quinta-feira, 4 de maio de 2023


 Syngenta foi dona de fazenda sobreposta à TI Porquinhos, no Maranhão

Dona de um quarto do mercado mundial de agrotóxicos e 9,2% da produção global de sementes transgênicas, a holding sino-suíça Syngenta tem uma história marcada por fatos desabonadores. Da perseguição a cientistas que questionaram a segurança do pesticida Paraquate à condenação pelo assassinato de um sem-terra no Paraná, são várias as denúncias de movimentos sociais, imprensa e grupos de pesquisa contra o modus operandi da multinacional.

A última dessas denúncias ocorreu nesta terça-feira (02), em reportagem publicada pelo UOL, que revelou a ação de funcionários da empresa para ocultar embalagens do bactericida bronopol, um insumo altamente poluente, antes de uma inspeção de fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na planta da empresa em Paulínia (SP). A conspiração para esconder o produto foi comprovada por mensagens internas de funcionários e executivos da empresa e motivou uma multa ambiental de R$ 1,3 bilhão. Segundo o Ibama, 292 lotes de agrotóxicos receberam a adição de bronopol, considerado perigoso para a vida marinha e no caso de ser ingerido por humanos.

Um lado menos conhecido da Syngenta é a sua faceta fundiária. Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), compilados para a produção do relatório “Os Invasores: quem são os empresários brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas”, a empresa aparecia como dona, até 2021, da Fazenda Olho D’Água, em Fernando Falcão (MA), um imóvel de 900,87 hectares inteiramente sobreposto à área demarcada para ampliação da Terra Indígena Porquinhos dos Canela-Apanyekrá. A TI se espalha por quatro municípios maranhenses e aguarda a conclusão de seu processo de reestudo desde 2009.

Segundo os dados do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) do Incra, a fazenda teve sua titularidade transferida em 2022, passando da Syngenta Proteção de Cultivos Ltda para o fazendeiro Neuri Genevro, cujo CPF aparece no descritivo de restrição de uso do Cadastro Ambiental Rural (CAR) do imóvel, que também aponta a sobreposição em área indígena. A data da atualização do CAR é justamente de 2022.

Dono da Agropecuaria Italbrasil, Neuri é dono de duas fazendas de pecuária em Monte Do Carmo, no Tocantins, sendo a maior delas de 2.358,27 hectares. Ele também é presidente da Associação dos Produtores Rurais da Fazenda Olho D’Água da Soledade, com sede em São Félix de Balsas (MA).

Enquanto isso, o povo Canela sofre com o desmatamento de seu território tradicional: a TI Porquinhos foi a mais desmatada do Cerrado brasileiro em 2019, conforme estudo do Instituto Cerrados.

Confira abaixo o mapa da sobreposição do imóvel vendido pela Syngenta:

OBSERVATÓRIO DESTACA CASOS EM SÉRIE DE REPORTAGENS

A aventura em terras maranhenses não foi a única sobreposição ligada à Syngenta identificada no relatório “Os Invasores“. A 2.500 quilômetros da TI Porquinhos, no município de Itaporã (MS), fica a Fazenda Vazante, que possui 13.626,94 hectares incidentes sobre a área de reestudo demarcada da TI Cachoeirinha. Trata-se da sexta maior sobreposição em terra indígena do Brasil, ocupando 37% da área total delimitada para a ampliação do território do povo Wedezé.

A propriedade pertence a Waldir da Silva Faleiros, antigo dono da Agro Jangada, distribuidora de agrotóxicos e insumos agrícolas comprada pela multinacional suíça, em negociação aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em outubro de 2022. A negociação faz parte da estratégia de verticalização da Syngenta, que vem adquirindo distribuidoras regionais de modo a ampliar seu controle sobre a cadeia produtiva.

As 1.692 sobreposições em terras indígenas reveladas pelo observatório comprovam que a violação dos direitos indígenas não é um mero subproduto do capitalismo agrário. Entre os atores dessa política de expansão desenfreada sobre os territórios tracionais estão algumas das principais empresas do agronegócio brasileiro e global.

