João Antonio: Zanin, o STF, as drogas, o crime e a maconha
O STF tem cinco votos para afastar criminalização
do porte de maconha para consumo próprio. O pedido de vista do ministro André
Mendonça suspendeu o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal
(STF), do Recurso Extraordinário (RE) 635659, com repercussão geral (Tema 506),
em que se discute a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio.
Até o momento, há cinco votos pela inconstitucionalidade da criminalização do
porte de maconha para consumo próprio e um voto que considera válida a previsão
do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006).
Na sessão desta quinta-feira (24), o relator do
recurso, ministro Gilmar Mendes, reajustou seu voto, que descriminalizava todas
as drogas para uso próprio, para restringir a declaração de
inconstitucionalidade às apreensões de maconha. Ele incorporou os parâmetros
sugeridos pelo ministro Alexandre de Moraes, no sentido de presumir como
usuárias as pessoas flagradas com 25g a 60g de maconha ou que tenham seis
plantas fêmeas.
• Divergência
O ministro Cristiano Zanin reconhece discrepâncias
na aplicação judicial do artigo 28, que leva ao encarceramento em massa de
pessoas pobres, negras e de baixa escolarização. Contudo, entende que a mera
descriminalização contraria a razão de ser da lei, pois contribuirá para
agravar problemas de saúde relacionados ao vício.
De acordo com o ministro, a declaração da
inconstitucionalidade do dispositivo retiraria do mundo jurídico os únicos
parâmetros objetivos existentes para diferenciar usuário do traficante. Ele
sugeriu, contudo, a fixação, como parâmetro adicional para configuração de
usuário da substância, a quantidade de 25 gramas ou seis plantas fêmeas.”
(Texto extraído do site do STF)
O QUE PENSO SOBRE ESSA MATÉRIA
Sinceramente, não faz sentido criminalizar os
usuários de drogas quando os verdadeiros responsáveis pela sua proliferação —
os grandes traficantes — frequentam os belos salões sociais e moram em bairros
ricos onde reside também a elite econômica do país.
O gênero “Mercado das Drogas” é composto por cinco
espécies determinantes:
a) Grandes traficantes
b) intermediários médios
c) agentes do Estado cooptados
d) passadores de drogas (pequenos traficantes)
e) usuários
O que presenciamos com frequência é o Estado
policial reprimindo a ponta, ou seja, prendendo “passadores” e usuários de
droga, fingindo eficiência apenas para alimentar o discurso do governo de
plantão. Há décadas que a política de combate às drogas é a mesma, sem nenhum
resultado prático. Pelo contrário, em se tratando dos grandes traficantes o que
assistimos ano após ano é a sua proliferação associada a uma rede de
sustentação que se consolida com fortes ramificações nas fileiras do próprio
Estado (agentes do Estado cooptados).
Quando o Estado se contamina com a prática de um
crime o seu combate torna-se mais complexo e dificultoso. Digo sem medo de
errar: prender os “coitados do passadores”, uns tipos de “operários” usados
como instrumento dos grandes traficantes e médios, não resolve. É enxugar gelo.
Uma política eficiente de combate às drogas passa
em primeiro lugar pela descontaminação do Estado. Quero dizer, impedir que o
tráfico financie a política e compre aqueles que deveriam combatê-los, o Estado
policial. Por outro lado é preciso usar a inteligência e a força do Estado
depurado para combater sem trégua os verdadeiros responsáveis — os grandes
traficantes e seus intermediários médios.
Quanto aos passadores que sobrevivem de “trocados”,
por vezes explorados pela indústria das drogas, em regra pegos como verdadeiros
bodes expiatórios, devem ser punidos de acordo com dosimetria do seu crime, mas
nunca ocupando o lugar dos verdadeiros responsáveis — a elite do tráfico. Como
diz o ditado: “A cada burro a sua carga.” Puni-los sim, dando a eles a
possibilidade de se redimir. Em regra, eles não estão nessa modalidade
criminosa pelo prazer e sim por uma questão de sobrevivência. Ao Estado cabe
oferecer-lhes oportunidades de emprego, impedindo assim sua cooptação pelo
tráfico.
