quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Abin é reformulada sob Lula em meio a turbulência do 8/1 e investigação da PF

A Abin (Agência Brasileira de Inteligência) passou o primeiro ano do terceiro mandato de Lula (PT) por um processo de reestruturação que coincidiu com momentos de turbulência que incluíram os ataques de 8 de janeiro e até uma operação de busca e apreensão feita em sua sede pela Polícia Federal.

Dois decretos presidenciais publicados em setembro e dezembro remodelam o Sistema Brasileiro de Inteligência e a própria agência com o objetivo, segundo seus gestores, de organizar melhor as atribuições e tornar a produção de informação efetiva, segura, rastreável e auditável.

Criada em 1999, alguns anos após a extinção do SNI (Serviço Nacional de Informações, o órgão de espionagem da ditadura militar), a Abin esteve em quase toda a sua existência sob o guarda-chuva dos militares, à exceção de um breve período em 2015 e 2016, no governo Dilma Rousseff (PT), quando ficou subordinada à Secretaria de Governo.

Sob Lula 3, ela saiu novamente das mãos dos militares (Gabinete de Segurança Institucional) e foi para a Casa Civil --sendo que o petista escolheu para a direção-geral um antigo auxiliar, Luiz Fernando Corrêa, diretor-geral da Polícia Federal durante seu segundo mandato.

Apesar de ter produzido cerca de 30 alertas sobre a possibilidade de ataques às sedes dos três Poderes às vésperas das invasões de 8 de janeiro, a informalidade da comunicação com as demais autoridades, por meio de mensagens distribuídas pelo WhatsApp (individualmente ou em grupos), é apontada como um dos procedimentos falhos que acabaram sendo revistos.

"Diferentemente dos relatórios [de inteligência], os alertas [por WhatsApp] não são tratados com profundidade do ponto de vista institucional, sendo apenas 'indicativos' de eventos possíveis, espécie qualificada de 'fofoca institucional'", afirma relatório final da CPI do 8 de Janeiro.

"O fato atesta, em larga medida, o grau de desorganização e irrelevância a que chegou a Abin. O próprio ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional no governo Bolsonaro, general Augusto Heleno,

disse a esta CPMI que não lia os informes da agência."

O processo de aprovação do nome de Luiz Fernando Corrêa para chefiar a agência de inteligência representou um segundo ponto de tensão.

Desde a transição havia uma ala dos auxiliares de Lula que gostaria de acomodar Abin e PF (subordinada ao Ministério da Justiça) debaixo de uma mesma hierarquia.

Lula preferiu mantê-las separadas e, segundo relatos, encomendou uma reformulação da Abin nos moldes da ocorrida na PF em suas gestões anteriores.

Corrêa teve o nome aprovado pela Comissão de Relações Exteriores do Senado em maio, dois meses depois de sua indicação por Lula.

Havia uma resistência do presidente do colegiado, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), com as escolhas dos números 2 e 3 na agência, considerados por integrantes do governo como bolsonaristas. Renan só marcou a sabatina após pedido do próprio Lula e com a sinalização do governo de que não haveria recuo.

O número 3 da agência seria, cerca de cinco meses e meio depois, um dos pivôs da operação da Polícia Federal que mirou suposto uso ilegal de um software de monitoramento durante o governo Jair Bolsonaro (PL) e que expôs o mal-estar entre as cúpulas das duas instituições, Abin e PF.

Os investigadores encontraram na casa de Paulo Maurício Fortunato Pinto US$ 171 mil em espécie. Ele acabou exonerado.

Reservadamente, agentes da Abin afirmam que a ação da PF na sede da agência teve o objetivo de promover desgaste político, já que o órgão estaria colaborando e enviando informações periódicas sobre o caso à polícia e à Justiça.

O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, é delegado da PF e coordenou a equipe de segurança de Lula na campanha. Nos bastidores, é apontado como crítico da indicação dos subordinados de Corrêa.

Dias depois da operação, o diretor-geral da Abin compareceu ao Congresso para dar explicações em uma reunião fechada na CCAI (Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência), ocasião em que teve a permanência no cargo questionada por Renan.

O principal decreto de reformulação preparado pela gestão de Corrêa e assinado por Lula, o 11.693/2023, estabeleceu melhor as competências da Abin como o órgão central do Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência), dividindo os demais órgãos que compõem o sistema em quatro categorias: permanentes, dedicados, associados e federados.

Os órgãos federais permanentes são aqueles "com competências relativas à governabilidade, à defesa externa, à segurança interna e às relações exteriores do país". A medida também permite a adesão de governos estaduais e municipais.

No início de dezembro foi publicado o segundo decreto preparado pela equipe de Corrêa e assinado por Lula, o 11.816/2023, que promove a reestruturação da Abin em si e entra em vigor agora em janeiro.

O processo de reformulação também incluiu um fortalecimento da Escola de Inteligência, que teve a matriz curricular atualizada e cujo comando foi entregue por Corrêa ao professor Marco Cepik, considerado um dos principais pesquisadores da área de inteligência governamental.

A escola mantém ligação com universidades e centros de pesquisa, produziu a nova doutrina da atividade de inteligência e chegou a promover em agosto evento com o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), que falou sobre "o futuro das instituições democráticas".

De acordo com integrantes da agência, o objetivo principal das medidas é tornar a Abin uma instituição de estado que suporte trocas de governo, com um sistema de produção e transmissão de informações entre as autoridades de governo que seja seguro, rastreável e auditável da origem ao fim.

Ainda em processo de implantação, esse sistema deve contar com uma plataforma digital com criptografia de estado.

Outro objetivo seria reforçar os mecanismos de fiscalização por parte do Congresso, o que contribuiria para a estruturação de um órgão mais confiável, auditável e menos passível de interferência política.