Os casos descritos na pesquisa estão sendo explorados também em uma série de vídeos e reportagens deste observatório. Com detalhes — muitos deles complementares ao dossiê — sobre as principais teias empresariais e políticas que conectam os “engravatados”, em cada setor econômico, legal ou ilegal.

 

Ø  Itaú nega conexão com empresários donos de fazendas em terras indígenas no MS

 

Lançado no dia 19 de abril, o relatório “Os Invasores: quem são os empresários brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas”, produzido pelo De Olho nos Ruralistas, divulgou o nome das pessoas físicas e jurídicas por trás de 1.692 casos de sobreposição de fazendas em territórios delimitados pela Fundação Nacional do Índio (Funai), com base nos registros fundiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Além da participação de fazendeiros e de multinacionais do agronegócio, o relatório revela a presença expressiva do setor financeiro em conexão com os proprietários de imóveis sobrepostos a terras indígenas.

Maior banco privado do país e maior conglomerado financeiro do Hemisfério Sul, o Banco Itaú se conecta economicamente a quatro sobreposições de terras indígenas no Mato Grosso do Sul.

A principal delas ocorre por meio do fundo de investimento Kinea. Em outubro de 2022, ele anunciou um aporte de R$ 400 milhões na Alvorada Produtos Agropecuários, empresa de serviços que tem como um dos sócios o dono de um imóvel que avança com 53,4 dos seus 715,7 hectares sobre a TI Guyraroká.

Localizada no município de Caarapó (MS), a Fazenda Santa Emília está registrada em nome do empresário Feres Soubhia Filho, um dos proprietários da Alvorada. Fundada em 1986, em Dourados, no mesmo estado, a empresa possui sede em Goiânia e opera lojas em sete estados. Voltada para atender fazendeiros e pecuaristas, a rede vende medicamentos veterinários para rebanhos, herbicidas para pasto e até arame farpado.

Pertencente aos Guarani Kaiowá, o território possui um papel central na discussão sobre o Marco Temporal. Em 2014, o procedimento administrativo de demarcação da TI Guyraroká foi anulado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), acolhendo a tese de produtores rurais da região de que os indígenas só teriam direito ao território se pudessem comprovar sua ocupação ininterrupta desde 05 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. A tese não considera que milhares de indígenas foram continuamente expulsos de suas terras antes, durante e depois da aprovação da lei maior, só conseguindo retomá-los em anos recentes.

O processo da TI Guyraroká foi reaberto em 2021, tornando-se um caso de repercussão geral. Isto é, caso seja validada pelo STF, a tese do Marco Temporal poderá ser aplicada para todas as terras indígenas do Brasil, o que, na prática, colocará um fim à demarcação de novos territórios.

Procurado pela reportagem, o Itaú se limitou a afirmar que “a propriedade citada não pertence à empresa investida ou suas subsidiárias”.

Ao lado de Feres Soubhia Filho, dono da Fazenda Santa Emília, a subsidiária de investimentos do banco possui assento no Conselho de Administração da Alvorada Produtos Agropecuários. O Kinea, por sua vez, possui dois dos cinco integrantes de seu quadro societário vinculados ao banco: as empresas Itaú Unibanco S.A. e a Itaú Consultoria De Valores Mobiliários E Participações S.A.

EX-SÓCIO DOS MOREIRA SALLES TEM FAZENDA NA TI DOURADOS-AMAMBAIPEGUÁ

O banco da família Moreira Salles atua no agronegócio desde 2002, quando comprou o BBA Creditanstalt. Com participação crescente no ramo, o Itaú lançou em 2021 um projeto de fomento a startups agrícolas que, em dois anos, captou cerca de R$ 1 bilhão de investidores nacionais e internacionais.

Mas a experiência do Itaú no agronegócio vai muito além. A própria fortuna das famílias que compõem o conselho diretivo do conglomerado está intimamente ligada à agricultura.

João Moreira Salles, patriarca fundador do Unibanco, começou os negócios com o comércio e exportação de café no nordeste do estado de São Paulo. Ele chegou a possuir, entre as décadas de 1950 e 1960, a maior área contígua de cafezais do mundo: 370 mil hectares dispostos entre os municípios paranaenses de Goioerê e Campo Mourão, além de outros 57 mil hectares em Matão (SP).