Quanto aos usuários, em se tratando de drogas mais
pesadas, Cocaína entre outras, é função do Estado fazer campanhas publicitárias
educativas, palestras em escolas e igrejas, ONGS etc explicando os malefícios
causados pelo seu consumo. Estas iniciativas do Estado, articuladas com a
sociedade civil, especialmente com o núcleo familiar são fundamentais para
impedir a proliferação do uso, principalmente no seio da juventude.
No que se refere aos usuários, os já tomados pelo
vício, mesmo conscientes de que são eles que alimentam o mercado da droga,
reprimi-los não resolve. Cabe ao Estado, seja em ações diretas ou por meio de
parcerias com entidades diversas, interessadas e especializadas no assunto,
dar-lhes assistência psicológica/psiquiátrica, oportunidades profissionais e
educacionais, oferecendo-lhes novas perspectivas de vida. Reinseri-los no
mercado de trabalho é o caminho mais eficaz para sua recuperação.
No que se refere ao uso da maconha, legalizá-la não
faria mal algum à sociedade. Hoje, seu uso está disseminado em todas as classes
sociais. Fechar os olhos para esta realidade é fazer como avestruz que, diante
de uma provável ameaça, prefere enfiar a cabeça sob o chão, fechando os olhos
para realidade. Por que não legalizá-la?
Em relação ao julgamento do STF, ao estabelecer uma
quantidade para qualificar os usuários, pretendem os ministros estabelecer uma
fórmula objetiva para diferenciá-los do tráfico. Quem pode afirmar que um
indivíduo pego com mais de 25 ou 60 gramas, tipo 100 ou 200 gramas deixa de ser
somente usuário? Acho que a questão, como escrevi acima, é mais complexa. Esta
definição quantitativa, como pretendem os ministros, pode até funcionar como um
fator de intimidação para os usuários, mas não combate a causa: a força da grana
que movimenta os grandes cartéis. São eles que compram todos os envolvidos
nessa roda viva que movimenta esse mercado. Inclusive agentes dos próprio
Estado.
A decisão e os parâmetros quantitativos, qualquer
que sejam eles, amedrontam os usuários, ou no máximo tornarão a ação dos
“passadores” (pequenos traficantes) um pouco dificultosa. Esta tipificação
específica, sem uma política mais eficaz de combate às organizações criminosas
responsáveis pelos grandes cartéis, ajuda, mas não resolve. Insistir nela é
enxugar gelo.
Zanin
faz o jogo dos traficantes e eterniza criminalização da maconha. Por César
Fonseca
O ministro Zanin, indicado por Lula ao STF, estreou
no cargo com pé torto, ao dar voto pela criminalização do consumidor de
droga/maconha de acordo com a quantidade estipulada pelo projeto de lei
13840/19, art. 28, em seu poder, de 26 a 60 gramas ou seis plantas fêmeas.
O placar, até o voto dele, que acirra polarização
política na sociedade, entre esquerda e direita fascista, bolsonarista, era de 5
x 1.
Se ele tivesse se alinhado aos votos favoráveis, a
questão teria sido resolvida, pois estaria formada maioria pela
descriminalização (por que não legalização?) do uso pessoal da maconha nas
quantidades legalmente estipulada pela lei.
As consequências previsíveis seriam a de
interromper escalada de violência dos poderes públicos militares contra os
usuários como se fossem traficantes.
Essa identidade desproporcional e absurda leva à
eliminação dos mais afetados, jovens, pobres e pretos e à sua completa
marginalização, exclusão e desigualdade social características do modelo
econômico capitalista neoliberal bárbaro vigente.
Zanin perdeu oportunidade histórica de fazer a
diferença quanto a construir maioria no judiciário como juiz estreante com
larga visão social e humana.
Daria razão a Lula que o indicou por achar que
possui sensibilidade política no sentido de transformar o STF no colegiado que
colocaria ponto final a uma conjuntura que está escandalizando o mundo, dado
tratamento das instituições brasileiras, especialmente, aos negros, como se a
escravidão persistisse, historicamente.
Ao contrário, o novo ministro decepcionou.
Embora, tenha chegado à corte suprema pelo fato de
ter sido aquele que salvou, politicamente, o presidente Lula da direita
fascista, instalada nos tribunais brasileiros, que forjou sua culpa em
julgamentos com provas questionáveis e desconsideradas no julgamento final da
corte, permitindo-o sair candidato à presidência da República, em 2022, Zanin
fez valer, no frigir dos ovos, com seu voto, a sua verdadeira essência.
