Abin é reformulada sob Lula em meio a turbulência do 8/1 e investigação
da PF
A Abin (Agência Brasileira de Inteligência) passou
o primeiro ano do terceiro mandato de Lula (PT) por um processo de reestruturação
que coincidiu com momentos de turbulência que incluíram os ataques de 8 de
janeiro e até uma operação de busca e apreensão feita em sua sede pela Polícia
Federal.
Dois decretos presidenciais publicados em setembro
e dezembro remodelam o Sistema Brasileiro de Inteligência e a própria agência
com o objetivo, segundo seus gestores, de organizar melhor as atribuições e
tornar a produção de informação efetiva, segura, rastreável e auditável.
Criada em 1999, alguns anos após a extinção do SNI
(Serviço Nacional de Informações, o órgão de espionagem da ditadura militar), a
Abin esteve em quase toda a sua existência sob o guarda-chuva dos militares, à
exceção de um breve período em 2015 e 2016, no governo Dilma Rousseff (PT),
quando ficou subordinada à Secretaria de Governo.
Sob Lula 3, ela saiu novamente das mãos dos
militares (Gabinete de Segurança Institucional) e foi para a Casa Civil --sendo
que o petista escolheu para a direção-geral um antigo auxiliar, Luiz Fernando
Corrêa, diretor-geral da Polícia Federal durante seu segundo mandato.
Apesar de ter produzido cerca de 30 alertas sobre a
possibilidade de ataques às sedes dos três Poderes às vésperas das invasões de
8 de janeiro, a informalidade da comunicação com as demais autoridades, por
meio de mensagens distribuídas pelo WhatsApp (individualmente ou em grupos), é
apontada como um dos procedimentos falhos que acabaram sendo revistos.
"Diferentemente dos relatórios [de
inteligência], os alertas [por WhatsApp] não são tratados com profundidade do
ponto de vista institucional, sendo apenas 'indicativos' de eventos possíveis,
espécie qualificada de 'fofoca institucional'", afirma relatório final da
CPI do 8 de Janeiro.
"O fato atesta, em larga medida, o grau de
desorganização e irrelevância a que chegou a Abin. O próprio ministro-chefe do
Gabinete de Segurança Institucional no governo Bolsonaro, general Augusto
Heleno,
disse a esta CPMI que não lia os informes da
agência."
O processo de aprovação do nome de Luiz Fernando
Corrêa para chefiar a agência de inteligência representou um segundo ponto de
tensão.
Desde a transição havia uma ala dos auxiliares de
Lula que gostaria de acomodar Abin e PF (subordinada ao Ministério da Justiça)
debaixo de uma mesma hierarquia.
Lula preferiu mantê-las separadas e, segundo
relatos, encomendou uma reformulação da Abin nos moldes da ocorrida na PF em
suas gestões anteriores.
Corrêa teve o nome aprovado pela Comissão de
Relações Exteriores do Senado em maio, dois meses depois de sua indicação por
Lula.
Havia uma resistência do presidente do colegiado, o
senador Renan Calheiros (MDB-AL), com as escolhas dos números 2 e 3 na agência,
considerados por integrantes do governo como bolsonaristas. Renan só marcou a
sabatina após pedido do próprio Lula e com a sinalização do governo de que não
haveria recuo.
O número 3 da agência seria, cerca de cinco meses e
meio depois, um dos pivôs da operação da Polícia Federal que mirou suposto uso
ilegal de um software de monitoramento durante o governo Jair Bolsonaro (PL) e
que expôs o mal-estar entre as cúpulas das duas instituições, Abin e PF.
Os investigadores encontraram na casa de Paulo
Maurício Fortunato Pinto US$ 171 mil em espécie. Ele acabou exonerado.
Reservadamente, agentes da Abin afirmam que a ação
da PF na sede da agência teve o objetivo de promover desgaste político, já que
o órgão estaria colaborando e enviando informações periódicas sobre o caso à
polícia e à Justiça.
