Paulo Kliass: O
governo entre austeridade e novo projeto nacional
Ao
que tudo indica, o presidente Lula ainda não foi bem alertado a respeito dos
riscos embutidos no texto sobre o arcabouço fiscal que a equipe econômica lhe
entregou para que ele encaminhasse oficialmente ao Congresso. A matéria ganhou
a forma do Projeto de Lei Complementar PLP
93/2023 e
que já começou a tramitar n Câmara dos Deputados. O deputado Cláudio Cajado
(PP/BA) será o relator. O parlamentar do bloco conservador já tem dado
declarações e tomado inciativas que visam arrochar ainda os critérios da
austeridade fiscal.
A
trapalhada toda começou ainda antes da posse do novo governo, quando foi
redigida a chamada “PEC da Transição”, promulgada sob a forma da Emenda
Constitucional (EC) 126. Naquele momento, ao invés de simplesmente propor a
eliminação do teto de gastos por meio da revogação da EC 95, tal como proposto
durante a campanha eleitoral, a estratégia sugerida pelo futuro ministro da
Fazenda foi introduzir uma verdadeira armadilha na proposta de emenda
constitucional. Sabe-se lá por qual motivo, o governo criou um problemaço para
si mesmo e para o país, antes de tomar posse.
A
EC 126 estabelece que o teto de gastos só será efetivamente revogado quando for
sancionada uma lei complementar que trate de um novo regime fiscal. Pelo texto,
o governo teria até 31 de agosto para encaminhar a proposição ao Parlamento.
Fernando Haddad optou por acelerar a elaboração e a conclusão da proposta,
processo em que ouviu apenas o presidente do Banco Central e representantes de
bancos e do sistema financeiro para colher críticas e sugestões. Não foram
chamados a conversar os economistas que pensam de forma diversa ao establishment do
financismo, nem representantes do movimento sindical ou demais entidades da
sociedade civil.
·
PLP 93 e a manutenção da austeridade
Por
incrível que pareça, o governo do PT só negociou com banqueiros para formatar
uma medida que afeta de forma direta a vida da maioria da população e pode comprometer
de forma severa o futuro do Brasil. Como o PLP 93 veio para substituir a enorme
desgraça representada pelo teto de gastos introduzido por Temer e mantido por
Bolsonaro, a retórica apresentada agora para defender o indefensável diz que o
“teto do Haddad” seria melhor do que o do Meirelles e do Paulo Guedes. Ora,
afirmar que a medida é melhor do que a EC 95 não é nenhuma virtude. Qualquer
coisa consegue ser melhor do que o congelamento das despesas orçamentárias por
longos 20 anos.
A
proposta de Haddad é muito ruim por vários pontos de vista. Em primeiro lugar,
ela se propõe a manter a lógica de geração de superávit primário como meta de
política fiscal. Assim, o dispêndio financeiro com o pagamento de juros da
dívida pública permanece como uma “despesa VIP” na execução do orçamento – um
gasto sem teto e intocável. Ao longo dos últimos 12 meses, por exemplo, o valor
total alcançou a cifra de R$ 700 bilhões para essa rubrica. E o pior é que se
trata de recursos que se destinam apenas aos 1% do topo da nossa pirâmide da
desigualdade.
Em
segundo lugar, a proposta mantém a lógica de privilegiar o ajuste pelo lado da
compressão de despesas em relação às receitas. De acordo com os dispositivos do
PLP 93, as despesas só poderão crescer a um ritmo de 70% daquilo que for
observado na elevação das receitas. Trata-se de um absurdo, que visa tão
somente obter um saldo maior de tal subtração para que se converta em recursos
destinados à despesa financeira. Ora, de qual cartola foi tirado esse número
mágico? Por que não 80%, 90% ou 100%? Na verdade, não deveria existir nenhuma
limitação a esse respeito.
·
Social liberalismo: traição e fracasso na Europa.
