“Até 2030, o mundo do trabalho passará por um tsunami”, afirma Muriel
Pénicaud, ex-ministra francesa do Trabalho
Ex-ministra do Trabalho da França (2017-2020),
Muriel Pénicaud liderou uma grande reforma da formação profissional, da
aprendizagem e da CPF (Conta de Formação Profissional). Durante anos
embaixadora junto à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico), é atualmente presidente do Fundo Sakura e continua a estudar de
perto a evolução no mundo do trabalho, da educação e da formação.
Convidada por We Demain e we are_ no âmbito do
evento prospectivo we are_ Demain, ela detalhou o que pensa sobre o mundo do
trabalho, da formação e da educação em 2050. Se ela admite que não pode fazer
projeções precisas para daqui a 25 anos, explica, no entanto, que já temos uma
boa ideia do que está por vir em 2030 e 2040.
Muriel Pénicaud fala em um “tsunami do trabalho”
que se aproxima. Não será um tsunami devastador, mas quatro ondas que virão
simultaneamente para alterar a nossa vida cotidiana. É a conjunção destas
quatro mudanças que criará uma convulsão muito significativa no mundo do
trabalho. Obviamente, isto envolve riscos, mas também muitas oportunidades e
criação de novo valor.
>>> Transição ecológica e IA: duas ondas
que vão abalar o mercado de trabalho
• Onda
1: a transição ecológica
“A primeira onda é obviamente a transição
ecológica. Isto terá consequências importantes em termos de emprego. Seja na
agricultura, no setor agroalimentar, na energia, na construção ou mesmo na
indústria automobilística. Mas também sobre a água, a gestão ambiental, as
finanças (finanças verdes, sustentáveis), etc. Para dar um exemplo das mudanças
nas competências, é preciso compreender que hoje, na Índia ou na Polônia, 80%
da energia provém do carvão. Um trabalhador do carvão na Silésia (Polônia) não
se tornará técnico nuclear ou em turbinas eólicas da noite para o dia. As
mudanças podem por vezes até ser geográficas: as energias verdes não serão
necessariamente produzidas nos mesmos países. Frequentemente, eles serão
realocados. Esta enorme frente irá produzir muitos novos empregos”.
• Onda
2: a inteligência artificial
“A segunda onda clara é a inteligência artificial
no sentido amplo, tudo o que acontece do ponto de vista tecnológico. Quase da
noite para o dia, com a chegada do ChatGPT, tornou-se real para todos, enquanto
a transição ecológica é muito mais abstrata. A IA terá enormes consequências
com empregos sendo destruídos, criados ou transformados. Muitas profissões
serão transformadas, algumas de forma muito significativa”.
“Isso permite economizar tempo na execução das
tarefas, mas a grande questão é: tempo para quê? Isso desloca o valor. Por
outro lado, se a IA é muito boa na análise, ainda não é tão boa nos aspectos
emocionais e criativos. Podemos, portanto, imaginar que em termos de saúde
poderíamos ganhar tempo nos diagnósticos para dedicar mais tempo à relação
humana com o paciente. Ainda precisamos considerar isto como uma mais-valia e
não aproveitar esta economia de tempo para reduzir ainda mais o número de
pessoal da enfermagem...”.
>>>> A demografia e as mudanças nas
relações no trabalho: forte impacto sobre a população economicamente ativa
• Onda
3: as mudanças demográficas
“Nesta questão, até agora a França foi poupada, mas
agora o nosso país está, por sua vez, assistindo ao declínio da taxa de
natalidade. Um declínio que afeta todos os países do Norte: América do Norte,
Europa, Rússia, China, Japão. Duas consequências: o envelhecimento da
população, que traz necessidades sociais e médicas muito maiores. Por todo o
lado nestas regiões procuramos médicos, enfermeiros, cuidadores, ajudantes a
domicílio... Isto também causa dificuldades no recrutamento, o que se tornou
uma realidade em quase todas as empresas”.
“Há quinze anos, na França, no auge, tínhamos cerca
de 950 mil jovens entrando no mercado de trabalho todos os anos. Hoje, devem
ser cerca de 750 mil, no máximo. Por outro lado, no Hemisfério Sul a situação é
muito diferente. Na África, metade da população tem menos de 20 anos. Há uma
enorme necessidade de educação e desenvolvimento econômico lá. Podemos ver
claramente qual poderá ser a resposta à queda da população no Norte, mas neste
momento não estamos todos nesta tendência. No entanto, na França, há 10% de
imigrantes, mas são 17% de médicos e 17% de pessoal do setor de restaurantes,
por exemplo. Aconteça o que acontecer, estas questões demográficas serão
abordadas através do envelhecimento e do declínio das taxas de natalidade”.
• Onda
4: uma mudança na relação com o trabalho
“Esta é a última onda que irá abalar o mercado de
trabalho até 2050. Esta relação evoluiu ao longo dos séculos, mas estamos
assistindo a uma aceleração das mudanças nos últimos anos. A Covid ampliou o
fenômeno, com efeitos duradouros. Em primeiro lugar, existe uma procura de
equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal que não afeta apenas um
nicho de burgueses, mas é geral. Em todos os setores, é necessária uma
flexibilidade escolhida. Não mais apenas os gestores, mas também os
trabalhadores”.
