Aborto, drogas e marco temporal: Congresso e STF debatem temas de
maneira divergente e simultânea
O Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal
(STF) têm protagonizado debates simultâneos sobre seis temas e os tratados de
maneiras divergentes. Na última semana, as discussões foram a respeito da tese
do marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
A Corte começou a discutir o tema em agosto de 2021
e concluiu o julgamento na última quinta (21). Por 9 votos a 2, a Corte barrou
o entendimento de que só poderiam ser demarcadas terras que já estavam sendo
ocupadas por indígenas no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da
Constituição.
No Congresso, a pauta é debatida por meio de um
projeto de lei. A expectativa era de que a proposta fosse votada pela Comissão
de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na última semana, mas foi adiado e
deverá ser analisado pelo colegiado na próxima quarta (27). Se aprovado pela
CCJ, o texto seguirá para o plenário do Senado.
Além do marco temporal, Judiciário e Legislativo
também discutem de forma simultânea:
• Descriminalização
do aborto;
• Descriminalização
do porte de drogas;
• Imposto
sindical, também conhecido como contribuição sindical;
• Quociente
eleitoral, também chamadas de “sobras” eleitorais;
• Casamento
entre pessoas do mesmo sexo.
Com a quantidade de temas sendo discutidos de forma
simultânea por dois Poderes, parlamentares intensificaram os discursos de que
há uma “interferência” do STF no Congresso.
Para o relator do marco temporal no Senado, Marcos
Rogério (PL-RO), o STF tem direito a se manifestar sobre uma pauta quando
acionado, mas há casos em que a Corte vai na “contramão” de assuntos já
discutidos pelo Congresso.
“É claro que o poder Judiciário, quando é instado a
se manifestar em cima de um caso concreto, tem o papel dele cumprir aquilo que
manda a Constituição. Agora, temas que foram tratados e decididos pelo
Parlamento, decisões que desafiam a escolha política de outro Poder, me parece
algo que vai na contramão do respeito à própria democracia, à separação de
Poderes”, afirmou.
Na visão da deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), “não
existe conflito de competências”. “Quando há um vazio por parte do Parlamento
em discutir temas fundamentais, o Judiciário acaba cumprindo esse papel”,
declarou.
• Aborto
O Supremo começou a julgar, na última sexta-feira
(22), a descriminalização do aborto feito até 12 semanas de gestação. Na
prática, se descriminalizado, o procedimento poderá ser feito por grávidas e
médicos sem a possibilidade de processos ou punições.
Segundo a pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de
2021, uma em cada sete mulheres com idade próxima de 40 anos já realizou pelo
menos um aborto, sendo que 43% delas tiveram que ser hospitalizadas para
finalizar o procedimento.
Quando o STF começou a se movimentar para discutir
o assunto, deputados e senadores mais conservadores fizeram a pauta voltar ao
Congresso e chegaram a lançar uma frente parlamentar mista contra o aborto.
Atualmente, 195 propostas relacionadas ao aborto tramitam no Legislativo.
Na Câmara, um projeto de autoria do ex-deputado
Eduardo Cunha está pronto para ser votado em plenário. O texto, porém, não tem
movimentações desde 2021. Em linhas gerais, a proposta torna crime a divulgação
de forma de aborto e prevê punições a quem realizar o procedimento.
No Senado, a oposição ao governo Lula articula
conseguir 27 assinaturas necessárias para convocar um plebiscito para que a
população vote se é a favor ou contra a legalização do aborto. O movimento está
sendo capitaneado pelo senador Rogério Marinho (PL-RN).
Um plebiscito antecede a discussão de propostas
legislativas. O resultado define qual projeto deverá ser debatido pelo
Congresso.
• Drogas
O Supremo também discute a liberação do porte de
maconha. No mês passado, o ministro André Mendonça pediu vista, ou seja, mais
tempo para analisar o caso.
Até o momento, o STF tem cinco votos favoráveis à
liberação. Esses votos foram dos ministros: Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso,
Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Rosa Weber. Houve um voto contra a
liberação do porte para uso pessoal: foi do ministro Cristiano Zanin.
Em reação à Corte, o presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG) apresentou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que
impede o porte e a posse de qualquer tipo de droga.
O texto insere no artigo 5º da Constituição que “a
lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de
entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar”.
Para começar a tramitar, a PEC precisa do apoio
mínimo de 27 parlamentares. Depois dessa etapa, a proposta será analisada pela
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e ser discutida por uma comissão
especial antes de ser analisada pelo plenário em dois turnos de votação.
Para o senador Marcos Rogério (PL-RO), não cabe ao
Judiciário “refazer uma escolha política”. “A questão das drogas é uma escolha
política e o ambiente para discutir e deliberar sobre isso é o ambiente da
política, do Poder legislativo”. Para ele, o STF não poderia refazer o que o
Parlamento já fez.
