"É quase uma
guerra", diz Sonia Guajajara sobre situação na TI Yanomami
À
DW, ministra dos Povos Indígenas fala sobre preocupação com transformação do
território yanomami num “campo de batalha sangrento”, a retomada da demarcação
de terras e a oposição enfrentada no Congresso.A escalada de violência na Terra
Indígena (TI) Yanomamipreocupa o Ministério dos Povos Indígenas. No vasto
território dividido entre os estados de Roraima e Amazonas, onde equipes de
fiscalização e segurança atuam para expulsar garimpeiros, ao menos 13 pessoas
foram mortas somente desde o último sábado (29/04).
“Agora é quase uma guerra. É um querendo se
defender do outro. Eles [garimpeiros] veem os indígenas e já vão para cima, e
os indígenas reagem para não morrer. A presença das forças policiais e de
segurança vai se intensificar para a retirada de todos os garimpeiros”, afirma
Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas.
“A
gente não quer que ali seja um campo de batalha sangrento em que pessoas, tanto
de um lado como do outro, matem e morram tentando se salvar. A gente quer
acabar com esse conflito armado que deixou tantas vítimas”, afirma.
Um
dia após um ataque contra indígenas que resultou na morte do agente de saúde
Ilson Xirixana, de 36 anos, equipes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF)
foram atacadas a tiros por garimpeiros durante uma ação no último domingo. Foi
o quarto contra equipes do Ibama desde o início da operação, em 6 de fevereiro.
Nesta
terça-feira a Polícia Federal informou ter encontrado oito corpos na comunidade
Uxiú. Ainda não há confirmação se as vítimas são indígenas ou garimpeiros. Há
indícios de que uma facção criminosa esteja no controle de garimpos da região.
Na segunda, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima havia confirmado a
morte de quatro garimpeiros na TI, os quais teriam reagido a uma incursão de
agentes da PRF e do Ibama.
Segundo
Sonia Guajajara, dados obtidos via satélite pelo governo apontam que entre 70%
e 80% dos invasores, estimados inicialmente em 30 mil, tenham deixado a TI
Yanomami desde fevereiro. O Ibama calcula que 327 acampamentos de garimpeiros
foram destruídos, além de 18 aviões, 2 helicópteros, centenas de motores e
dezenas de balsas, barcos e tratores.
Em
seus primeiros meses à frente da pasta, a ministra dos Povos Indígenas afirma
que a retomada da política de proteção territorial e das demarcações de terras
são prioridades. “Pretendo, ao fim de quatro anos, deixar o maior número de
terras demarcadas da história”, diz.
A
oposição no Congresso Nacional, por outro lado, é apontada como um grande entrave
a essa meta. “Há também um ataque ao ministério [dos Povos Indígenas] por parte
da oposição, da bancada ruralista, de governadores e parlamentares estaduais
que são contra a demarcação. Eles querem de qualquer forma impedir esse avanço.
A gente precisa se precaver, ter tudo muito argumentado, com provas, para
evitar a judicialização”, argumenta.
LEIA
A ENTREVISTA:
• A senhora fez uma visita emergencial à
Terra Indígena Yanomami após os recentes ataques e mortes. Qual é a situação lá
neste momento?
Sonia
Guajajara: Já houve uma grande mudança no território. A questão sanitária já
está melhor, isso é visível. A presença dos madeireiros também diminuiu
bastante. Os que ficaram ali insistem em permanecer, não querem sair.
Agora
é quase uma guerra. É um querendo se defender do outro. Eles [garimpeiros] veem
os indígenas e já vão para cima, e os indígenas reagem para não morrer. A
presença das forças policiais e de segurança vai se intensificar para a
retirada de todos eles [garimpeiros].
Os
indígenas estão se colocando à disposição para ajudar as equipes, mostrar e
identificar os garimpeiros que ficaram. Há informação de que eles [garimpeiros]
não estão trabalhando durante o dia e estão trabalhando à noite. De dia, eles
correm o risco de serem vistos pelas equipes de fiscalização do Ibama.
• Os indígenas estão dizendo que sabem
onde estão os acampamentos que os garimpeiros fazem para ficarem escondidos na
mata.
Dados
via satélite do Ibama mostram que de 70% a 80% dos invasores já saíram. Agora a
Polícia Federal mandou mais agentes para lá para poder concluir esta etapa.
• Quem permanece, mesmo com a fiscalização
do Ibama, é o crime organizado?
Há
indícios de que sim, de que quem está ali é foragido da Justiça ou é parte do
crime organizado, que tomou conta de alguns garimpos. Eles, certamente, são
muito perigosos.
Tem
essa preocupação da nossa parte de aumentar essa fiscalização no território
para proteger os indígenas. Mas também a gente tem preocupação com esse
conflito. A gente não quer que ali seja um campo de batalha sangrento em que
pessoas, tanto de um lado como do outro, matem e morram tentando se salvar. A
gente quer acabar com esse conflito armado que deixou tantas vítimas.
• Como está o atendimento à saúde e o
combate à desnutrição infantil? Já é possível ver efeitos do socorro
emergencial?
Sim.
Nós transformamos o hospital de campanha num centro de referência, que está na
base de Surucucu. As pessoas que precisam de atendimento já não vão direto para
Boa Vista, mas passam por esse centro e recebem os primeiros atendimentos. O
tratamento ocorre ali mesmo, dentro do território, só são removidos para Boa
Vista aqueles casos mais graves.