Desse enorme latifúndio restou a Fazenda do Cambuhy: uma área de 5.803 alqueires (14 mil hectares) que já abrigou os Rolling Stones e hoje dá nome ao fundo de investimentos da família Moreira Salles.

Mick Jagger e Keith Richards também estiveram na Fazenda Bodoquena, na serra homônima no Mato Grosso do Sul, uma propriedade de 400 mil hectares que, segundo o Instituto Moreira Salles, foi adquirida em 1956 da Companhia Industrial Franco-Brasileira. Filho de João, Walther Moreira Salles associou-se ao sócio Maurício Verdier e ao banqueiro Nelson Rockefeller no investimento pecuário. Ali, no Pantanal sul-mato-grossense, João e o magnata estadunidense divertiam-se caçando onças-pintadas.

Vendida em 1980 para o Grupo Votorantim, a Fazenda Bodoquena era administrada por Maurício Verdier, ex-sócio dos Moreira Salles no empreendimento. Ele é um dos proprietários da Fazenda Água Branca, cuja área, de 516,9 hectares, está inteiramente sobreposta à TI Dourados-Amambaipeguá I. A regularidade jurídica e ambiental do imóvel motivou um pedido de investigação por parte do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, em 2018. A fazenda está vinculada ao espólio de João Verdier, cuja família possui duas barragens em Laguna Carapã (MS), mesmo município da sobreposição.

Em resposta à reportagem, o banco Itaú afirmou que, até o momento da venda, em 1980, “nenhum documento relacionado à propriedade apresentava qualquer irregularidade” relativa à incidência em território Guarani Kaiowá.

CONEXÕES NO PARAGUAI E FAZENDA DO UNIBANCO COMPLETAM A LISTA
As conexões do Banco Itaú com sobreposições no Mato Grosso do Sul não param por aí. Em Paranhos, a exemplo da Fazenda Água Branca, a Fazenda Ponte de Tábua incide quase totalmente na Terra Indígena Ypoi/Triunfo — 433 hectares de uma área total de 434,7 ha.

O dono é Sebastião Nilson Mendes, denunciado em 2011 pelo Ministério Público do Paraguai, junto a outro brasileiro, o fazendeiro Ali Mohamed Osman, por crime ambiental cometido pela empresa Issos Greenfield International S.A. Segundo a Oxfam Paraguay, a subsidiária do Itaú no país vizinho possui participação na empresa, informação que foi negada pelo banco em resposta à reportagem.

Consta ainda na base de 1.692 sobreposições que originou o relatório “Os Invasores” uma propriedade do antigo Unibanco, incorporado pelo Itaú em 2008, em área sobreposta à TI Kadiwéu: 1,9 hectare da Fazenda Morro do Pantanal, em Corumbá, invadindo uma TI homologada e regularizada há quatro décadas.

Segundo o banco, a propriedade situada em Corumbá foi vendida pelo Itaú Unibanco em 2010. “Até o momento da venda, nenhum documento relacionado à propriedade apresentava qualquer irregularidade”, afirma a nota.

No Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) do Incra, cujos dados serviram de base ao estudo, a propriedade esteve registrada em nome do Unibanco até 2021. No último registro de dados, de 2023, a propriedade aparece em nome de um certo Daniel. O sobrenome foi censurado com base na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

ÍNTEGRA DO POSICIONAMENTO ITAÚ UNIBANCO

Em relação ao relatório em questão, cabe esclarecer que:

– A propriedade situada em Corumbá foi vendida pelo Itaú Unibanco em 2010. Até o momento da venda, não havia irregularidades no registro do imóvel;

– A fazenda Bodoquena foi vendida em 1980 pelo Grupo Moreira Salles. Até o momento da venda, nenhum documento relacionado à propriedade apresentava qualquer irregularidade;

– A fazenda localizada em Laguna Carapã nunca foi de nossa propriedade;

– O Itaú Paraguai não tem ou teve participação acionária em empresas que tivessem como sócias as pessoas e empresas citadas;

– Por fim, em relação ao investimento realizado pela Kinea, esclarecemos que a propriedade citada não pertence à empresa investida ou suas subsidiárias.

 

Fonte: De Olho nos Ruralistas

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