Alemanha voltou a ser o "homem doente da Europa"?
Era o final da década de 90 quando a revista
britânica The Economist deu seu veredito sobre a economia
alemã, classificando o país como o "homem doente da Europa". A
avaliação serviu de alerta para a classe política do país, que, inebriada pelos
anos de forte crescimento após a reunificação, vinha adiando
as reformas.
O governo do chanceler Gerhard Schröder então
reformou o mercado de trabalho, e isso trouxe resultados. Em 2014, um grupo de
economistas de Berlim e Londres escreveu que a Alemanha havia evoluído "de
homem doente da Europa para uma estrela econômica".
A economia alemã agora está novamente em
dificuldades. Por dois trimestres consecutivos, seu Produto Interno Bruto (PIB) encolheu, o que é
considerado recessão técnica. No trimestre mais recente, o PIB ficou
estagnado, e muitos indicadores econômicos mostram declínio. Isso chamou a
atenção da The Economist, que publicou em agosto uma reportagem
questionando se a Alemanha havia se tornado novamente o homem doente da Europa.
"A situação econômica da Alemanha está
piorando", afirma Clemens Fuest, presidente do Instituto Leibniz de
Pesquisa Econômica da Universidade de Munique (ifo).
O instituto realiza mensalmente uma pesquisa com 9
mil executivos sobre a situação atual de suas empresas e suas expectativas para
os próximos seis meses. O resultado do Índice de Clima de Negócios de julho de
2023 caiu pelo terceiro mês consecutivo. Os pesquisadores do ifo esperam que o
PIB da Alemanha encolha novamente no atual trimestre atual.
Esse panorama também está claro para o
economista-chefe do Commerzbank, Jörg Krämer: "Infelizmente, não há
melhora à vista", disse Krämer à agência de notícias Reuters. "A
elevação das taxas de juros em todo o mundo estão cobrando seu preço, em particular
porque as empresas alemãs já estão inquietas devido à deterioração da qualidade
de sua localização."
·
Indústria não é mais o
carro-chefe
Em comparação com outras nações industrializadas, a
Alemanha está tendo um desempenho excepcionalmente ruim e, de acordo com uma
estimativa do Fundo Monetário Internacional (FMI), será o único país das nações
mais industrializadas a registrar queda do PIB neste ano.
O setor industrial do país, o carro-chefe de sua
economia, é o motivo maior de preocupação. Ele é responsável por uma parcela
relativamente grande do valor agregado bruto da Alemanha, cerca de 24%, e vem
sofrendo com a crise econômica global. Os setores de engenharia e automotivo,
que dependem muito das exportações, estão sentindo especialmente os efeitos da
queda de pedidos de clientes estrangeiros, como os da China, o maior parceiro comercial da Alemanha.
As empresas dos setores de manufatura ainda
estão se garantido graças ao grande acúmulo de pedidos que ficaram pendentes
durante a pandemia, devido a problemas na cadeia de suprimentos. Mas esses
pedidos serão concluídos em breve, e os novos pedidos estão chegando em menor
número. De março a maio, o número de pedidos recebidos caiu cerca de 6% em
relação aos três meses anteriores.
"As exportações criaram nossa riqueza (...),
mas quando a economia mundial perde força, a Alemanha sente isso com mais
intensidade que outros [países]", disse o ministro da Economia, Robert Habeck, ao
jornal Die Zeit.
O declínio econômico da Alemanha tem muitas causas.
Uma delas é a política monetária dos bancos centrais. O Federal Reserve (Fed)
dos Estados Unidos, o Banco Central Europeu e outros querem controlar a
inflação aumentando as taxas de juros. Isso encarece o crédito para empresas e consumidores, desacelera
outro importante setor econômico – a construção civil – e reduz a
disposição das empresas para investir.
Reduzir o dinamismo econômico é o objetivo do
aumento das taxas de juros, mas outros países da zona do euro, como a França ou
a Espanha, lidaram muito melhor com isso. "Todos os nossos vizinhos
europeus têm um momento econômico melhor", afirmou Moritz Schularick, presidente
do Instituto Kiel para a Economia Mundial (IfW).
Portanto, problemas estruturais estão impedindo a
Alemanha de crescer. O modelo econômico do país costumava se basear na
importação de energia barata – principalmente russa – e
de matérias-primas e produtos semiacabados baratos, processando-os e
exportando-os como produtos caros e de alto valor.
Mas isso não está mais funcionando. As diversas
crises dos últimos anos revelaram de forma implacável as fraquezas da Alemanha.
Os preços da energia caíram desde que atingiram seu ápice em 2022, após a invasão russa da Ucrânia, mas
seguem acima dos valores praticados antes do início da guerra. As empresas que
fazem uso intensivo de energia estão sofrendo com o maior custo, e aquelas que
transferiram sua produção não estão voltando.
Os problemas não terminam aí. Também não ajuda que
a coalizão de três partidos que governa o país desde 2021, formada por
sociais-democratas, verdes e liberais, venha enfrentado crises internas devido
a divergências sobre diversos temas, inclusive na política econômica.
O verde Habeck, ministro da Economia, tentou
colocar um teto no preço da energia para indústrias que fazem uso intensivo do
insumo até 2030, enquanto o país aumenta sua capacidade de produzir energia de
outras fontes, mas o ministro das Finanças, o liberal Christian Lindner, vetou o
subsídio. Lindner, por sua vez, queria reduzir os impostos cobrados de
empresas, mas a proposta foi bloqueada pelos verdes.
·
Como dar a volta por
cima?