Em
terceiro lugar, a proposta tem uma característica perversa: ela atua de forma
prócíclica na dinâmica da macroeconomia. Na verdade, o que o Brasil necessita é
justamente de uma política fiscal diametralmente oposta, que seja
contracíclica, como se diz no economês. Isso significa que, ao contrário do que
sugere o senso comum, e também os especialistas a soldo do sistema financeiro,
nos momentos de recessão e estagnação da economia (como o atual), o Estado
precisa aumentar o seu nível de despesas, em especial os investimentos
públicos. A saída para alcançar a trilha do crescimento das atividades da
economia e para viabilizar a implementação de um projeto de desenvolvimento
nacional pressupõe o protagonismo do setor público e não a sua retração.
Já
houve outros momentos na História em que a chegada de governos progressistas ao
poder terminou por frustrar expectativas dos eleitorados e das próprias
sociedades que apostaram na mudança. Foi o caso de François Mitterrand na
França e de Felipe Gonzalez na Espanha, nas décadas de 1980 e 1990. Os partidos
socialistas de ambos os países ganharam as eleições, mas terminaram por abandonar
seus programas na área da economia, incorporando o discurso e os programas do
neoliberalismo. Privatização e austeridade fiscal, entre outras medidas,
passaram a fazer parte do cardápio de tais governos, seguidos logo depois por
Tony Blair, à frente do Partido Trabalhista na Inglaterra.
Esta
rendição aos pressupostos conservadores na política econômica ficou mesmo
caracterizada como uma corrente pelos estudiosos da economia e da ciência
política, o chamado social liberalismo. Eram governos ainda com algum grau de
preocupação social, mas que se renderam programática e ideologicamente aos
dogmas neoliberais. Criticados pelas forças políticas que aguardavam mudanças e
saudados pelos defensores do sistema que deveria ser transformado, esses
governos fizeram o serviço sujo para as elites de seus países e da União
Europeia, abrindo caminho para o retorno da direita ao poder e facilitando o
crescimento do extremismo de direita. A esquerda europeia sofre até hoje as
consequências da estratégia equivocada que adotou no passado.
·
Austeridade fiscal: obstáculo ao desenvolvimento
Ora,
o presidente Lula parece ter a intenção de caminhar em direção oposta. Seus
discursos na cerimônia de 100 dias de seu governo e na manifestação do Primeiro
de Maio sugerem a confiança em um programa de recuperação da economia e da
sociedade. Lula segue bastante alinhado com as promessas de sua campanha, onde
garantia que iria fazer mais e melhor do que em seus dois mandatos anteriores.
Por outro lado, tem reafirmado a necessidade e o desejo de colocar em marcha um
robusto programa de investimentos públicos, de forma a conseguir cumprir a meta
de fazer 40 anos em 4. As regras do novo arcabouço fiscal não vão permitir que
isso seja transformado em realidade. Logo depois de ter a política monetária
sequestrada pela lei de autonomia do Banco Central, agora Haddad propõe abrir
mão também do enorme potencial oferecido por uma política fiscal robusta e
ativa.
O
momento atual exige ousadia de um verdadeiro estadista. Lula tem esse perfil e
apresenta condições únicas de liderança para conquistar corações e mentes da
população brasileira em tal direção. Mas para levar tal projeto à frente,
precisa livrar-se das amarras da austeridade fiscal embutidas no PLP 93. Talvez
ele seja das poucas personalidades políticas do país capaz de convencer também
parte de nossas elites a respeito da urgência de superar o dogmatismo do
atraso, esse mesmo proporcionado pelo ideário liberal que se associa com a
austeridade.
Até
mesmo nos Estados Unidos a situação se modificou bastante. Recentemente o
assessor especial da Casa Branca para Assuntos de Segurança Nacional, Jake
Sullivan, fez uma longa exposição a respeito da estratégia do
governo Biden. Alguns pontos chegam a surpreender observadores incautos das
mudanças em curso no próprio centro do capitalismo global. Diz Sullivan:
(…)
“Este momento exige que nós forjemos um novo consenso” (…)
(…)
“os motores da desigualdade econômica estão associados aos
cortes regressivos nos impostos, aos profundos cortes no investimento
público, ao descontrole na concentração das grandes corporações
empresariais e às medidas para minar o poder do movimento sindical” (…)
(…)
“A moderna estratégia industrial americana identifica setores específicos que
são fundamentais para o crescimento econômico, estratégicos de uma perspectiva
de segurança nacional e nos quais a indústria privada sozinha não está
em condições de realizar os investimentos indispensáveis para
assegurar nossas necessidades nacionais. (…) Isso pressupõe a implantação
de investimento público direcionado nestas áreas para destravar o
poder a e a engenhosidade do mercado privado” (…)
(..)