• Imposto
sindical
Neste mês, o Supremo considerou válida a cobrança
da chamada contribuição assistencial, que é o pagamento de um valor aos
sindicatos de categorias profissionais voltado ao custeio de atividades como as
negociações coletivas — em que se acertam condições de trabalho entre
empregadores e empregados.
Apesar da decisão, a Corte deixou claro que o
entendimento não representa a volta da obrigatoriedade do chamado “imposto
sindical”, que teve o pagamento transformado em facultativo após a reforma
trabalhista de 2017.
O julgamento causou incômodo no Senado, que tem
falado em “interferência”. No caso do imposto sindical, os senadores ainda
avaliam qual será a resposta dada em reação ao STF.
• Quociente
eleitoral
No âmbito eleitoral, a Câmara dos Deputados
aprovou, neste mês, uma proposta de minirreforma no processo eleitoral
brasileiro. Uma das principais mudanças diz respeito ao cálculo das “sobras” da
eleição proporcional – para deputados federais, estaduais e distritais, além de
vereadores.
O quociente eleitoral é o resultado da divisão do
número de votos válidos em uma eleição proporcional pela quantidade de vagas a
preencher. O cálculo definirá quais partidos e ou federações terão o direito de
ocupar as cadeiras em cada Casa Legislativa.
Atualmente, a distribuição das sobras é acessível a
todos os partidos que participem do pleito, desde que:
• O
candidato tenha obtido votação equivalente a 20% do quociente eleitoral;
• O
partido do candidato tenha obtido votação equivalente a 80% do quociente
eleitoral.
Partidos como Rede, Podemos, PSB e Progressistas
dizem que a medida é inconstitucional, pois dificulta a participação das siglas
na divisão das sobras e acaba sendo uma “espécie de cláusula de barreira para a
disputa das vagas”.
Pela proposta aprovada pela Câmara, será exigido
que o partido obtenha 100% do quociente eleitoral, e o candidato, 10%. O texto
ainda precisa ser aprovado pelo Senado e sancionado pelo presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT).
A ideia é que essa e outras mudanças eleitorais
sejam aprovadas até a primeira semana de outubro para que passem a valer a
partir das eleições municipais de 2024.
A pauta também é discutida pelo STF desde março
deste ano. Em agosto, o plenário virtual retomou o julgamento sobre o tema, mas
o ministro André Mendonça pediu vista, ou seja, mais tempo para analisar o
caso.
Em abril, o então ministro do STF Ricardo
Lewandowski, que se aposentou da Corte, votou para ampliar a participação de
partidos e candidatos na distribuição das sobras a partir de 2024.
Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes concordaram com
o relator, mas argumentaram que as mudanças já devem valer para os resultados
de 2022, o que afetaria a correlação de forças na Câmara.
• Casamento
homoafetivo
A Comissão de Previdência, Assistência Social,
Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados trouxe à tona um
debate que já foi resolvido no STF em 2011: o casamento homoafetivo. A comissão,
formada por maioria conservadora com forte apoio da bancada evangélica, quer
proibir a união civil de pessoas do mesmo gênero.
A votação deste projeto de lei foi adiada para a
próxima quarta-feira (27), após acordo ser firmado entre as lideranças partidárias.
O projeto de lei original foi apresentado em 2007
pelo então deputado federal Clodovil Hernandes, que morreu em 2009. O texto
pretendia mudar o Código Civil para prever a possibilidade de que duas pessoas
do mesmo sexo pudessem se casar por meio de contrato sobre suas relações
patrimoniais.
Porém, o relator, deputado Pastor Eurico (PL-PE),
rejeitou o projeto de Clodovil e adotou outro, de autoria dos ex-deputados Paes
de Lira (PTC-SP) e Capitão Assumção (PL-ES). A atual versão afirma que “nos
termos constitucionais, nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode
equiparar-se ao casamento ou a entidade familiar”.
Na justificativa, os deputados afirmaram que
“aprovar o casamento homossexual é negar a maneira pela qual todos os homens
nascem neste mundo, e, também, é atentar contra a existência da própria espécie
humana”.
No Brasil, não há lei que permita e regularize o
casamento entre duas pessoas do mesmo sexo. No entanto, por decisão do STF, a
união estável é possível desde 2011. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), determinou aos cartórios a obrigatoriedade de realizar também o
casamento homoafetivo. Tanto uma modalidade quanto a outra conferem direitos
aos casais perante a lei e a justiça brasileira.
<><> Projeto pode ser declarado inconstitucional
O PL visa determinar que uniões entre pessoas do
mesmo sexo não podem ser classificadas como família e ou como casamento. A
proposta vai contra decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em 2011,
decidiu que o Estado brasileiro deve reconhecer o casamento homoafetivo.
Além disso, o texto tramita em caráter conclusivo,
o que significa que pode passar para o Senado sem passar pelo plenário da
Câmara, exceto se houver um recurso contra esse rito acelerado.