O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, é delegado
da PF e coordenou a equipe de segurança de Lula na campanha. Nos bastidores, é
apontado como crítico da indicação dos subordinados de Corrêa.
Dias depois da operação, o diretor-geral da Abin
compareceu ao Congresso para dar explicações em uma reunião fechada na CCAI
(Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência), ocasião em que
teve a permanência no cargo questionada por Renan.
O principal decreto de reformulação preparado pela
gestão de Corrêa e assinado por Lula, o 11.693/2023, estabeleceu melhor as
competências da Abin como o órgão central do Sisbin (Sistema Brasileiro de
Inteligência), dividindo os demais órgãos que compõem o sistema em quatro
categorias: permanentes, dedicados, associados e federados.
Os órgãos federais permanentes são aqueles
"com competências relativas à governabilidade, à defesa externa, à
segurança interna e às relações exteriores do país". A medida também
permite a adesão de governos estaduais e municipais.
No início de dezembro foi publicado o segundo
decreto preparado pela equipe de Corrêa e assinado por Lula, o 11.816/2023, que
promove a reestruturação da Abin em si e entra em vigor agora em janeiro.
O processo de reformulação também incluiu um
fortalecimento da Escola de Inteligência, que teve a matriz curricular
atualizada e cujo comando foi entregue por Corrêa ao professor Marco Cepik,
considerado um dos principais pesquisadores da área de inteligência
governamental.
A escola mantém ligação com universidades e centros
de pesquisa, produziu a nova doutrina da atividade de inteligência e chegou a
promover em agosto evento com o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo
Tribunal Federal), que falou sobre "o futuro das instituições
democráticas".
De acordo com integrantes da agência, o objetivo
principal das medidas é tornar a Abin uma instituição de estado que suporte
trocas de governo, com um sistema de produção e transmissão de informações
entre as autoridades de governo que seja seguro, rastreável e auditável da
origem ao fim.
Ainda em processo de implantação, esse sistema deve
contar com uma plataforma digital com criptografia de estado.
Outro objetivo seria reforçar os mecanismos de
fiscalização por parte do Congresso, o que contribuiria para a estruturação de
um órgão mais confiável, auditável e menos passível de interferência política.
Só aí seria possível haver pleitos no Congresso por
mais capacidade operacional --o software israelense de monitoramento de
localização FirstMile deixou de ser usado e 2021 e não foi substituído, segundo
a Abin-- e outras demandas, como a criação de um setor no Judiciário
especializado em inteligência.
Para 2024, dizem essas pessoas, o objetivo será a
conclusão da reformulação, com foco também em temas como meio ambiente,
políticas públicas, segurança interna e externa, relações exteriores e
enfrentamento a ameaças cibernéticas, extremismo e crime organizado.
PGR
cita suspeita de corrupção de Ramagem na Abin sob Bolsonaro em caso de software
espião
A PGR (Procuradoria-Geral da República) cita a
suspeita de que Alexandre Ramagem, diretor da Abin (Agência Brasileira de
Inteligência) no governo de Jair Bolsonaro e cotado para disputar a Prefeitura
do Rio de Janeiro, se corrompeu para evitar a divulgação de informações sobre o
uso irregular do software espião durante sua gestão.
Informações sobre a atuação de Ramagem, amigo
pessoal da família Bolsonaro, foram utilizadas pelos investigadores para
deflagrar a Operação Última Milha, em 20 de outubro, quando a Polícia Federal
prendeu oficiais da agência e servidores foram afastados. Todos são suspeitos
de participação na compra e uso do First Mile, software capaz de monitorar a
geolocalização de aparelhos celulares.
Ramagem, atualmente deputado federal pelo PL, não
foi alvo da ação, mas é citado no inquérito relatado pelo ministro Alexandre de
Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
Procurado pela reportagem, Ramagem afirmou, por
meio de sua assessoria, que "representou na Polícia Federal" para
obter informações sobre as questões abordadas na reportagem.
O uso do First Mile veio a público após o jornal O
Globo revelar que dois servidores da Abin envolvidos em uma suposta fraude
licitatória no Exército citaram a utilização da ferramenta pela agência no
processo em que seriam demitidos.
