quarta-feira, 3 de maio de 2023

Como os pesticidas podem alterar nossos sentidos

Quinze anos atrás, Tim Parton, gerente da fazenda Brewood Park em Staffordshire, na Inglaterra, decidiu inovar, experimentando a agricultura biológica.

Ele deixou de usar pesticidas e fertilizantes sintéticos e passou a aplicar insumos naturais biologicamente ativos — como Trichoderma, uma espécie de fungo — cultivados por ele próprio para ajudar as plantas a crescer e fixar nitrogênio e fósforo no solo.

Parton faz parte de uma comunidade agrícola em crescimento, que adota práticas de agricultura regenerativa, uma técnica que prioriza a saúde do solo e do meio ambiente, minimizando a aplicação de insumos sintéticos.

Ele passou a aplicar insumos biológicos na sua fazenda após enfrentar dores de cabeça e erupções na pele, causadas pelo uso de pesticidas.

Depois de praticar a imersão das ovelhas — um processo que consiste em mergulhar os animais em misturas de pesticidas e inseticidas para eliminar parasitas — frequentemente surgiam caroços nos seus braços.

Essa reação permanecia por vários dias.

"Eu ficava mal, mas, se fosse visitar os médicos, eles diziam 'você só teve uma reação' e não levavam a sério", conta.

Desde que adotou a agricultura biológica, Parton não sofreu mais problemas de saúde. Ele não precisa usar fertilizantes de fósforo e potássio na sua fazenda há mais de 10 anos.

"Tento manter as plantas com o melhor equilíbrio nutricional possível e, se tiver toda a nutrição correta, a planta não fica doente", acrescenta.

Parton afirma que observou um grande aumento das espécies de aves e insetos desde que parou de usar pesticidas para controlar insetos e ervas daninhas.

"O efeito em cadeia é que tenho mais pássaros aqui do que antes e muitas espécies ameaçadas estão se multiplicando porque aqui fica a fonte de alimento", afirma.

Os pesticidas são substâncias químicas usadas para repelir, destruir e controlar pragas, ervas daninhas ou outros organismos que afetam o crescimento das plantas. Eles são eficazes, mas contêm componentes tóxicos que podem ter extensos efeitos, às vezes crônicos, sobre os órgãos sensoriais e o sistema nervoso humano.

Os pesticidas começaram a ser desenvolvidos nos anos 1930 para proteger a produção norte-americana de alimentos. Mas muitas comunidades agrícolas logo ficaram dependentes do seu uso, devido ao seu efeito significativo sobre a produção.

Atualmente, cerca de um terço da produção agrícola mundial depende dos pesticidas.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 1 mil tipos de pesticidas são usados em todo o mundo. Alguns dos mais comuns são os herbicidas (49%), fungicidas e bactericidas (27%) e inseticidas (19%).

Em 1990, o consumo global de pesticidas era de 1,69 milhões de toneladas. Este número cresceu mais de 57% nas últimas duas décadas, atingindo 2,66 milhões de toneladas em 2020. E um relatório do Programa Ambiental das Nações Unidas afirma que as previsões são de crescimento contínuo do uso de pesticidas.

Estima-se que a população mundial atinja 9,3 bilhões de pessoas em 2050, o que irá exigir um aumento da velocidade de produção de alimentos de 60%. Para sustentar essa demanda, os pesquisadores acreditam que os agricultores precisarão usar ainda mais pesticidas.

Um estudo dos sistemas agrícolas europeus afirma que a suspensão total do uso de pesticidas pode gerar uma queda de 78% na produção de frutas, 54% de legumes e verduras e 32% de cereais.

Mas nossa dependência dos pesticidas também traz um custo significativo para o meio ambiente. Pesquisas indicam que os pesticidas podem ser responsáveis pela perda do olfato das abelhas e salmões, além da contaminação de corpos d’água, ameaçando os ecossistemas aquáticos.

Os pesticidas também podem entrar na cadeia alimentar, por meio de um processo conhecido como bioacumulação. Ela ocorre quando uma substância se acumula no corpo devido à nossa incapacidade de decompô-la.

Como os animais e seres humanos não conseguem decompor muitos pesticidas sintéticos, eles podem simplesmente se acumular na gordura corporal, com efeitos prejudiciais à saúde.

