Hidrogel cicatriza feridas em pessoas com diabetes, mostra pesquisa
brasileira
Cientistas brasileiros formularam um hidrogel de
baixo custo com propriedades anti-inflamatórias que poderá ser utilizado no tratamento
de feridas crônicas na pele, principalmente as que afetam pessoas com diabetes.
Os resultados são promissores, embora a pesquisa esteja em fase
pré-clínica, quando os testes são feitos em animais. O trabalho foi
desenvolvido por uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), com apoio da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Nos testes, os cientistas descobriram que um
peptídeo presente na proteína anexina A1, conhecida por suas propriedades
anti-inflamatórias, poderia ser armazenado e agregado, posteriormente, a
um hidrogel. Ao aplicar a substância em ferimentos de ratos em situação
diabética simulada, a equipe percebeu que elas começaram a melhorar depois dos
três primeiros dias de aplicação. Em duas semanas, estavam completamente
cicatrizadas.
"Nossas conclusões mostraram a eficiência da
formulação indicando que a composição é biologicamente compatível e eficiente
na cicatrização de feridas diabéticas, o que torna o peptídeo promissor para
ampliação do arsenal terapêutico no tratamento das lesões cutâneas, com
custo viável", afirma Sonia Maria Oliani, membro do Instituto de
Biociências, Letras e Ciências Exatas da Unesp e coordenadora do estudo.
O diabetes é uma das condições mais
prejudiciais à cicatrização, conforme Michel Fleith Otuki, professor do
programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas e Farmacologia da
Universidade Federal do Paraná (UFPR). "O organismo do paciente diabético
tem dificuldade de fazer as células do sistema imune matarem os
micro-organismos que estão tentando entrar naquela ferida, o que gera um
processo infeccioso. Além disso, o paciente diabético tem dificuldade de
produzir novas células no local do ferimento", esclarece.
·
Inflamações
A vantagem do peptídeo A1 2-26, usado no hidrogel,
é que ele consegue aumentar a resposta imune do organismo ao incentivar a
proliferação de queratinócitos, células que produzem queratina, substância
responsável por dar firmeza, elasticidade e resistência à pele. O peptídeo
utilizado pelos pesquisadores ainda reduz a quantidade de macrófagos, células
brancas que atuam nos processos inflamatórios. Dessa forma, é possível
regenerar a pele mais rapidamente e evitar a inflamação da região.
Em caso de não cicatrização, as feridas diabéticas
causam processos inflamatórios graves, o que pode resultar em extirpações
dos membros afetados. No período de janeiro de 2012 a maio de 2023, mais de 282
mil cirurgias de amputação de pernas ou pés foram efetuadas no Brasil pelo
Sistema Único de Saúde (SUS). Mais da metade dos casos envolveram pessoas com a
doença metabólica, segundo a a Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia
Vascular (SBACV).
·
Funcionamento
Um gel é uma substância de consistência gelatinosa
que transporta dentro dela outras partículas. "É como se fosse uma
rede de pesca, uma gaiola capaz de capturar e conduzir outras pequenas
substâncias químicas", explica Ubiracir Lima, membro do Conselho Federal
de Química (CFQ).
No caso dos hidrogéis, as substâncias transportadas
precisam necessariamente ser solúveis em água, pois ela é a base da solução
— como se fosse o "tecido" da rede, que mantém todas as
moléculas unidas. Quando desenvolvidos para aplicação na pele, os hidrogéis
auxiliam na remoção de fragmentos da pele danificada e na renovação das células
mortas ou afetadas por infecções. "Por ser um material maleável, o gel se
molda facilmente à superfície de pela ferida, proporcionando maior contato das
substâncias químicas utilizadas na formulação com propriedades terapêuticas
transportadas na sua rede", completa Lima.
Atualmente, os produtos utilizados no tratamento
das cicatrizes diabéticas são os mesmos usados para pessoas não diabéticas:
pomadas, cremes e anti-inflamatórios. O novo hidrogel, se passar pela fase
clínica e for fácil de produzir em larga escala, poderá ser uma alternativa
para os ferimentos específicos de pacientes com a doença.
·
Testes
Ainda há estudos em andamento que devem ser
concluídos antes de se iniciar a testagem em humanos, conforme a coordenadora
da pesquisa, Sonia Oliani. No entanto, caso o hidrogel seja aprovado na fase
clínica, poderá ser comercializado como pomada ou creme dermatológico com preço
acessível, visto que os materiais utilizados para a produção do
gel têm baixo custo.
"Isso seria uma inovação muito boa. Não só
para o Brasil, mas para o mundo inteiro. Quem tem diabetes tem uma síndrome
metabólica, com problemas cardiovasculares, como a hipertensão Enfim, todo um
contexto que acaba gerando um custo altíssimo. Não só para o sistema. Mas de
qualidade de vida para a pessoa", ressalta o professor Michel Fleith
Otuki, da UFPR.
<<<<< Três perguntas
para André Vianna, coordenador da Sociedade Brasileira de Diabetes
·
Quais tipos de feridas são mais propensas a causar
complicações em pessoas com diabetes?
As feridas que se encontram na parte de baixo
(sola) dos pés e nos dedos devido à pressão a que elas são submetidas pelo peso
corporal. As feridas que apresentam infecção são ainda mais perigosas.
·
A diabetes pode afetar a sensação de dor e a
cicatrização de feridas?
Sim, o diabetes pode causar duas complicações
chamadas neuropatia e doença vascular periférica, que podem causar a perda da
sensibilidade e reduzir a cicatrização das feridas.
·
Como as pessoas com diabetes podem prevenir
complicações na cicatrização?
Olhar os pés diariamente. Ao perceber qualquer
lesão, ferida, rachadura, calo ou sinal de inflamação, procurar um médico
imediatamente. Porém, manter o diabetes sob controle é o ponto principal para
evitar as condições que causam problemas na cicatrização.
Fonte: Correio Braziliense
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