João Filho: Todos os problemas das mensagens golpistas de Bolsonaro
para o dono da Tecnisa
AS PROVAS DOS CRIMES cometidos por Jair Bolsonaro estão se avolumando. A situação do
ex-presidente vem se complicando em todas as muitas frentes de investigação
abertas pela Polícia Federal. Do roubo de joias à incitação ao golpe, tudo já
está comprovado pelos investigadores. Não há mais para onde correr!
Nesta semana, mais provas cabais surgiram para
atormentar o bolsonarismo. Na investigação que apura o envolvimento de
empresários com a tentativa de golpe de estado, a PF encontrou no celular do
empresário Meyer Nigri, dono da empreiteira Tecnisa, mensagens enviadas por
Bolsonaro com ataques ao STF e notícias falsas sobre as urnas eletrônicas. Ao
final das mensagens, Bolsonaro ordenou: “Repasse ao máximo”. O empresário
cumpriu a ordem e respondeu prontamente que já havia repassado a diversos
grupos de Whatsapp. “O STF será o responsável por uma guerra civil no Brasil”, dizia
uma das mensagens.
Um levantamento feito por Pablo Ortellado, coordenador
do Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP, revelou o caminho feito
pelas mensagens enviadas pelo empresário. As informações
falsas foram compartilhadas por pelo menos seis
aliados de Bolsonaro e canais da extrema direita, que somam 320 mil seguidores.
Isso significa que o então presidente da República foi o responsável direto por
disseminar as mentiras que colocavam em dúvida a lisura do processo eleitoral.
Foi ele o difusor inicial. Foram essas mensagens que ajudaram a insuflar o
espírito golpista dos bolsonaristas que destruíram os prédios dos Três Poderes
no 8 de janeiro. Encalacrado pelos fatos, Bolsonaro acabou confessando
o crime com ar de deboche: “Eu mandei para o Meyer,
qual o problema?”.
A descoberta de que o dono da Tecnisa espalhou as
mensagens golpistas a mando de Bolsonaro fez o STF prorrogar a investigação
sobre ele. Segundo um relatório
da Polícia Federal, existe “uma relação entre a família do
ex-presidente Jair Messias Bolsonaro e o empresário”. A relação entre os
dois começou em
2016, quando Nigri fez a ponte entre o então candidato
com a comunidade judaica e se dispôs a ajudá-lo com a pré-campanha
presidencial. Quando Bolsonaro foi esfaqueado, foi Nigri quem providenciou
um avião particular para levar um médico
cirurgião para Juiz de Fora.
Durante o mandato bolsonarista, a influência do
empresário sobre o governo foi grande, tendo feito ao
menos três indicações para cargos de alto escalão: Ricardo Salles
para o ministério do Meio Ambiente, Nelson Teich para a Saúde e Fabio
Wajngarten para a Secretaria Especial de Comunicação da Presidência. O
empresário também tinha trânsito livre com Paulo Guedes, para quem telefonava
diretamente.
Até mesmo a escolha de Augusto Aras para a
Procuradoria-Geral da República teve o
dedo do dono da Tecnisa. No discurso de posse, Aras
citou o empresário nominalmente, a quem agradeceu e chamou de “amigo”. Mas essa
amizade, claro, não era pura e verdadeira. Na última quinta-feira, o UOL
revelou o conteúdo de um diálogo interceptado pela PF
no celular do empresário. Quando Nigri tomou conhecimento pelo noticiário de
que era alvo de investigação por divulgar mensagens golpistas, acionou seu
amigo Aras pelo Whatsapp. O procurador então mobilizou a cúpula da PGR para
proteger o empresário. Três semanas depois, o órgão pediu ao STF o trancamento
da investigação aberta contra Nigri e a anulação de uma operação de busca e
apreensão deflagrada pela Polícia Federal.
Foram também identificados diálogos do empresário
com um assessor da PGR e a existência de um encontro dele com a
vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo. Ou seja, além de indicar
ministros, ter acesso livre ao Ministério da Economia e atuar como garoto de
recados golpistas do presidente, Nigri usava a estrutura da PGR para receber
serviços particulares de advocacia. Era esse o nível de promiscuidade da
relação entre o empresário e o governo.
As provas levantadas pela PF não deixam dúvidas de
que o então presidente se valeu do poder do cargo para liderar uma conspiração
golpista. Foram os argumentos contidos nas mensagens disparadas por ele que
sustentaram as ações violentas
dos movimentos golpistas na reta final da
eleição e no atentado de 8 de janeiro contra o governo eleito.
