Syngenta foi dona de fazenda sobreposta à TI Porquinhos, no Maranhão
Dona
de um quarto do mercado mundial de agrotóxicos e 9,2% da produção
global de sementes transgênicas, a holding sino-suíça Syngenta tem uma história
marcada por fatos desabonadores. Da perseguição a cientistas que questionaram a
segurança do pesticida Paraquate à condenação
pelo assassinato de um
sem-terra no Paraná, são várias as denúncias de movimentos sociais, imprensa e
grupos de pesquisa contra o modus operandi da multinacional.
A
última dessas denúncias ocorreu nesta terça-feira (02), em reportagem publicada
pelo UOL, que revelou a ação de funcionários
da empresa para ocultar embalagens do bactericida bronopol, um insumo altamente
poluente, antes de uma inspeção de fiscais do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na planta da empresa em
Paulínia (SP). A conspiração para esconder o produto foi comprovada por
mensagens internas de funcionários e executivos da empresa e motivou uma multa
ambiental de R$ 1,3 bilhão. Segundo o Ibama, 292 lotes de agrotóxicos receberam
a adição de bronopol, considerado perigoso para a vida marinha e no caso de
ser ingerido por humanos.
Um
lado menos conhecido da Syngenta é a sua faceta fundiária. Segundo dados do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), compilados para a
produção do relatório “Os Invasores: quem são os empresários
brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas”, a empresa
aparecia como dona, até 2021, da Fazenda Olho D’Água, em Fernando Falcão (MA),
um imóvel de 900,87 hectares inteiramente sobreposto à área demarcada para
ampliação da Terra Indígena Porquinhos dos Canela-Apanyekrá. A TI se espalha
por quatro municípios maranhenses e aguarda a conclusão de seu processo de
reestudo desde 2009.
Segundo
os dados do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) do Incra, a fazenda teve sua
titularidade transferida em 2022, passando da Syngenta Proteção de Cultivos
Ltda para o fazendeiro Neuri Genevro, cujo CPF aparece no descritivo de
restrição de uso do Cadastro Ambiental Rural (CAR) do imóvel, que também aponta a
sobreposição em área indígena. A data da atualização do CAR é justamente de
2022.
Dono
da Agropecuaria Italbrasil, Neuri é dono de duas fazendas de pecuária em Monte
Do Carmo, no Tocantins, sendo a maior delas de 2.358,27 hectares. Ele também é
presidente da Associação dos Produtores Rurais da Fazenda Olho D’Água da Soledade, com sede em São
Félix de Balsas (MA).
Enquanto
isso, o povo Canela sofre com o desmatamento de seu território tradicional: a
TI Porquinhos foi a mais desmatada do Cerrado brasileiro em 2019, conforme
estudo do Instituto Cerrados.
Confira
abaixo o mapa da sobreposição do imóvel vendido pela Syngenta:
OBSERVATÓRIO
DESTACA CASOS EM SÉRIE DE REPORTAGENS
A
aventura em terras maranhenses não foi a única sobreposição ligada à Syngenta
identificada no relatório “Os Invasores“. A 2.500
quilômetros da TI Porquinhos, no município de Itaporã (MS), fica a Fazenda
Vazante, que possui 13.626,94 hectares incidentes sobre a área de reestudo
demarcada da TI Cachoeirinha. Trata-se da sexta maior sobreposição em terra
indígena do Brasil, ocupando 37% da área total delimitada para a ampliação do
território do povo Wedezé.
A
propriedade pertence a Waldir da Silva Faleiros, antigo dono da Agro Jangada,
distribuidora de agrotóxicos e insumos agrícolas comprada pela multinacional
suíça, em negociação aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade) em outubro de 2022. A negociação faz parte da estratégia de
verticalização da Syngenta, que vem adquirindo distribuidoras regionais de modo
a ampliar seu controle sobre a cadeia produtiva.
As
1.692 sobreposições em terras indígenas reveladas pelo observatório comprovam
que a violação dos direitos indígenas não é um mero subproduto do capitalismo
agrário. Entre os atores dessa política de expansão desenfreada sobre os
territórios tracionais estão algumas das principais empresas do agronegócio
brasileiro e global.
Os
casos descritos na pesquisa estão sendo explorados também em uma série de
vídeos e reportagens deste observatório. Com detalhes — muitos deles
complementares ao dossiê — sobre as principais teias empresariais e políticas
que conectam os “engravatados”, em cada setor econômico, legal ou ilegal.
