Como jovem de 13
anos pôde se armar para matar 8 colegas e segurança em escola da Sérvia
Um
ataque a tiros sem precedentes em uma escola de ensino fundamental em Belgrado,
capital da Sérvia — no qual um menino de 13 anos matou oito colegas de turma e
um segurança do colégio —, chamou a atenção para o número de armas de fogo nas
mãos de cidadãos comuns no ainda volátil país dos Bálcãs.
O
aluno suspeito dos disparos foi levado pela polícia após o ataque na escola
Vladislav Ribnikar, no centro de Belgrado, na manhã de quarta-feira (03/05).
Os
colegas contaram que ele entrou na sala durante uma aula de história, atirou
primeiro na professora e depois apontou a arma para os alunos.
É
o primeiro ataque a tiros desse tipo na Sérvia, segundo o ministro da Educação.
O
país ficou profundamente chocado com o incidente, com muita gente questionando
como o ataque poderia ter acontecido. Foi anunciado um luto nacional de três
dias a partir desta sexta-feira.
·
Como duas armas de fogo foram parar nas mãos de uma
criança?
De
acordo com a polícia, o suspeito pegou as armas do pai de dentro de um cofre na
casa da família. As armas estavam registradas, e o pai tinha licenças válidas
para as mesmas.
Na
Sérvia, armas portáteis, de caça e munições podem ser adquiridas por indivíduos
com mais de 18 anos, desde que as autoridades emitam as respectivas licenças.
De
acordo com a legislação em vigor, é necessário apresentar um motivo válido para
possuir uma arma, assim como um relatório médico. Se a licença for emitida, um
médico precisa acompanhar a saúde do proprietário da arma e reportar alterações
relevantes.
Em
2022, a Sérvia introduziu mudanças na legislação em uma tentativa de levar mais
pessoas a registrar armas, mas não existem dados oficiais sobre o efeito disso.
Predrag
Petrovic, do Belgrade Centre for Security Police, um think-tank independente,
disse ao serviço de notícias sérvio da BBC em 2022 que ainda havia algumas
brechas e falta de cooperação entre as autoridades de saúde e a polícia.
·
A Sérvia tem problemas com armas?
Milhões
de armas portáteis e munições continuam desaparecidas desde a dissolução da
ex-Iugoslávia, o colapso de seu exército e uma década de guerras nos anos 1990.
Estima-se
que os cidadãos da região tenham nove vezes mais armas portáteis e outros
armamentos do que militares e policiais, de acordo com o levantamento Global
Small Arms Survey de 2018.
Na
Sérvia, seriam 40 armas de fogo para cada 100 cidadãos.
Outro
relatório mais recente sugere que a posse de armas na Sérvia e em Montenegro,
país vizinho, é a mais alta da Europa. No entanto, nem todos concordam que as
armas em si são um problema.
"Eu
não diria que a posse de armas é o problema aqui", disse Bojan Elek,
vice-diretor do think-tank Belgrade Centre for Security Police à BBC News.
"O
governo tem feito muita coisa para acabar com todas essas armas ilegais. Há
campanhas regulares de anistia e muita assistência internacional",
acrescentou.
No
entanto, não há como negar a prevalência de armas de fogo na Sérvia.
Palco
de muitos conflitos ao longo dos séculos, os Bálcãs foram uma fonte de armas
por décadas. Muitas residências têm uma arma de fogo como parte da herança
familiar.
"A
instabilidade política e socioeconômica nos Bálcãs nos últimos 30 anos e as
frequentes ameaças verbais [de políticos] em relação a novos conflitos e
guerras levaram muitos a relutar em abrir mão de suas armas — eles preferem
mantê-las 'por via das dúvidas'", afirmou Predrag Petrovic, do Belgrade
Centre for Security Police, ao serviço de notícias sérvio da BBC em 2022.
As
estimativas do número de armas ilegais na Sérvia variam de 200 mil a mais de um
milhão.
"São
armas remanescentes não apenas das guerras da década de 1990, mas de vários
conflitos na região ao longo do século 20", explicou Petrovic.
