Encontro de Blinken com Milei na Argentina
expõe diferença da reunião com Lula
Os governos de Argentina e
Estados Unidos estão em sintonia a favor de Israel e Ucrânia e contra a
influência de China e a gestão de Nicolás Maduro. Os Estados Unidos têm na
liderança de Javier Milei um contrapeso perante os demais líderes da região,
principalmente Lula. Javier Milei viaja aos Estados Unidos
para participar de conferência conservadora, palanque político de Donald Trump.
O presidente
argentino, Javier Milei, e o secretário de Estado norte-americano, Antony
Blinken, reuniram no final da manhã desta sexta-feira (23/02) na Casa Rosada,
exibindo uma harmonia em relação à agenda internacional, que destoa daquela
que Blinken
teve no Brasil com Lula.
Os Estados Unidos têm
o interesse de reforçar a liderança de Javier Milei, apoiando a recuperação da
economia, mas querem garantias de apego aos direitos humanos e à democracia. O
argentino, por sua vez, precisa manter um equilíbrio fino na política interna
norte-americana: horas depois da reunião com Blinken, Milei viaja a Washington
para participar da conferência conservadora do aliado Donald Trump, adversário
político de Joe Biden.
Segundo a agenda
oficial divulgada pelo Departamento de Estado, Blinken vai abordar assuntos
como “crescimento econômico sustentável, compromisso com os direitos humanos e
com a democracia, minérios críticos e melhora do comércio e do investimento”.
“Antony Blinken quer
conhecer de primeira mão a situação da Argentina e dar um sinal de apoio. É
provável que a Argentina queira um empréstimo adicional do Fundo Monetário
Internacional para o qual os Estados Unidos são a chave. Mas há dois assuntos
caros para os Estados Unidos: direitos humanos e mudanças climáticas. Os
Estados Unidos querem que as reformas aconteçam sob garantias democráticas com
a manutenção de direitos humanos”, explica à RFI o sociólogo
argentino e catedrático em Relações Internacionais na Universidade Di Tella,
Juan Gabriel Tokatlian.
“Para Milei, o apoio
econômico dos Estados Unidos é fundamental para o mercado financeiro, mas, para
os Estados Unidos, a maioria das medidas nas que Milei procurou avançar
afetavam direitos fundamentais, direitos trabalhistas e direitos ambientais”,
acrescenta Tokatlian, uma das maiores referências na América Latina sobre as
relações dos Estados Unidos com os países da região.
·
Preocupação com o plano motosserra de Milei
Javier Milei tem
avançado velozmente com o equilíbrio fiscal do Estado, aplicando uma receita
que combina corte do gasto público com diluição de salários e aposentadorias.
Com isso, a pobreza também tem crescido velozmente como consequência de uma
inflação de dois dígitos mensais e de uma estagnação do poder aquisitivo.
O Subsecretário de
Estado para o Hemisfério Ocidental, Brian Nichols, destacou “o esforço de Milei
para reformar a economia argentina”, mas também sublinhou “a importância de
proteger os mais vulneráveis da sociedade”.
Javier Milei é um
crítico da denominada “justiça social” e despreza a agenda climática. Até nega
que seja a ação do homem a razão para as alterações do clima.
Quanto ao capítulo
“minérios críticos”, a Argentina já se tornou o maior fornecedor
latino-americano de lítio aos Estados Unidos.
“A Argentina quer ter
menos vínculo com a China em matéria de recursos críticos, enquanto existe mais
interesse dos Estados Unidos em matéria energética. Blinken pretende abrir um
espaço para a Argentina no mundo dos negócios”, aponta Tokatlian.
·
Sintonia em política externa
Em termos de política
externa, a sintonia entre os governos de Joe Biden e de Javier Milei é total.
Basicamente, Javier Milei é um aliado incondicional dos Estados Unidos e de
Israel, em detrimento de qualquer vínculo com
China, Rússia ou Venezuela. Até mesmo a estratégica e histórica aliança da
Argentina com o Brasil foi posta no freezer, sobretudo por ser conduzida pelo
presidente Lula, adversário do aliado de Milei, o ex-presidente Jair Bolsonaro.
“Milei tem procurado
uma relação estreita com os Estados Unidos desde a campanha eleitoral do ano
passado. De repente, Washington se topou com uma situação inesperada de um
governo abertamente pró-Estados Unidos”, destaca Tokatlian.
Milei acoplou a sua agenda internacional à agenda dos Estados
Unidos e de Israel. A tradução desse acoplamento é uma
posição a favor da Ucrânia e contra a Rússia de Vladimir Putin, contra a
influência geopolítica da China, mesmo sendo a China o segundo maior importador
de produtos argentinos, contra a Venezuela de Nicolás Maduro e contra até mesmo
a entrada já aprovada da Argentina no BRICS, por considerar que o bloco seja um
instrumento geopolítico da China.