Apesar de todas as regulamentações globais sobre o uso de pesticidas, um estudo estima que ocorram cerca de 385 milhões de casos de envenenamento agudo acidental com pesticidas entre os trabalhadores agrícolas todos os anos.

Quando pulverizados, os pesticidas produzem vapores que podem se tornar poluentes do ar.

Nos Estados Unidos, 37-54% das doenças relacionadas aos pesticidas entre os trabalhadores rurais são atribuídas aos resíduos da pulverização.

Os sintomas podem variar de dores de cabeça e náuseas até sensações de queimação da pele.

·         Quais são os inseticidas mais comuns?

Os organofosforados e os piretroides são os dois tipos de inseticida mais consumidos nos Estados Unidos. Ambos são neurotóxicos para os animais.

Os inseticidas são projetados para interferir com o sistema nervoso das espécies-alvo, criando um desequilíbrio químico que evita a transmissão normal dos impulsos nervosos. Mas eles podem também causar efeitos neurotóxicos em outras espécies.

E o uso de inseticidas também já ocasionou a contaminação generalizada de ambientes aquáticos.

·         Os efeitos

Os sintomas iniciais de exposição a pesticidas podem incluir dores de cabeça, náuseas, vertigens e secreção respiratória, segundo a pediatra Michelle Perro, uma das fundadoras da organização sem fins lucrativos GMO Science — uma plataforma pública na qual os médicos discutem e analisam o impacto dos alimentos e produtos agrícolas geneticamente modificados.

Os impactos agudos à saúde podem incluir desde convulsões até depressão respiratória. O modo e a duração da exposição, além do tipo de pesticida utilizado, alteram seu impacto ao nosso sistema nervoso e sensorial.

"A exposição aos pesticidas por inalação através dos nossos pulmões pode ser mais tóxica, pois o nosso intestino contém micróbios que ajudam a desintoxicar os poluentes", explica Perro.

A exposição a pesticidas também foi relacionada à deterioração sensorial. Um dos incidentes mais conhecidos ocorreu nos anos 1960, na região agrícola de Saku, no Japão.

Os moradores da região apresentaram alta incidência de anomalias da visão, após a exposição a inseticidas organofosforados. Os efeitos da doença de Saku incluíam visão embaçada, distúrbios no movimento dos olhos, miopia e astigmatismo.

Um estudo dos moradores da região concluiu que, além dos agricultores, suas viúvas — que podem ter sido expostas à contaminação em casa ou proveniente da pulverização em campos próximos — também sofreram redução da acuidade visual e perda da visão.

"Quando os aplicadores de pesticidas têm resíduos de pesticidas sobre a pele ou as roupas, as pessoas à sua volta podem inalar esses resíduos e a maior exposição secundária também pode trazer efeitos prejudiciais à saúde", segundo Honglei Chen, professor de epidemiologia e bioestatística da Universidade Estadual de Michigan, nos Estados Unidos.

Chen participou de um estudo da Universidade em 2019, que pesquisou o efeito da exposição aos pesticidas sobre o funcionamento do olfato. O estudo acompanhou 11.232 agricultores por um período de 20 anos.

Entre os agricultores estudados, 10,6% sofreram um evento de alta exposição a pesticidas (HPEE, na sigla em inglês). O HPEE não tem definição oficial e depende da interpretação dos agricultores sobre a gravidade da sua exposição ao pesticida. Agricultores com histórico de HPEE apresentaram possibilidade 49% maior de ter o sentido do olfato reduzido.

Um estudo de 2020 concluiu que 44% dos trabalhadores agrícolas — estima-se que haja 860 milhões deles em todo o mundo — sofrem envenenamento por pesticidas todos os anos. Este número se deve à falta de equipamento protetor ou ao uso de equipamento com defeito, o que aumenta a exposição por absorção na pele, inalação ou ingestão.

"Quando os pesticidas entram no corpo por inalação, [eles] ultrapassam a barreira hematoencefálica e prejudicam a função nervosa", afirma Chen. "Alternativamente, [os pesticidas] podem entrar no nosso fluxo sanguíneo através do trato gastrointestinal, se ingeridos."