A
distribuição de alimentos adequados, que fazem parte do hábito alimentar deles,
está ocorrendo. Os indígenas nos dizem que está melhorando, e os agentes de
saúde indígenas que acompanham a situação, como é o caso do Junior Yanomami,
presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami, dizem que, no
geral, a situação de desnutrição melhorou bastante.
Iremos
continuar com essa ação de entrega de alimentos ainda dentro de uma situação
emergencial. Mas, posteriormente, estamos articulando essa entrega de
ferramentas para que eles possam produzir seus próprios alimentos, como sempre
fizeram.
• O presidente Lula finalizou na semana
passada o processo de demarcação de seis terras indígenas, o que ficou abaixo
da expectativa dos movimentos indígenas, que aguardavam a homologação de 14
TIs. Essa fila de espera deve andar em breve?
De
fato, nós preparamos tudo para que as 14 terras indígenas fossem homologadas
neste mês de abril, coincidindo com o Acampamento Terra Livre. Mesmo esses
processos que a gente recebeu como já quase concluídos sofriam com falta de
alguns documentos.
Como
Ministério dos Povos Indígenas que agora assina as portarias declaratórias, a
gente tem a responsabilidade de passar para a Casa Civil todos os processos
muito completos e organizados.
Há
também um ataque ao ministério por parte da oposição, da bancada ruralista, de
governadores e parlamentares estaduais que são contra a demarcação. Eles querem
de qualquer forma impedir esse avanço. A gente precisa se precaver, ter tudo
muito argumentado, com provas, para evitar a judicialização.
A
gente observou que alguns documentos que a Casa Civil solicitou foram encaminhados,
mas não houve tempo de concluir algumas análises.
O
principal entrave às demarcações vai ser mesmo a retaliação do Congresso
Nacional. A bancada ruralista já se organiza para aprovar medidas que retira,
inclusive, essa atribuição de assinatura de portarias declaratórias do
Ministério dos Povos Indígenas. Eles estão querendo retomar o PL 490 [projeto
de lei que determina terras indígenas são aquelas que estavam ocupadas pelos
povos tradicionais em 5 de outubro de 1988], antecipar essa votação ao
julgamento do marco temporal, que está marcado para dia 7 de junho no Supremo
Tribunal Federal.
Os
parlamentares estão me convocando no Congresso sempre para eu ir lá, explicar a
demarcação de terras, as retomadas de terras. Nós também estamos nos organizando
para destravar esses processos, mas eles também estão trabalhando para impedir
todo esse avanço.
A
reação deles vem do comprometimento do presidente Lula de avançar com essas
assinaturas [da demarcação de novas terras indígenas].
• O governo do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva tem em ministérios membros de partidos que se posicionaram no passado
contra as políticas indigenistas. Como tem sido esse trabalho interministerial
nesse contexto?
A
gente tem conseguido participar bem dessas discussões. O Ministério de Minas e
Energia, por exemplo, nos chamou para participar do conselho. A gente quer
participar porque esse é um tema que afeta diretamente os territórios
indígenas. A gente quer estar ali para trazer esse olhar, ter o cuidado com os
impactos dos empreendimentos sobre os povos indígenas.
Retomamos
agora o Conselho Nacional de Política Indigenista, que estava parado. E, nesse
âmbito, vamos discutir todas as pautas, essa participação paritária entre
indígenas e órgãos no Executivo.
As
articulações estão muito boas. Temos uma relação boa com todos os ministérios,
eu tenho ido buscar esse apoio. Com todos que eu falo, eles retornam dizendo
que o presidente Lula pediu que nós sejamos muito bem atendidos. Está tendo
essa abertura ao diálogo e uma recepção das nossas pautas.
Agora
nós lançamos no Ministério da Justiça esse grupo de trabalho para discutir o
plano de proteção dos territórios e dos povos nas regiões de fronteira, buscar
medidas de combate ao crime organizado.
• O que a senhora pretende deixar como
legado destes primeiros quatro anos do recém-criado Ministério dos Povos
Indígenas, como política nacional permanente? Há sempre a possibilidade de
extinção de ministérios quando um novo governo assume, ou reativação, como Lula
fez.
A
mudança de consciência das pessoas em relação aos povos indígenas, de que a
gente fez parte, de que a gente deu conta, de que a gente é capaz, de que temos
capacidade de gestão. Por tudo isso, o ministério tem que dar certo nestes
quatro anos.
E
o maior número possível de terras demarcadas. Em dez anos, foram 11 terras
demarcadas, e agora, em quatro meses, a gente demarcou seis – mais da metade do
que ocorreu na última década. Pretendo, ao longo destes anos, terminar as
outras oito e avançar com outros processos. Pretendo, ao fim de quatro anos,
deixar o maior número de terras demarcadas da história.
Quero
deixar este ministério com capacidade orçamentária para executar a política
indigenista. Agora, ainda não temos recursos próprios, a gente faz sempre ações
transversais. É preciso que o ministério tenha essa garantia orçamentária para
executar as políticas nos próximos anos.
Queremos
deixar toda a política indigenista organizada, estruturada, robusta, para que a
gente não volte mais atrás, e que possamos continuar participando do governo
como parte do Poder Executivo.
Também
retomamos a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras
Indígenas (PNGATI), e vamos formar o comitê gestor, fortalecer toda a política
de proteção territorial, restauração de áreas degradadas, fortalecimento
cultural, de apoio e incentivo à produção agrícola a partir das iniciativas
indígenas.
Fonte:
Deutsche Welle
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