“Washington quer
testar a Argentina e conhecer qual é o compromisso de estreita aproximação de
Milei e ver até onde chega essa vontade de distanciamento da China”, indica o
especialista Juan Gabriel Tokatlian.
Diante do conflito
entre Israel e o Hamas, Milei é a favor do direito irrestrito de Israel de se
defender. A aliança com Israel é, aliás, ideológica e espiritual.
Na Argentina de Milei,
os ataques de Israel ao Hamas nunca seriam comparados ao Holocausto como fez
Lula.
·
Contrapeso com Lula
Segundo Juan Gabriel
Tokatlian, os Estados Unidos não procuram um contrapeso a Lula na região, até
porque a Argentina não tem no cenário internacional o mesmo peso do que o
Brasil. No entanto, a visão diametralmente oposta entre as duas posturas
naturalmente marca uma diferenciação.
Tokatlian sublinha que
“não sobram hoje na América Latina líderes dispostos a defender abertamente os
ataques de Israel”, citando os casos dos presidentes de Colômbia, Chile e
México, críticos dos ataques de Israel na Faixa de Gaza.
A voz de Milei tem,
portanto, um conteúdo que interessa aos Estados Unidos ecoar. Como a vinda de
Blinken acontece logo após a declaração de Lula e a visita ao Brasil nesta
semana, o contraste é natural.
Atualmente, na América
Latina, não aparecem líderes dispostos a conter a China nem os que condenam,
explicitamente, a gestão de Nicolás Maduro.
“Seguramente, Blinken
vai dar os parabéns a Milei pela política de princípios e de compromisso, mas
não acredito que esse contraponto com o Brasil seja estratégico para os Estados
Unidos. Se virmos as votações dos países da América Latina na Assembleia Geral
da ONU no que se refere à Faixa de Gaza, veremos que o único país que mudou de
posição foi a Argentina. Então, os Estados Unidos têm agora um parceiro que
pensa igual, mas isso não chega a ter um impacto regional”, avalia Tokatlian.
·
Viagem ao berço conservador de Trump
Antony Blinken deve
partir de Buenos Aires no meio da tarde. À noite, Javier Milei viaja a
Washington para participar, no sábado, da Conferência de Ação Política
Conservadora, que acontece em Maryland.
“Milei vai a uma
reunião de ultraconservadores para abraçar a agenda de Trump. Isso inquieta o
governo Biden”, considera Tokatlian.
No sábado (24/02), por
volta do meio-dia, Donald Trump, adversário de Joe Biden, dará, nessa
conferência, um discurso de campanha. Três horas depois de Trump, Javier Milei
fará uma palestra.
Para manter um
equilíbrio entre o republicano e o democrata, Milei fará uma palestra técnica
sobre economia, evitando uma reunião bilateral com Trump. É possível que haja
uma foto entre Milei e Trump, mas o presidente argentino deve cuidar para não
dar um apoio explícito ao seu preferido.
“As preferências de
Milei são evidentemente maiores com Trump, mas, no curto prazo, Milei precisa
de Biden. Milei precisa conviver com um governo democrata, mas ama um governo
republicano”, conclui Juan Gabriel Tokatlian em entrevista à RFI.
Ø
Governo Milei fecha instituto contra
discriminação, xenofobia e racismo
O governo argentino de
Javier Milei decidiu, nesta quinta-feira (22/02), fechar o Instituto Nacional
contra a Discriminação, a Xenofobia e o Racismo (Inadi), informou o porta-voz
da Presidência, Manuel Adorni, em coletiva de imprensa.
"Foi tomada a
decisão de avançar com o desmantelamento de institutos que não servem
absolutamente para nada, como o Inadi", disse Adorni ao enquadrar o
fechamento da organização no plano de redução do Estado do presidente
ultraliberal, Javier Milei.
O porta-voz do governo
Milei questionou ainda a "idoneidade" daqueles que conduzem
determinados institutos governamentais e considerou que são "caixas
políticas ou lugares para gerar empregos militantes".
Criado em 1995 pela
Lei de Atos Discriminatórios (24.515), o Inadi é um órgão descentralizado do
governo ligado ao Ministério da Justiça e Direitos Humanos argentina e tem como
objetivo a elaboração de políticas nacionais para combater “toda forma de discriminação,
xenofobia e racismo”.
Em novembro de 2023, o
Inadi lançou um novo canal de comunicação para denúncias via Whatsapp, que
permitia que a população solicitasse assessoria diante de situações de
discriminação e solicitasse informações sobre as capacitações oferecidas pelo
órgão.
Fonte: RFI
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