Após audiência pública na terça, a proposta será
votada na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e
Família (CPASF) na quarta-feira (27).
Caso o projeto seja aprovado na comissão, o PL será
encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde pode ser declarado
inconstitucional. Parlamentares integrantes da CCJ ouvidos pela CNN avaliam que
o texto tem poucas chances de ter sua constitucionalidade aprovada na comissão.
O deputado Duarte Júnior (PSB-MA) explica que a CCJ
não analisa o mérito, e sim a constitucionalidade, a cidadania, o que para ele
reforça que este PL não passa da comissão.
“Sob a ótica da Constituição Federal 88, eu vejo
como impossível de ser aprovado algo nessa linha. Porque de acordo com o artigo
5º da Constituição, um dos princípios constantes da indiscriminada, é que todos
são iguais perante a lei”, diz o deputado.
O advogado especializado em direito constitucional
e em casamentos homoafetivos Eduardo Felype Moraes diz que, caso o projeto seja
aprovado, representará um “enorme retrocesso” e acarretará uma grave violação
aos princípios norteadores da Constituição Federal.
“Penso que, se aprovado este PL, será um
retrocesso, uma postura totalmente discriminatória do Poder Legislativo e uma
desigualdade jurídica, acerca de um assunto que já é uma realidade social há 12
anos”, afirma o jurista.
O advogado Moraes afirma que, quando o STF aprovou
o casamento e união dos casais homoafetivos, estava exercendo um poder
conferido pela própria Constituição de garantir uma vida digna a todos os envolvidos.
“O Poder Judiciário, funciona, na teoria, como o
fiel da balança, que garante o equilíbrio entre o poder do Executivo e do
Legislativo. Tem o dever de assegurar que as leis não sejam abusivas e que
sejam cumpridas por todos, garantindo os direitos individuais, coletivos e
sociais”, diz.
Segundo o relator do projeto de lei, o deputado
Pastor Eurico (PL-PE), pessoas do mesmo sexo têm a liberdade de se relacionar
como quiserem na vida privada, mas defende que a relação não deve ser
formalizada oficialmente e que o casamento homoafetivo não tem respaldo
constitucional, e isso justifica a ação do projeto.
“Tenho que fazer o relatório baseado naquilo que
tenho de respaldo constitucional. Não tenho nenhum respaldo constitucional para
o casamento homoafetivo. Tenho, sim, a Constituição clara falando do casamento
entre homem e mulher. No momento que eu estou dando meu parecer baseado na
Constituição não significa que eu sou contra ou que eu estou tirando direitos”,
afirma o deputado.
Uma apuração da CNN mostrou que deputados
conservadores não têm uma expectativa grande de que o texto seja aprovado a
ponto de chegar ao plenário da Câmara. A ideia é marcar presença na comissão e
fazer críticas ao STF.
O deputado relator nega que a intenção seja
confrontar o Supremo, ele reforça que o casamento homoafetivo não está na
Constituição.
“Em qualquer tempo quem judicializar vai ter
exatamente jurisprudência dentro da situação civil dos direitos que serão
protegidos, independentemente de se tem a lei de casamento ou não. Porque, para
isso, o Judiciário já dá para as pessoas essa garantia. Então, não vem o caso
de estar batendo de frente com o STF”, afirma.
• CPMI
do 8 de janeiro
Paralelo aos debates temáticos, Judiciário e
Legislativo também tiveram rusgas na decisão de habeas corpus para depoentes
convocados pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI).
Na segunda-feira (18), o ministro André Mendonça,
do STF, acatou um pedido da defesa de Osmar Crivelatti, ex-assessor de Jair
Bolsonaro (PL), para que ele não fosse obrigado a comparecer à comissão para
depor.
Antes, em 11 de setembro, o ministro Nunes Marques
concedeu habeas corpus a Marília Ferreira de Alencar, ex-subsecretária de
Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, para que
também não fosse obrigada a prestar esclarecimentos.
O impasse aconteceu porque, nessas duas decisões, o
Supremo permitiu que os convocados não fossem obrigados a comparecer e tanto
Crivelatti, quando Marília, assim o fizeram.
Até então, as decisões do STF garantiam aos
depoentes o direito ao silêncio em questionamentos que pudessem incriminá-los.
O presidente da CPMI, deputado Arthur Oliveira Maia
(União-BA), classificou os dois habeas corpus como tentativas de impedir os
trabalhos do colegiado e questionou a própria existência da CPMI. A relatora do
colegiado, Eliziane Gama (PSD-MA), se manifestou no mesmo sentido.
Maia chegou a agendar uma audiência com a
presidente do STF, ministra Rosa Weber, para solicitar que o tribunal unifique
a posição sobre os depoimentos à CPIs, mas acabou desmarcando o encontro.
Fonte: CNN Brasil
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