Muitos estudos também estabelecem uma relação entre o uso de pesticidas e doenças neurodegenerativas. A exposição aos pesticidas já foi associada a condições como o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e o mal de Parkinson.

Um estudo da Universidade de Guelph, no Canadá, indica que os pesticidas causam mutações das células animais, imitando os efeitos das mutações conhecidas por causarem Parkinson.

Outro estudo concluiu que os pesticidas piretroides causam aumento da expressão de transportadores de dopamina (DAT, na sigla em inglês) em camundongos. DAT é um tipo de expressão genética que também é observado em indivíduos com TDAH.

A exposição de pesticidas durante a gravidez ou a primeira infância também já foi associada ao desenvolvimento de autismo entre as crianças.

Por serem projetados para atingir o tecido nervoso dos organismos, inseticidas como os organofosforados, carbamatos e organoclorados são mais tóxicos que os herbicidas. Embora existam fortes evidências de que a exposição aguda em grande quantidade pode gerar danos ao sistema nervoso, os pesquisadores ainda estão estudando se a exposição crônica e moderada tem o mesmo efeito.

Chen afirma que ainda é difícil estabelecer uma ligação causal clara entre os pesticidas e a deterioração da saúde porque "existem muitas toxinas ambientais na atmosfera, como poluentes do ar, vírus e compostos orgânicos voláteis... todos eles podem se acumular no corpo e causar efeitos cumulativos prejudiciais à saúde".

·         Quais são os herbicidas mais comuns?

Na União Europeia, os fungicidas e bactericidas são a classe mais comum de pesticidas (45%), seguidos pelos herbicidas (32%) e inseticidas/acaricidas (11%).

Dois dos herbicidas mais comuns incluem atrazina e glifosato. Estas duas substâncias são usadas para controlar gramas e ervas daninhas e são frequentemente aplicadas a produtos agrícolas comuns, como soja, milho e cana-de-açúcar.

O glifosato passou a ser uma substância especialmente controversa quando a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer da OMS afirmou que ele "provavelmente é carcinogênico para seres humanos", em 2015.

Mas o efeito carcinogênico do glifosato sobre os seres humanos permanece inconclusivo, já que a maioria das pesquisas até hoje foi realizada com animais.

·         Efeitos sobre as crianças

As crianças são particularmente vulneráveis aos pesticidas, devido à sua fisiologia, metabolismo mais rápido e aos seus comportamentos.

"As crianças, muitas vezes, ficam mais perto do chão devido à sua altura e também levam as mãos à boca com frequência, de forma que seu risco de ingerir pesticidas acidentalmente é mais alto, em comparação com os adultos", explica Perro.

Um artigo publicado na revista Environmental Toxicology indica o risco de absorção de doses mais altas de pesticidas pelas crianças, devido à sua maior ingestão de alimentos ou fluidos em proporção ao peso do corpo.

Em 2014, crianças em idade escolar sofreram envenenamento por pesticidas na região de Bordeaux, na França. Em uma escola primária localizada perto de um vinhedo, 23 alunos sofreram náuseas, dores de cabeça e irritação na pele depois que fungicidas foram pulverizados às uvas.

O caso resultou em uma multa de 30 mil euros (cerca de R$ 167 mil) para os dois vinhedos envolvidos, depois de uma ação judicial apresentada por duas associações ambientais francesas, a Sepanso e a Générations Futures.

Casos de crianças doentes devido à exposição a pesticidas podem ser encontrados em todo o mundo. O Havaí e a Nova Zelândia são alguns exemplos.

Na Índia, o envenenamento de crianças por pesticidas é um importante problema de saúde pública há décadas.

Um estudo que documentou o impacto do pesticida de uso agrícola fosfeto de alumínio sobre crianças da zona rural no norte da Índia concluiu que, das 30 crianças internadas em unidades de terapia intensiva, 14 não sobreviveram ao envenenamento com pesticidas.

Os idosos também são particularmente vulneráveis devido à sua pele mais fina, que aumenta o risco de envenenamento por contato dérmico.

E, à medida que o funcionamento dos seus órgãos se deteriora, os rins e o fígado podem demorar mais para remover as toxinas, o que aumenta a possibilidade de acúmulo de pesticidas no corpo, causando danos físicos ou neurológicos.