“ Uma declaração conjunta do Presidente Biden e da Presidenta da Comissão
Europeia afirma que os investimentos públicos audaciosos em
nossas respectivas capacidades industriais precisam estar no coração de nossa
transição energética” (…) [GN e tradução livre do autor]
As
tarefas para reconstruir o Brasil do desastre causado pelo governo do genocida
e abrir caminho para o desenvolvimento social e econômico são incompatíveis com
as amarras e as limitações impostas pela versão atual do PLP 93. Reproduzir por
aqui os equívocos do social liberalismo, quando os próprios países do centro do
capitalismo apontam para necessidade de recuperação do investimento público,
pode se converter em um tiro no próprio pé. É por isto que a articulação das
forças progressistas no interior do Congresso nacional e fora dele se torna tão
importante. O movimento social precisa pressionar os congressistas aprovarem a
as emendas apresentadas, que se destinam a aperfeiçoar o projeto e a retirar
seus dispositivos que apenas reforçam a austeridade fiscal em prejuízo de um projeto
nacional.
Ø As origens
suspeitas do “arcabouço fiscal”. Por Evilásio Salvador
O
governo encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar (PLP
93/2023), que “institui regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade
macroeconômica do país e criar as condições adequadas ao crescimento
socioeconômico”. A proposta foi denominada de Novo Arcabouço Fiscal (NAF) pela
equipe econômica do governo Lula 3.
Mais
do que a aparência, temos que entender a essência do chamado novo arcabouço
fiscal. Para tanto, é necessária a compreensão em que inserem as medidas, suas
reais intenções e as implicações para as políticas sociais. Cabe um breve
resgate do contexto histórico em que o PLP está inserido.
Desde
1993, quando da elaboração do Plano Real, o Brasil vem buscando e praticando um
ajuste fiscal permanente, que tem como característica central impor limite ao
crescimento dos gastos sociais (custeio e investimento), uma canalização de
recursos do fundo público para o pagamento de juros e encargos da dívida
pública e redução dos tributos do mais ricos ou até mesmo sua eliminação, como
foi caso do fim da tributação dos lucros e dividendos, em 1996.
Desde
então, a política fiscal é uma das bases centrais no programa de ajuste
neoliberal adotado, juntamente com taxa de juros escorchantes. A estas duas
ações soma-se a recente “independência” do Banco Central, que passa cada vez
mais a comandar o mercado financeiro, as privatizações, a abertura comercial e
a desindustrialização do país, entre outras medidas.
A
busca de uma chamada poupança pública positiva – “resultado primário” -,
conforme recomendado no documento de referência desse período, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho
do Estado,
constitui uma espécie de mantra, mesmo durante os chamados governos
neodesenvolvimentistas (2003 a 2015), o que, na realidade, foi uma espécie de
social-liberalismo.
As
políticas sociais sofreram fortes impactos dos instrumentos de ajuste fiscal
adotados desde então: desvinculação de recursos destinados obrigatoriamente a
áreas como Saúde e Educação (por meio do “FSE”, “FEF” e “DRU”), Lei de
Responsabilidade Fiscal e desonerações tributárias, cujos resultados são
contrarreformas previdenciárias e trabalhista, mercantilização e privatização
de políticas sociais (incluindo formas não clássicas, como a chamada
publicização via organizações sociais), um subfinanciamento das políticas
sociais, em especial da seguridade social (previdência, assistência social e
saúde).
Após
o golpe de 2016, os direitos dos/as trabalhadores/as foram atacados com
profundo ajuste fiscal, a sua face mais cruel de austeridade foi implementada
por meio da Emenda Constitucional (EC) 95 (conhecida como “teto dos gastos”),
que impôs um congelamento nos gastos sociais por 20 anos, ocorrendo
desfinanciamento das políticas sociais, com redução drásticas no orçamento da
educação, nos direitos humanos vinculados à função orçamentária direitos da
cidadania, redução nos serviços socioassistenciais e congelamento de gastos com
saúde, mesmo durante a pandemia de covid 19.
