúde.
Hekurari reclama da
falta de apoio de governantes para combater a crise humanitária na maior terra
indígena do país. “As cestas básicas estão sendo distribuídas pelo Exército”,
disse Hekurari a DW. “Estão deixando essas cestas básicas para as comunidades
mais vulneráveis, onde os invasores entraram mais, onde os invasores rasgaram
mais a terra, onde envenenaram a água. Mas essas cestas básicas não vão
resolver nossos problemas. Nós temos que ter outros meios de garantia [de
sobrevivência]”.
Hekurari se refere a
uma das principais estratégias do governo federal para combater a mortalidade e
a desnutrição de crianças no território: a distribuição de cestas básicas. No
início de fevereiro, o Ministério dos Povos Indígenas lançou uma chamada emergencial,
com dispensa de licitação, para empresas interessadas em prestar o serviço de
transporte aéreo dos alimentos.
Inicialmente, o
governo estimou em R$ 155 milhões o valor do aluguel de cinco aviões e até
quatro helicópteros para atuar por um ano na distribuição de cestas básicas aos
yanomamis, além da construção de uma unidade de abastecimento e um reservatório
para combustível. Neste mês, o montante aumentou para R$ 223 milhões – um
ajuste “devido à meticulosidade e complexidade da contratação”, segundo
informou o Ministério dos Povos Indígenas à DW.
A empresa escolhida,
Ambipar Fly One, no entanto, se consagrou vencedora da disputa ao ofertar o
menor valor, R$ 185 milhões, de acordo com a pasta. “Quanto à situação atual da
contratação, após análise e aprovação da proposta da empresa mais bem posicionada,
encontra-se em fase de elaboração de contrato para subsequente assinatura junto
à empresa melhor colocada”, informou o ministério, em nota.
“A demanda em questão
surge como imperativa devido à necessidade premente sofrida pelos povos
yanomami. A saúde é um direito inalienável de todos os brasileiros e
incumbência do Estado garantir medidas econômicas, políticas e sociais que
salvaguardem esse direito fundamental. Assim, a contratação emerge como a via
mais expedita e tangível para salvaguardar tais direitos”, destaca um trecho.
A Ambipar competiu com
empresas como Rio Madeira Aviação, Voare Taxi Aéreo e Helimarte.
• Estocagem e combustível
O plano do governo
inclui a locação de quatro aviões com capacidade de carga de 1,5 toneladas,
próprios para pousar em pistas de até 700 metros de extensão, destinados
“exclusivamente para transporte de cestas básicas” entre Boa Vista e dois
“pontos de estocagem” na parte da terra indígena situada em Roraima. Cada uma
das quatro aeronaves deverá voar 45 horas por semana – 8.640 horas por um ano,
no total.
Além disso, devido às
longas distâncias, outro avião voará mais 2,1 mil horas por um ano para
transportar exclusivamente combustível de aviação.
Dos entrepostos,
segundo o termo de referência divulgado no Portal Nacional de Contratações
Públicas (PNCP), quatro helicópteros pequenos, do tipo “esquilo”, ou dois
grandes, do tipo “Bell 212”, levarão as cestas às demais localidades dentro da
terra indígena. Ainda não há definição sobre a quantidade e o modelo dos
helicópteros.
No caso da opção pelos
helicópteros menores, próprios para transportar até uma tonelada, serão 720
horas-voo por mês. No caso dos que têm capacidade de carga maior, de duas
toneladas, 360 horas-voo.
Militares preteridos
Até as novas operações
aéreas entrarem em vigor, a distribuição de cestas básicas na Terra Yanomami
continua sendo feita pelas Forças Armadas, mas uma série de rusgas entre os
militares e o governo Lula fizeram o governo buscar a terceirização do serviço.
Em um relatório
enviado ao Supremo Tribunal Federal em 2022 pelo Serviço de Repressão a Crimes
Contra Comunidades Indígenas da Polícia Federal, ao qual a DW teve acesso, por
exemplo, os policiais reclamam de falta de apoio do Ministério da Defesa e do
Exército, principalmente no fornecimento de aeronaves, para combater invasões
na Terra Yanomami e em outras terras indígenas invadidas por garimpeiros.
Recentemente,
reportagens apontaram a existência de mais de 30 mil cestas básicas encalhadas
em Roraima por falta de ação dos militares no transporte aéreo às aldeias.
O Exército afirma ter
distribuído mais de 36 mil cestas básicas desde janeiro de 2023.
A distribuição de
cestas básicas, bem como a expulsão de invasores, é uma medida definida pela
Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPF) 709, ação que desde
a pandemia busca garantir no Supremo Tribunal Federal a proteção de sete terras
indígenas sob ameaça de invasores.
Segund* o o Centro de
Operações de Emergência (COE) do Ministério da Saúde, mais da metade dos
indígenas mortos na Terra Yanomami até 30 de novembro de 2023 eram crianças de
4 anos ou menos, muitas das quais contaminadas pelo mercúrio do garimpo. As
mortes são ocasionadas, principalmente, por desnutrição, diarreia, doenças
pulmonares e malária – e impulsionadas por garimpeiros que afugentam caças,
poluem os rios e destroem as plantações.
Com 9,6 milhões de
hectares – quase cem vezes o tamanho de Berlim – a Terra Indígena Yanomami
abriga 31 mil indígenas espalhados por 376 comunidades.
• Alvo de garimpeiros
Depois da primeira
expulsão de invasores no ano passado, a terra indígena voltou a ser alvo de
garimpeiros este ano, enquanto os servidores e fiscais do Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) permanecem em greve
por melhores condições de trabalho.
Divulgados pelo
Ministério da Saúde, os dados mais recentes sobre mortalidade na TI Yanomami
(363 em 2023) mostram que houve no ano passado 20 mortes a mais que em 2022
(343), o último ano do governo de Jair Bolsonaro.
Segundo especialistas,
a diferença pode ser explicada pelo aumento no número de registros após mais
equipes serem enviadas ao território com a declaração, em janeiro do ano
passado, de emergência em saúde pública na TI Yanomami. À época, imagens de
crianças indígenas desnutridas percorreram o mundo, o que pressionou o governo
a adotar medidas emergenciais.
Com o desmantelamento
de órgãos de Saúde Indígena nos últimos anos, especialistas apontam também que
houve subnotificação de mortes entre os yanomamis durante o governo anterior, o
que explicaria o número menor de mortes em 2022.
“Seria importante
localizar onde, qual polo-base, as mortes foram registradas, para entender
melhor a situação”, afirma Estêvão Senra, pesquisador do Instituto
Socioambiental (ISA), organização não governamental que defende os direitos dos
povos indígenas. “A regularidade do atendimento varia muito de polo para polo,
assim como a organização dos dados de saúde, prontuário, identificação,
vacinação.”
Entre novembro e
dezembro do ano passado, nos registros do Ministério da Saúde, houve o
incremento de 50 óbitos. “O mais provável é que tenham ocorrido ao longo do ano
e não tenham sido devidamente registrados, pois não sabemos de nenhum evento
que justifique 50 óbitos só em dezembro”, diz Senra.
Ele critica a falta de
dados precisos e a precariedade no “sistema de informação” dos servidores
federais da Saúde Indígena. “Se não visitam as malocas, não é possível saber
das coisas em tempo hábil”, diz o pesquisador.
Fonte: FolhaPress
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