Embora o envenenamento com pesticidas seja mais provável durante a exposição aguda ou crônica, os consumidores são suscetíveis à ingestão acidental ou contato com a pele.

Não é incomum encontrar resíduos de pesticidas em produtos alimentícios frescos. Em 2022, o Grupo de Trabalho Ambiental dos Estados Unidos (EWG, na sigla em inglês) concluiu que mais de 70% dos produtos frescos não orgânicos do país contêm resíduos de pesticidas potencialmente perigosos.

Um relatório sobre resíduos de pesticidas em alimentos preparado pela Autoridade Europeia de Segurança Alimentar em 2020 afirmou que 29,7% dos produtos continham um ou mais resíduos em quantidades iguais ou abaixo dos limites permitidos, enquanto 1,7% excederam o limite estabelecido por lei.

Segundo os dados obtidos pela OMS e pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), os governos e os organismos intergovernamentais devem estabelecer padrões alimentares e "limites máximos de resíduos" para os pesticidas em diferentes tipos de alimentos.

Os consumidores podem ter controle limitado sobre a frequência e a quantidade de pesticidas aplicados aos seus alimentos, mas os efeitos negativos podem ser reduzidos pelo procedimento básico de lavar ou limpar sua pele ou os alimentos após a exposição.

É possível reduzir os níveis de pesticidas em 10 a 80% com métodos de cozimento e processamento — escaldando, fervendo ou fritando os alimentos. E um estudo comparativo de 2022 concluiu que lavar com água ou ferver é a forma mais eficaz de remover os resíduos de pesticidas.

·         As proibições

Certos países e regiões estabeleceram proibições de pesticidas específicos.

Em 1962, um livro da bióloga Rachel Carson, Silent Spring ("Primavera Silenciosa", Ed. Gaia), apresentou ao público os impactos prejudiciais dos pesticidas ao meio ambiente.

Ele gerou um movimento ambiental nacional nos Estados Unidos, que levou à proibição do inseticida DDT, de uso comum na agricultura na época.

A Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes de 2001, assinada por 90 países, também proibiu mais de 20 substâncias para proteger o meio ambiente e resguardar a saúde humana.

Elas incluem pesticidas como aldrina e DDT, selecionados devido à sua toxicidade, resistência à degradação e capacidade de bioacumulação nos animais e nos ecossistemas.

Mas também existem países que exigem por lei o uso de pesticidas específicos para controlar surtos de doenças na agricultura.

Em 2014, a Borgonha (região francesa produtora de vinhos) multou um viticultor em 500 euros (cerca de R$ 2,8 mil) por infringir as normas governamentais, não pulverizando seu vinhedo orgânico com pesticidas.

A exigência foi anunciada depois de um surto de uma doença dos vinhedos, a flavescência dourada, na região.

Como parte da estratégia da União Europeia para adotar um sistema alimentar mais sustentável, a Comissão Europeia comprometeu-se a reduzir à metade o uso e o risco de pesticidas até 2030. Mas algumas comunidades agrícolas ainda acham que este objetivo é insuficiente.

Um grupo de trabalhadores da agricultura e consumidores formou a iniciativa "Salve as Abelhas e os Agricultores", que pede uma redução de 80% do uso de pesticidas até 2030 e sua proibição completa até 2035.

Histórias de sucesso, como a de Tim Parton, mostram que a produção agrícola sem insumos sintéticos é possível. Em 2020, Parton foi declarado o "Inovador Agrícola do Ano" no Reino Unido, pela sua abordagem de cultivo biológico e sem o uso de máquinas.

Ele afirma que, desde que substituiu os pesticidas pelas bactérias fixadoras de nitrogênio, sua produção é igual ou maior, em relação aos anos anteriores. A fazenda economiza 90 mil libras (cerca de R$ 570 mil) por ano em pesticidas, em comparação com 10 anos atrás.

"O século passado foi o século da química", ele conta. "Este século será o da biologia, já que não podemos continuar poluindo o planeta onde vivemos."

"Eu cultivo no ritmo da natureza, criando um ecossistema saudável na fazenda para as próximas gerações", afirma Parton.

"Juntos, podemos fazer as mudanças necessárias para curar o planeta onde vivemos. Não existe planeta B."

 

Fonte: BBC Future

 

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