Durante
o período de transição para o novo governo, foi aprovada a Emenda
Constitucional (EC) 126, cujos artigos 6º e 9º preveem o envio ao Congresso
Nacional de um Projeto de Lei Complementar estabelecendo um regime fiscal
sustentável. Enquanto isso, fica em vigor a EC 95. O PLP 93/2023, ou “Novo
Arcabouço Fiscal”, é apresentado no sentido de cumprir essa exigência
constitucional. Mas, mais do que isso, ele atende aos interesses econômicos do
capital, diante de um teto de gastos de cumprimento pouco exequível.
A
iniciativa proposta vem a substituir, portanto, a malfadada EC 95 (teto dos
gastos), mas não foi em nenhum momento discutida com a classe trabalhadora e
com os movimentos sociais e sindicais. Mais uma vez, é uma iniciativa que
blinda a economia do debate político na esfera pública, limitando-o aos
iluminados da tecnocracia econômica, o que é lamentável vindo de um governo
“progressista”. Aliás, tem-se uma engenharia criativa para garantir a captura
do fundo público para o pagamento juros e encargos da dívida pública (R$ 500
bilhões) e limitar o crescimento do orçamento social do governo.
O
NAF segue a velha ladainha neoliberal, baseada em dois mitos, o falacioso
entendimento de que a gestão estatal das finanças públicas deve ser igual à
administração do orçamento doméstico ou empresarial e a crença na fada da
confiança, isto é, um forte ajuste fiscal aumentaria os investimentos,
contrariando as evidências empíricas de que o investimento é puxado pela
demanda de produtos e serviços e na expectativa de lucros.
A
proposta traz alterações para as estimativas de metas anuais para o resultado
primário do governo central, que passam a abranger três exercícios fiscais e a
contar com “intervalos de tolerância”.
As
despesas primárias, excetuando os tetos constitucionais com educação, saúde e
outros gastos listados no PLO 93/2023 (Art. 3º, § 2º, incisos I a XIII), ficam
limitadas a determinado percentual do crescimento real apurado das receitas
primárias, que será ajustado a depender do alcance da meta de resultado
primário, sendo reduzido quando o resultado apurado no ano anterior ficar
abaixo do intervalo de tolerância da meta. As despesas primárias também ficam
limitadas ao piso e ao teto de crescimento, independentemente do crescimento da
receita.
O
NAF estabelece que os investimentos públicos, incluindo as inversões
financeiras destinadas a programas habitacionais, não poderão ser inferiores ao
montante dos investimentos programados na lei orçamentária anual do exercício
de 2023, devidamente corrigidos pela inflação a cada ano. E caso o governo
consiga entregar um resultado primário maior que o limite superior da meta,
esse excesso poderá financiar novos investimentos.
O
PLP 93/2023 permite que cada novo governo defina, no início do seu mandato, os
parâmetros de crescimento de despesa para os quatro anos seguintes, sendo que,
para os exercícios de 2024 a 2027, do governo Lula, foi apresentada a proposta
como se segue.
O
compromisso de trajetória de resultado primário até 2026, em 2023, a meta seria
de -0,5% do PIB (sendo que o próprio “mercado” espera – 1,02%). Essa meta tem
banda de variação tolerável de -0,25 a -0,75%. Em 2024, sobe para 0%; em 2025,
para 0,5% e, em 2026, para 1% do PIB. Com isso, o governo assume um claro
compromisso de atendimento dos rentistas que vivem com os rendimentos dos juros
da dívida pública em detrimento de canalizar os recursos para os gastos
sociais.