Só aí seria possível haver pleitos no Congresso por mais capacidade operacional --o software israelense de monitoramento de localização FirstMile deixou de ser usado e 2021 e não foi substituído, segundo a Abin-- e outras demandas, como a criação de um setor no Judiciário especializado em inteligência.

Para 2024, dizem essas pessoas, o objetivo será a conclusão da reformulação, com foco também em temas como meio ambiente, políticas públicas, segurança interna e externa, relações exteriores e enfrentamento a ameaças cibernéticas, extremismo e crime organizado.

 

       PGR cita suspeita de corrupção de Ramagem na Abin sob Bolsonaro em caso de software espião

 

A PGR (Procuradoria-Geral da República) cita a suspeita de que Alexandre Ramagem, diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) no governo de Jair Bolsonaro e cotado para disputar a Prefeitura do Rio de Janeiro, se corrompeu para evitar a divulgação de informações sobre o uso irregular do software espião durante sua gestão.

Informações sobre a atuação de Ramagem, amigo pessoal da família Bolsonaro, foram utilizadas pelos investigadores para deflagrar a Operação Última Milha, em 20 de outubro, quando a Polícia Federal prendeu oficiais da agência e servidores foram afastados. Todos são suspeitos de participação na compra e uso do First Mile, software capaz de monitorar a geolocalização de aparelhos celulares.

Ramagem, atualmente deputado federal pelo PL, não foi alvo da ação, mas é citado no inquérito relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

Procurado pela reportagem, Ramagem afirmou, por meio de sua assessoria, que "representou na Polícia Federal" para obter informações sobre as questões abordadas na reportagem.

O uso do First Mile veio a público após o jornal O Globo revelar que dois servidores da Abin envolvidos em uma suposta fraude licitatória no Exército citaram a utilização da ferramenta pela agência no processo em que seriam demitidos.

Os dois servidores foram presos na operação da PF e demitidos no mesmo dia. Eles são suspeitos de coerção ao utilizar o conhecimento sobre o uso do software espião para evitar a demissão em um processo disciplinar interno.

A dupla era investigada internamente por atuar em uma licitação do Exército utilizando uma empresa em nome de parentes.

Eduardo Izycki e Rodrigo Colli, diz a PGR, "cientes do uso indevido do sistema First Mile para fins alheios a missão institucional da Abin provocaram o ex-diretor-geral, Alexandre Ramagem, a retardar o julgamento do PAD 03/2019".

O ex-diretor, segundo a Procuradoria, teria convertido o julgamento em diligência, com a nomeação de nova comissão processante, e deixado de submeter as conclusões da primeira comissão ao ministro do Gabinete de Segurança Institucional, responsável por apreciar e decidir sobre esses casos.

"Há indícios de prática de concussão e de corrupção ativa de Eduardo Izycki e Rodrigo Colli e de corrupção passiva pelo ex-diretor-geral da Abin Alexandre Ramagem", diz a PGR.

O advogado Rafael Adamek, que atua na defesa de Izycki e Colli, afirmou que as investigações tramitam sob sigilo e, em razão disso, não comentaria o caso.

O ministro Alexandre de Moraes, ao acatar pedido da PF para prisão, atrela a necessidade da medida à busca de provas sobre "quais elementos estão em posse destes (Izycky e Colli) a ponto de fazer o ex-diretor Alexandre Ramagem praticar atos administrativos fora de sua competência na defesa destes".

Sobre a compra e uso do software, a PF diz que Ramagem está entre os responsáveis pelas ações e omissões e faz parte do "núcleo da alta gestão", integrado por policiais federais lotados em cargos de assessoramento e direção na Abin durante o governo Bolsonaro.

"A potencial ciência e participação dos então responsáveis pela gestão da Abin ganha relevo quando, em ação extemporânea após o esgotamento do uso da ferramenta, constroem processo administrativo correicional para garantir a legalidade a posteriori de sua ações", diz a PF.

A suspeita é de que todas as irregularidades praticadas desde a compra, ainda no governo de Michel Temer, em 2018, passando pelo uso e as tentativas de evitar a apuração interna resultaram no monitoramento de diversas pessoas sem relação com o trabalho da Abin entre 2019 e 2021.

Para a PF, os fatos apurados apontam para a "apropriação indevida da Abin por parte dos altos gestores, em sua maioria policiais federais, com o fim de reduzir o órgão ápice do sistema brasileiro de inteligência a instrumento para fins ilícitos".

A PF afirma que desde o início a Abin sabia do caráter invasivo do software e de sua capacidade de invadir a rede de telefonia nacional.

Para os investigadores, já na proposta comercial, a empresa vendedora informou o uso pela ferramenta de "estrutura de telefonia no exterior (SS7) para simular chamadas em roaming, inclusive valendo-se de envios de SMS Spoofing, resultando na manipulação dos sinais da rede de telefonia".

"O Estado brasileiro, portanto, efetuou o pagamento de R$ 5 milhões para empresa estrangeira realizar ataques sistemáticos à rede de telefonia nacional para comercializar dados pessoais sensíveis que resultaram na disponibilização da geolocalização de diversos cidadãos brasileiros sem qualquer ordem jurídica", afirma a PF.

Entre os alvos, a PF cita professores, advogados, políticos e outros, sem detalhar a identidade de cada um.

Em outubro, a Abin afirmou que a ferramenta deixou de ser usada em maio de 2021, e que colabora com a PF e o STF desde o início das apurações. A PF também decidiu investigar o Exército depois que a Folha de S.Paulo mostrou que a instituição havia adquirido o sistema.

 

Fonte: FolhaPress

 

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