“Outro ponto importante: a questão do sentido no
trabalho. As empresas de combustíveis fósseis constatam isso hoje: mesmo que
paguem melhor do que o resto do mercado, têm cada vez mais dificuldade para
atrair talentos. Devemos entender também que este não é o sentido do trabalho
de forma macro. Este é também o significado do trabalho no dia a dia. Por
exemplo, se houver muitos relatórios, as pessoas vão embora. Nos hospitais, 20
a 30% do tempo é gasto em relatórios. Isso é desanimador. Se você não consegue se
orgulhar do seu trabalho, ser reconhecido por ele, mas também poder dizer aos
seus filhos e aos seus amigos: ‘Estou orgulhoso. Hoje fiz isto e sei que é
útil’, esta perda de sentido pode encorajar-nos a procurá-lo em outro lugar.
Ora, a taxa de desemprego é baixa…”.
• Até
2030, 50 a 80% dos empregos serão criados, destruídos ou transformados
“Segundo estudos, 50 a 80% dos empregos serão
criados, destruídos ou transformados até 2030. Cerca de um bilhão de empregos
serão afetados. E 2030 é amanhã!, sublinha Muriel Pénicaud. É por isso que digo
que um tsunami está realmente se aproximando. Sempre houve mudanças. Mas
mudanças nesta velocidade e magnitude não têm precedentes”.
Mas tudo isto não será necessariamente um desastre,
insiste ela. Pode ser uma energia de movimento se soubermos antecipar e fazer
um acompanhamento... Aconteça o que acontecer, teremos no entanto que ter muito
cuidado com estas ondas, como a da transição ecológica. “Não esqueçamos que há
5 anos eclodiram os Coletes Amarelos, lembra Muriel Pénicaud. Tudo começou com
uma taxa ecológica de 0,06€ por litro de gasolina. Foi isso que desencadeou o
movimento mas, antes disso, foi consequência de cerca de trinta anos de
planejamento urbano mal pensado, de políticas públicas – ou de políticas não
públicas –, de situações descontroladas que criaram esta situação. A questão do
poder de compra continua mais candente do que nunca. Para que estas ondas sejam
aceitas, as pessoas devem ter a sensação de estar no controle do seu destino e
de não estarem sujeitas a estas transformações rápidas e profundas”.
A questão da formação ao longo da vida torna-se
crucial. Há 20-30 anos, considerava-se que as competências técnicas eram
válidas por 30 anos. Portanto, tínhamos bagagem para quase toda a nossa vida
profissional. Hoje consideramos que, em média, uma habilidade técnica tem
validade de 2 anos. Em breve serão 8 meses. Um estudo realizado em Singapura
estimou que, para atender às necessidades futuras, uma pessoa precisaria
dedicar 120 dias por ano à formação. A formação ao longo da vida, integrada na
vida cotidiana, de forma contínua, através da autoaprendizagem, torna-se assim
uma necessidade absoluta.
• Reformar
imediatamente a educação na França
Estas mudanças atuais e futuras no mundo do
trabalho devem ser acompanhadas por uma reforma educativa. O nível geral na
França está diminuindo. Estamos em 25º lugar na Europa dos 27. Nesta área,
Muriel Pénicaud sugere inspirar-se na Finlândia. “Eles levaram a neurociência a
sério. Aprender através de gestos e brincadeiras até por volta dos 7 anos.
Então, até essa idade, os mais novos estão no jardim de infância, por assim
dizer. É um pouco como a escola Montessori. Eles aprendem o desenvolvimento das
relações sociais, emoções e criatividade. Eles cozinham, cuidam do jardim,
interagem com os animais, descobrem a música. Tudo está aberto e então as
crianças começam a estruturar seu aprendizado por volta dos 7-8 anos”.
A curiosidade e diferentes formas de inteligência
são assim incentivadas. Não se deve tentar enquadrar as crianças em moldes
desde tenra idade, como é o caso na França. Então, à medida que crescemos,
teremos que levar em conta a IA. Ela já existe, por isso não devemos agir como
se não existisse.
“Estamos vendo coisas interessantes surgirem, como
a “pedagogia invertida”. Sobre um novo assunto ou conceito, antes de abordar a
questão atual, as crianças devem ter assistido no ChatGPT ou em outro lugar
tudo o que há para saber sobre o assunto. Devem ter uma síntese um tanto
simplificada. Mas este não é o ponto de chegada, é o ponto de partida. É agora
que começamos a discutir em sala de aula. Primeiro, temos certeza de que as
fontes são boas? Concordamos com o assunto? Que outras perguntas devemos nos fazer?
É uma educação crítica, investigações com espírito de busca do que devemos
fazer”.
A mensagem foi dada.
Fonte: Oir Florence Santrot, para We Demain -
tradução do Cepat, para IHU
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