Os dois servidores foram presos na operação da PF e
demitidos no mesmo dia. Eles são suspeitos de coerção ao utilizar o
conhecimento sobre o uso do software espião para evitar a demissão em um
processo disciplinar interno.
A dupla era investigada internamente por atuar em
uma licitação do Exército utilizando uma empresa em nome de parentes.
Eduardo Izycki e Rodrigo Colli, diz a PGR,
"cientes do uso indevido do sistema First Mile para fins alheios a missão
institucional da Abin provocaram o ex-diretor-geral, Alexandre Ramagem, a
retardar o julgamento do PAD 03/2019".
O ex-diretor, segundo a Procuradoria, teria
convertido o julgamento em diligência, com a nomeação de nova comissão
processante, e deixado de submeter as conclusões da primeira comissão ao
ministro do Gabinete de Segurança Institucional, responsável por apreciar e
decidir sobre esses casos.
"Há indícios de prática de concussão e de
corrupção ativa de Eduardo Izycki e Rodrigo Colli e de corrupção passiva pelo
ex-diretor-geral da Abin Alexandre Ramagem", diz a PGR.
O advogado Rafael Adamek, que atua na defesa de
Izycki e Colli, afirmou que as investigações tramitam sob sigilo e, em razão
disso, não comentaria o caso.
O ministro Alexandre de Moraes, ao acatar pedido da
PF para prisão, atrela a necessidade da medida à busca de provas sobre
"quais elementos estão em posse destes (Izycky e Colli) a ponto de fazer o
ex-diretor Alexandre Ramagem praticar atos administrativos fora de sua
competência na defesa destes".
Sobre a compra e uso do software, a PF diz que
Ramagem está entre os responsáveis pelas ações e omissões e faz parte do
"núcleo da alta gestão", integrado por policiais federais lotados em
cargos de assessoramento e direção na Abin durante o governo Bolsonaro.
"A potencial ciência e participação dos então
responsáveis pela gestão da Abin ganha relevo quando, em ação extemporânea após
o esgotamento do uso da ferramenta, constroem processo administrativo correicional para garantir a legalidade a posteriori de sua ações", diz a PF.
A suspeita é de que todas as irregularidades
praticadas desde a compra, ainda no governo de Michel Temer, em 2018, passando
pelo uso e as tentativas de evitar a apuração interna resultaram no
monitoramento de diversas pessoas sem relação com o trabalho da Abin entre 2019
e 2021.
Para a PF, os fatos apurados apontam para a
"apropriação indevida da Abin por parte dos altos gestores, em sua maioria
policiais federais, com o fim de reduzir o órgão ápice do sistema brasileiro de
inteligência a instrumento para fins ilícitos".
A PF afirma que desde o início a Abin sabia do
caráter invasivo do software e de sua capacidade de invadir a rede de telefonia
nacional.
Para os investigadores, já na proposta comercial, a
empresa vendedora informou o uso pela ferramenta de "estrutura de
telefonia no exterior (SS7) para simular chamadas em roaming, inclusive
valendo-se de envios de SMS Spoofing, resultando na manipulação dos sinais da
rede de telefonia".
"O Estado brasileiro, portanto, efetuou o
pagamento de R$ 5 milhões para empresa estrangeira realizar ataques
sistemáticos à rede de telefonia nacional para comercializar dados pessoais
sensíveis que resultaram na disponibilização da geolocalização de diversos
cidadãos brasileiros sem qualquer ordem jurídica", afirma a PF.
Entre os alvos, a PF cita professores, advogados,
políticos e outros, sem detalhar a identidade de cada um.
Em outubro, a Abin afirmou que a ferramenta deixou
de ser usada em maio de 2021, e que colabora com a PF e o STF desde o início
das apurações. A PF também decidiu investigar o Exército depois que a Folha de
S.Paulo mostrou que a instituição havia adquirido o sistema.
Fonte: FolhaPress
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