O
atual teto de gastos passa a ter banda com crescimento real da despesa primária
entre 0,6% e 2,5% ao ano (excetuando despesas constitucionais com regras
próprias, como saúde e educação), o que o governo denominou, na exposição de
motivos do PLP, como um “mecanismo anticíclico”. O crescimento anual da despesa
está limitado a 70% da variação da receita primária dos últimos 12 meses,
terminados em junho do ano de elaboração do projeto de lei orçamentária. Aqui
se parte de uma falsa premissa, pois 0,6% de crescimento acima do IPCA não tem
nada de anticíclico. Ao contrário, vai contribuir para agravar uma eventual
recessão. Cabe lembrar que, em 2009, no bojo de medidas para enfrentar os
efeitos da crise do capital, o próprio governo Lula expandiu os gastos reais em
quase 10%, o que seria impossível com o atual PLP.
Se
não bastassem os limites impostos para o crescimento dos gastos sociais do
governo, ainda vai ocorrer uma punição caso o resultado primário fique abaixo
do piso mínimo, obrigando a redução do crescimento de despesas para 50% da
variação da receita no exercício seguinte. Isso demonstra que o caráter
anticíclico da medida está apenas na superfície, pois, no concreto, um
resultado primário abaixo do esperado tenderá a ser uma resultante de uma
frustração das receitas em decorrência de baixo crescimento econômico.
O
intervalo de tolerância de crescimento real será convertido em valores
correntes, de menos 0,25 % e de mais 0,25% do Produto Interno Bruto previsto no
respectivo Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias. A título de exemplo, se
a taxa do PIB cresce 3%, as despesas poderão crescer 2,1%. Idem para as
receitas, garantido um piso de 0,6% de incremento nas despesas, o que indica
que, a longo prazo, com as previsões atuais, o crescimento do gasto não deve
atingir o teto de 2,5% no terceiro governo Lula, ou seja, vai crescer menos. A
saída passaria pelo aumento da carga tributária, o que não parece ser o caminho
que o governo vai adotar, conforme as entrevistas do ministro da fazenda,
preferindo o combate à elisão fiscal. Portanto, o NAF não garante a sustentação
do patamar de gasto/PIB, e o tamanho do Estado na economia poderá encolher nos
próximos anos.
Em
prazo mais longo que o antigo teto dos gastos, o NAF vai enfrentar a mesma
questão. Os gastos com benefícios previdenciários, Educação e Saúde, que estão
garantidos pela Constituição terão crescimento superior às demais despesas,
limitadas pelas novas regras. O corolário certamente serão ajustes na política
para o o salário-mínimo, o que repercute em benefícios menores na seguridade
social (piso previdenciário e BPC) e nos salários dos servidores públicos.
A
garantia de um piso de investimento indica um avanço em relação às regras
atuais. Os investimentos possuem piso de R$ 75 bilhões programados para 2023
(menos de 1% do PIB) e serão corrigidos pela inflação a cada ano. O resultado
primário acima do teto permite a utilização do excedente para investimentos, o
que é um paradoxo. O governo tem que aumentar o resultado primário (ou seja,
reduzir o gasto potencial em Saúde, Educação e outras áreas sociais) para a
sociedade ter direito a investimentos públicos.
O
orçamento é uma peça política que serve para indicar as quotas de sacrifício
sobre os membros da sociedade no tocante ao financiamento do Estado. Serve como
instrumento de controle e direcionamento dos gastos. Portanto, os gastos do
Estado e a fonte dos recursos para financiá-lo não é somente econômica. São
principalmente escolhas políticas, refletindo a correlação das lutas de classes
e a hegemonia na sociedade.
O
governo desperdiça uma oportunidade de fazer minimamente justiça fiscal na
arrecadação tributária: com o fim da isenção do Imposto de Renda sobre
rendimentos recebidos como lucros e dividendos; a extinção dos juros sobre
capital próprio; a regulamentação dos impostos sobre grandes fortunas, entre
outras propostas.
Uma
proposta digna, no campo progressista e perante um Parlamento conservador como
o nosso, deveria apostar mais na radicalidade de uma reforma tributária justa e
de um orçamento que coloque os direitos sociais como prioridade absoluta, com
amplo revogaço das medidas de austeridade fiscal. A proposta não traz nenhum
compromisso de metas sociais, quiçá de expectativa de universalização de
direitos, o que deve ser prioridade para cumprir o artigo 6º da Constituição
Federal.
Fonte:
Le Monde
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