Trata-se de profissional que se consagrou, no
direito, não em defesa dos interesses sociais, mas empresariais, da iniciativa
privada, raiz evidente do seu conservadorismo ético expresso no seu voto
reacionário.
Na prática, condena o consumidor de droga,
eliminando seu direito de opção, reconhecido, até à altura em que o julgamento
se encontra do STF, por cinco eminentes ministros, sintonizados com tendência à
garantia de liberdade do usuário, vigente nos países capitalistas
desenvolvidos.
• Contradição
em termos
Zanin mostrou-se contraditório: condena o livre
direito de consumo, sendo advogado do setor privado de grandes empresas, cuja
sobrevivência, teórica e prática, requer existência do consumidor, como garantia
da própria propriedade privada, salvo na questão dos entorpecentes, que, ainda
assim, tem a exceção fixada em lei quanto à venda e compra da mercadoria.
O apelo final dele é o de que o projeto de lei
prejudica a saúde do usuário.
Certamente, sim.
Porém, na regra do jogo da legalização dos
entorpecentes, o Estado terá a responsabilidade de cuidar desse assunto, como
ocorre nos demais países que legalizaram a maconha.
O consumidor preserva o seu direito, mas, se
desistir dele, necessitando de tratamento, existe na lei garantia de que a
assistência à saúde do consumidor viciado é obrigatória.
A contradição em Zanin se evidencia no fato de que
ele, do ponto de vista do capital, do qual cuida como profissional defensor da
iniciativa privada, parece esquecer que os formuladores liberais de política
econômica, nos países ricos, dominantes, imperialistas, colonialistas, partem,
justamente, do que denominam de “consumidor soberano e racional”.
É dele que teorizam a liberdade neoliberal para
impedir interferência do Estado na Economia.
Claramente, essa ideologia hoje é resquício de
passando que os conservadores tentam fazer valer, embora não atendem sua
essencialidade ideológica em forma de utilitarismo.
Foi ultrapassada pelo processo de sobreacumulação
de capital que, ao promover os monopólios e oligopólios, rompeu com a fantasia
de que o livre mercado, na concepção de Adam Smith, descarta o Estado, que só
atrapalharia o funcionamento das atividades produtivas.
• Negação
da luta de classe
Zanin, cuja cabeça se situa na defesa da lógica de
acumulação capitalista, conforme comprovam demandas dos seus poderosos clientes
nos tribunais, passa ao largo da luta de classe como base para fixação da sua
justiça.
Não leva em consideração que a luta de classe é da
ordem capitalista, conforme denota inconscientemente o conteúdo do seu voto.
Confundiu efeito com a causa.
Essencialmente, condena o consumidor (viciado) e
protege o produtor (traficante/empresário, que age como oligopólio, como ocorre
com as guerras do tráfico na América Latina, Colômbia, Equador, México, para
dominar os grandes mercados, Estados Unidos e Europa).
O fato é que o voto de Zanin contribuiu para
fortalecer os poderosos e os traficantes, enquanto enfraquece o pequeno
comerciante marginal fora da lei, intermediário que chega ao consumidor
individual, que, se for pobre, vai engrossar as estatísticas das prisões,
aguardando julgamento que nunca chegará.
Se legalizasse o consumo, fortaleceria micro e
pequenas empresas, diluindo poder dos traficantes, democratizando oferta.
Não é essa a lógica brandida pelos neoliberais?
Como se sabe, largamente, as polícias do Estado não
chegam aos monopólios, mas destroem os miseráveis que vivem na intermediação.
O status quo da violência poderia ser interrompido,
se Zanin defendesse a Lei de Adam Smith, de garantir a liberdade do consumidor
dando breque na criminalidade, a ser combatida no pequeno comercio, como ocorre
no Canadá, por exemplo.
O ministro frustrou as expectativas gerais da base
política do presidente Lula.
O preocupante é que o novo ministro ainda tem 27
anos pela frente no exercício do cargo.
Já é o terceiro voto conservador que dá, depois da
criminalização do consumidor.
O primeiro foi contra causa envolvendo indígenas x
proprietários de terra e o segundo em prejuízo das integrantes do movimento
LGBT.
Fonte: Brasil 247
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