Ø
Itaú
nega conexão com empresários donos de fazendas em terras indígenas no MS
Lançado
no dia 19 de abril, o relatório “Os Invasores: quem são os empresários
brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas”, produzido pelo
De Olho nos Ruralistas, divulgou o nome das pessoas físicas e jurídicas por
trás de 1.692 casos de sobreposição de fazendas em territórios delimitados pela
Fundação Nacional do Índio (Funai), com base nos registros fundiários do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Além da
participação de fazendeiros e de multinacionais do agronegócio, o relatório
revela a presença expressiva do setor financeiro em conexão com os
proprietários de imóveis sobrepostos a terras indígenas.
Maior
banco privado do país e maior conglomerado financeiro do Hemisfério Sul, o
Banco Itaú se conecta economicamente a quatro sobreposições de terras indígenas
no Mato Grosso do Sul.
A
principal delas ocorre por meio do fundo de investimento Kinea. Em outubro de
2022, ele anunciou um aporte de R$ 400 milhões na Alvorada Produtos
Agropecuários, empresa de serviços que tem como um dos sócios o dono de um imóvel
que avança com 53,4 dos seus 715,7 hectares sobre a TI Guyraroká.
Localizada
no município de Caarapó (MS), a Fazenda Santa Emília está registrada em nome do
empresário Feres Soubhia Filho, um dos proprietários da Alvorada. Fundada em
1986, em Dourados, no mesmo estado, a empresa possui sede em Goiânia e opera
lojas em sete estados. Voltada para atender fazendeiros e pecuaristas, a rede
vende medicamentos veterinários para rebanhos, herbicidas para pasto e
até arame farpado.
Pertencente
aos Guarani Kaiowá, o território possui um papel central na discussão sobre o
Marco Temporal. Em 2014, o procedimento administrativo de demarcação da TI
Guyraroká foi anulado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), acolhendo a tese de
produtores rurais da região de que os indígenas só teriam direito ao território
se pudessem comprovar sua ocupação ininterrupta desde 05 de outubro de 1988,
data de promulgação da Constituição. A tese não considera que milhares de
indígenas foram continuamente expulsos de suas terras antes, durante e depois
da aprovação da lei maior, só conseguindo retomá-los em anos recentes.
O
processo da TI Guyraroká foi reaberto em 2021, tornando-se um caso de
repercussão geral. Isto é, caso seja validada pelo STF, a tese do Marco
Temporal poderá ser aplicada para todas as terras indígenas do Brasil, o que,
na prática, colocará um fim à demarcação de novos territórios.
Procurado
pela reportagem, o Itaú se limitou a afirmar que “a propriedade citada não
pertence à empresa investida ou suas subsidiárias”.
Ao
lado de Feres Soubhia Filho, dono da Fazenda Santa Emília, a subsidiária de
investimentos do banco possui assento no Conselho de Administração da Alvorada Produtos Agropecuários. O Kinea, por sua
vez, possui dois dos cinco integrantes de seu quadro societário vinculados ao
banco: as empresas Itaú Unibanco S.A. e a Itaú Consultoria De Valores Mobiliários
E Participações S.A.
EX-SÓCIO
DOS MOREIRA SALLES TEM FAZENDA NA TI DOURADOS-AMAMBAIPEGUÁ
O
banco da família Moreira Salles atua no agronegócio desde 2002, quando comprou
o BBA Creditanstalt. Com participação crescente no ramo, o Itaú lançou em 2021
um projeto de fomento a startups agrícolas que, em dois
anos, captou cerca de R$ 1 bilhão de investidores nacionais e internacionais.
Mas
a experiência do Itaú no agronegócio vai muito além. A própria fortuna das
famílias que compõem o conselho diretivo do conglomerado está intimamente
ligada à agricultura.
João
Moreira Salles, patriarca fundador do Unibanco, começou os negócios com o
comércio e exportação de café no nordeste do estado de São Paulo. Ele chegou a
possuir, entre as décadas de 1950 e 1960, a maior área contígua de cafezais do mundo: 370
mil hectares dispostos entre os municípios paranaenses de Goioerê e Campo
Mourão, além de outros 57 mil hectares em Matão (SP).