A articulação golpista contou com o apoio de
empresários, especialmente do empresário que tinha interesse na manutenção de
um governo em que dava as cartas. Além deles, muitos outros personagens tiveram
participação na trama golpista: as Forças Armadas, um hacker, a Polícia
Rodoviária Federal, a PGR e parlamentares bolsonaristas. Quanto mais a
investigação avança, mais claro fica o papel de liderança de Bolsonaro na
tentativa de golpe de estado.
Diante de todas essas revelações, Bolsonaro
pergunta: “Qual é o problema?”. Bom, certamente ele terá tempo de sobra na
cadeia para encontrar a resposta.
Ø Para julgar Bolsonaro sem ter foro, o STF ainda necessita discutir uma
brecha na lei…
Jair Bolsonaro não é mais presidente. Foi-se o
mandato e com ele o direito de só ser processado por crimes no Supremo Tribunal
Federal (STF), a mais alta instância do Poder Judiciário nacional. Mas Jair
Bolsonaro segue sendo investigado pela Corte e o relator do inquérito é o
ministro Alexandre de Moraes. Pode isso?
Parte do meio jurídico sussurra que as
investigações contra o ex-presidente deveriam ter sido mandadas para um juiz de
primeira instância. O caso permanece, no entanto, sob o pulso forte de Moraes,
como também estão os 1360 presos pelos atos golpistas no 8 de janeiro.
Sob o argumento de atentado à democracia, ataque às
instituições e tentativa de violação das regras constitucionais, todos eles,
incluindo Bolsonaro, têm a vida devassada pela Polícia Federal sob as ordens do
STF. Os fatos, diga-se, são graves.
E incentivar acampamentos na porta dos quartéis até
transbordar na depredação das sedes dos Três Poderes deveria ser conduta
reprovável o suficiente para tirar das ruas qualquer chefe de Estado em países
democráticos.
Mas eis que em 2018 o STF estabeleceu um novo
entendimento sobre quem deve ou não ser processado pela Corte Suprema. Uma
questão de ordem no julgamento da ação penal 937 firmou a chamada
jurisprudência balizadora para questões envolvendo o foro privilegiado de
autoridades na Justiça.
O relator na época era o ministro Luís Roberto
Barroso. Julgada a questão, ele registrou que a partir daquela data o Supremo
entendia que era melhor “restringir o foro privilegiado aos crimes praticados
no cargo e em razão do cargo”.
Seria assim enquanto a autoridade estivesse no
exercício da função. Perdido o cargo, o acusado se junta aos demais mortais e
vai ser investigado e processado na primeira instância do Judiciário.
No mesmo acórdão que registra esse entendimento do
STF, Barroso escreve: “A jurisprudência desta Corte admite a possibilidade de
prorrogação de competências constitucionais quando necessária para preservar a
efetividade e a racionalidade da prestação jurisdicional”.
Numa tradução livre é como dizer que o STF poderia
manter consigo um processo para barrar tentativas de fugir do foro mediante
fraude. Ou seja, se uma autoridade corre para renunciar ao cargo para mudar de
foro, a Justiça prefere proteger o processo e mantém o caso onde está.
Só que Bolsonaro deixou de ter direito a foro
especial por “causas naturais” – perdeu a faixa presidencial no voto para o
petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Tomando-se como referência decisões mais recentes
do STF poder-se-ia dizer que o tribunal mantém sob sua guarda os tais
inquéritos de atentados à democracia por ter sido alvo direto desses ataques. O
8 de janeiro, então, literalizou isso sob a forma da horda de criminosos
destruindo o plenário do Supremo.
Há quem veja que a frase de Barroso registrada no
acórdão possa ter interpretação mais larga. Tão larga que poderia caber o
entendimento de que, no caso de atentados à democracia e ao STF, em particular,
“para preservar a efetividade” da justiça, o Supremo também poderia manter os
casos todos sob sua tutela e julgar todos os acusados.
Para além dessa brecha, para futuramente julgar o
ex-presidente, o STF pode entender que, no exercício do cargo, Bolsonaro
conspirou contra a democracia até levar aos atos extremistas de 8 de janeiro.
Depois que deixou o posto, seguiu como num crime
continuado, mesmo que escondido numa casa em Orlando, nos EUA. Ou ainda, para
simplificar as coisas, o processo pode ter entre os réus um deputado de quem
Bolsonaro foi cúmplice ou mandante e, na qualidade de parlamentar com foro,
tudo se processa no Supremo mesmo. Antes disso, as investigações terão que
concluir formalmente pela culpa que o mundo leigo já acha que o ex-presidente
tem.
Fonte: The Intercept/Agencia Estado
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