Um estudo recente do DZ Bank, o segundo maior banco
da Alemanha, concluiu que as pequenas e médias empresas, comumente descritas
como a "espinha dorsal da economia alemã", estão em perigo.
Os autores observam uma combinação perigosa de
desvantagens na localização das empresas alemãs. Além dos preços da energia,
listaram a escassez de mão de obra qualificada, a burocracia excessiva, os altos impostos e a infraestrutura
precária, incluindo dificuldades na implementação da digitalização. Além disso,
a população da Alemanha está envelhecendo.
"Grande parte da nossa economia não está
confiante de que os investimentos na Alemanha como local de negócios, em vista
dos altos custos e, em algumas partes, de regulamentações contraditórias, serão
compensados", disse recentemente Peter Adrian, presidente da Associação
das Câmaras de Comércio e Indústria Alemãs, à agência de notícias dpa.
O presidente do Instituto Kiel (ifW), Moritz
Schularick, delineou uma possível saída para esse dilema em um artigo no site
do instituto: "Se a Alemanha não quiser se tornar o 'homem doente da
Europa' mais uma vez, ela deve hoje, de forma corajosa, dar atenção aos setores
de crescimento de amanhã, em vez de gastar bilhões, motivada por medo, para
preservar as indústrias de energia intensiva de ontem."
Schularick acrescentou que a Alemanha precisa
resolver rapidamente as deficiências e as oportunidades perdidas na última
década: "O atraso, às vezes bizarro, em todas as questões digitais, o
declínio acentuado da capacidade do Estado e da infraestrutura pública, bem
como a falta de uma estratégia significativa para melhorar a escassez de
moradias e aumentar a imigração para
lidar com os efeitos do envelhecimento da força de trabalho."
Alguns buscam evitar um tom muito pessimista.
Fueste, do ifo, compara o país europeu a alguém que já está na casa dos 40 anos
e tem uma trajetória de sucesso, mas que agora precisa se reorientar
profissionalmente.
Para Holger Schmieding, economista do Berenberg
Bank, a "atual onda de pessimismo é muito exagerada", e a situação
hoje é diversa dos problemas econômicos enfrentados de 1995 a 2004.
"O governo já está lidando com algumas
questões importantes, como a escassez de mão de obra e
os longos procedimentos de aprovação que atrapalham o investimento público e
privado", escreveu ele em uma análise.
Alemanha
pode dobrar financiamento para entrar na corrida pela IA com EUA e China
A Reuters informou que a Alemanha planeja dobrar
seu financiamento para pesquisas de inteligência artificial (IA) para quase € 1
bilhão (R$ 5,2 bilhões) nos próximos dois anos.
Dessa forma, o país pretende preencher uma lacuna
de competências em relação aos líderes da tecnologia, a China e os EUA.
A tentativa de impulsionar o setor ocorre em um
momento em que a Alemanha tenta recuperar a sua economia de uma recessão,
enquanto as principais indústrias automobilísticas e químicas do país enfrentam
elevados custos de energia e forte concorrência por parte de novos fabricantes
de veículos elétricos.
Para impulsionar o setor, o país prevê a criação de
150 novos laboratórios universitários para pesquisa na área de IA.
Além disso, os alemães planejam expandir seus
centros de dados e tornar acessíveis conjuntos de dados públicos complexos para
obter novos conhecimentos de IA.
Apesar da tentativa de entrar na corrida pela IA
com a China e os EUA, a Reuters destaca que ainda falta muito para a Alemanha
chegar ao nível desses países, devido à sua defasagem e investimentos muito
abaixo dos americanos e chineses.
• Alemanha
reduz subsídios a empresas que investem na China para reduzir dependência
O país europeu atingiu um nível de comercio recorde
com o gigante asiático em 2022, embora os mais recentes dados apontam para uma
redução no volume neste ano.
O volume de garantias de investimento fornecidas
pelo governo da Alemanha às empresas que investem na China colapsou neste ano,
revela um documento do governo citado na quarta-feira (23) pela agência
britânica Reuters.
Assim, apenas € 51,9 milhões (R$ 273,58 milhões)
foram emitidos até agora neste ano, menos de 10% dos € 745,9 milhões (R$ 3,93
bilhões) em garantias emitidas durante todo o ano passado.
A China se tornou o maior parceiro comercial da
Alemanha em 2016, e o comércio entre os países atingiu um recorde de US$ 320
bilhões (R$ 1,69 trilhão) em 2022. No entanto, Berlim teme que a fabricação
chinesa cada vez mais avançada represente uma ameaça ao modelo econômico do
país europeu.
A operação militar especial da Rússia na Ucrânia,
que foi seguida por uma interrupção do fornecimento de energia, destacou ainda
mais os perigos da dependência de um único parceiro, escreve a Reuters.
A nova estratégia da Alemanha para a China,
apresentada em julho, disse que os investimentos em fábricas no país asiático
poderiam levar à cessão de tecnologias sensíveis e prometeu novas medidas para
lidar com o suposto risco de segurança.
Em novembro de 2022, Berlim introduziu limites para
o tamanho das garantias oferecidas pelo governo para proteger os investidores
de alegados riscos políticos, como a expropriação, que poderiam ser dadas aos
investidores em um único país. O objetivo da medida é a diversificação dos
países de investimento.
Ao mesmo tempo, as empresas podem investir sem
garantias do governo, o que significa que as mudanças reais nos níveis de
investimento alemão na China podem ter caído menos. Os dados indicam que a
Alemanha exportou 6,2% menos em valor para a China em julho em comparação com
julho de 2022.
Fonte: Deutsche Welle/Sputnik Brasil
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