Desse
enorme latifúndio restou a Fazenda do Cambuhy: uma área de 5.803 alqueires (14 mil
hectares) que já abrigou os Rolling Stones e hoje dá
nome ao fundo de investimentos da família
Moreira Salles.
Mick
Jagger e Keith Richards também estiveram na Fazenda Bodoquena, na serra
homônima no Mato Grosso do Sul, uma propriedade de 400 mil hectares que,
segundo o Instituto Moreira Salles, foi adquirida em 1956 da Companhia
Industrial Franco-Brasileira. Filho de João, Walther Moreira Salles associou-se
ao sócio Maurício Verdier e ao banqueiro Nelson Rockefeller no investimento
pecuário. Ali, no Pantanal sul-mato-grossense, João e o magnata estadunidense
divertiam-se caçando onças-pintadas.
Vendida
em 1980 para o Grupo Votorantim, a Fazenda Bodoquena era administrada por
Maurício Verdier, ex-sócio dos Moreira Salles no empreendimento. Ele é um dos
proprietários da Fazenda Água Branca, cuja área, de 516,9 hectares, está
inteiramente sobreposta à TI Dourados-Amambaipeguá I. A regularidade jurídica e
ambiental do imóvel motivou um pedido de investigação por parte do Ministério
Público de Mato Grosso do Sul, em 2018. A fazenda está vinculada ao espólio de
João Verdier, cuja família possui duas barragens em Laguna Carapã (MS), mesmo
município da sobreposição.
Em
resposta à reportagem, o banco Itaú afirmou que, até o momento da venda, em
1980, “nenhum documento relacionado à propriedade apresentava qualquer
irregularidade” relativa à incidência em território Guarani Kaiowá.
CONEXÕES
NO PARAGUAI E FAZENDA DO UNIBANCO COMPLETAM A LISTA
As
conexões do Banco Itaú com sobreposições no Mato Grosso do Sul não param por
aí. Em Paranhos, a exemplo da Fazenda Água Branca, a Fazenda Ponte de Tábua
incide quase totalmente na Terra Indígena Ypoi/Triunfo — 433 hectares de uma
área total de 434,7 ha.
O
dono é Sebastião Nilson Mendes, denunciado em 2011 pelo Ministério Público do
Paraguai, junto a outro brasileiro, o fazendeiro Ali Mohamed Osman, por crime
ambiental cometido pela empresa Issos Greenfield International S.A. Segundo
a Oxfam Paraguay, a subsidiária do
Itaú no país vizinho possui participação na empresa, informação que foi negada
pelo banco em resposta à reportagem.
Consta
ainda na base de 1.692 sobreposições que originou o relatório “Os Invasores” uma propriedade
do antigo Unibanco, incorporado pelo Itaú em 2008, em área sobreposta à TI
Kadiwéu: 1,9 hectare da Fazenda Morro do Pantanal, em Corumbá, invadindo uma TI
homologada e regularizada há quatro décadas.
Segundo
o banco, a propriedade situada em Corumbá foi vendida pelo Itaú Unibanco em
2010. “Até o momento da venda, nenhum documento relacionado à propriedade
apresentava qualquer irregularidade”, afirma a nota.
No
Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) do Incra, cujos dados serviram de base ao
estudo, a propriedade esteve registrada em nome do Unibanco até 2021. No último
registro de dados, de 2023, a propriedade aparece em nome de um certo Daniel. O
sobrenome foi censurado com base na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
ÍNTEGRA
DO POSICIONAMENTO ITAÚ UNIBANCO
Em
relação ao relatório em questão, cabe esclarecer que:
–
A propriedade situada em Corumbá foi vendida pelo Itaú Unibanco em 2010. Até o
momento da venda, não havia irregularidades no registro do imóvel;
–
A fazenda Bodoquena foi vendida em 1980 pelo Grupo Moreira Salles. Até o
momento da venda, nenhum documento relacionado à propriedade apresentava
qualquer irregularidade;
–
A fazenda localizada em Laguna Carapã nunca foi de nossa propriedade;
–
O Itaú Paraguai não tem ou teve participação acionária em empresas que tivessem
como sócias as pessoas e empresas citadas;
–
Por fim, em relação ao investimento realizado pela Kinea, esclarecemos que a
propriedade citada não pertence à empresa investida ou suas subsidiárias.
Fonte:
De Olho nos Ruralistas
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