Apesar
das inúmeras campanhas para que cidadãos comuns entreguem suas armas, Petrovic
disse que dados de várias pesquisas mostram que "um grande número de
cidadãos não quer abrir mão das armas".
"Além
da instabilidade política, uma cultura machista contribui para isso, porque o
armamento é considerado um símbolo de status”, afirmou.
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Armas portáteis nos Bálcãs:
Sérvia
- 40 para cada 100 cidadãos;
Montenegro
- 40 para cada 100 cidadãos;
Bósnia
e Herzegovina - 31 para cada 100 cidadãos;
Macedônia
do Norte - 30 para cada 100 cidadãos;
Kosovo
- 24 para cada 100 cidadãos;
Croácia
- 2 para cada 100 cidadãos;
Albânia
- 1,5 para cada 100 cidadãos.
Ø
Após
massacre em escola, Sérvia rediscute posse de armas
O
governo da Sérvia anunciou nesta quinta-feira (04/05) a ampliação do controle
sobre posse de armas e munições, um dia após um aluno de 13 anos ter
assassinado oito colegas e um segurança e deixado outras seis pessoas feridas
em um ataque em sua escola, em Belgrado. O agressor usou duas pistolas
compradas legalmente por seu pai.
Episódios
do tipo notabilizaram-se
nos Estados Unidos e vêm se
repetindo também no Brasil. Na Sérvia, foi o primeiro atentado armado
do gênero, o que levou o presidente Aleksandar Vucic a declarar que o país
enfrentava uma das situações mais difíceis em sua história moderna.
O
ataque ocorreu em Vracar, um bairro de classe média tranquilo e silencioso. Na
manhã de quarta-feira, Kosta K. chegou à escola carregando na sua mochila duas
armas registradas em nome de seu pai, munições e coquetéis molotov. Depois de
executar o massacre, ele telefonou para a polícia e aguardou no local.
Peritos
criminais localizaram 56 invólucros de bala na área do crime. A polícia
informou que o agressor havia planejado o ataque por um mês e levava consigo um
rascunho com a disposição das salas da escola e uma lista de pessoas que seriam
mortas. Ele se manteve calmo durante o interrogatório, e está internado em uma
clínica psiquiátrica para avaliação – seus pais foram detidos.
As
vítimas fatais eram seis meninas e um menino, nascidos de 2009 a 2011. Outros
seis estudantes e um professor seguem internados – dois dos alunos, em estado
grave.
Kosta
K. era considerado um aluno quieto e com bom desempenho. Pais de diversos
alunos relataram à imprensa local que ele já havia sofrido bullying, e por esse
motivo havia mudado de sala de aula. Segundo a polícia, ele disse em seu
interrogatório que era excluído de jogos ou conversas com seus colegas, e que
isso o teria levado a cometer o crime.
·
Controle de armas e maioridade penal
Em
reação ao ataque, o Ministério do Interior afirmou em nota que irá realizar uma
ampla fiscalização "para determinar se os proprietários de armas as mantêm
de acordo com as normas em vigor, separadas de munições, e trancadas em
armários e cofres adequados".
Vucic
também disse que iria propor uma moratória de dois anos na expedição de
novas autorizações de posse de armas, exceto para aquelas usadas por caçadores.
Ele sugeriu ainda reduzir a maioridade penal para 12 anos.
A
Sérvia tem leis consideradas rigorosas para a posse de armas, mas o país está
repleto de armas não registradas que sobraram dos conflitos ocorridos na região
nos anos 1990.
·
Luto pelos mortos
A
escola onde ocorreu o ataque é considerada uma das melhores de Belgrado. Na
noite após o crime, muitos moradores foram ao local e deixaram velas e flores.
Pais compareceram com seus filhos, e pequenos grupos de estudantes se reuniam
na frente do estabelecimento e se consolavam.
"Algumas
dessas crianças [mortas] costumavam ir à minha casa e passar tempo com meu
filho", disse um pai à DW. "Depois que peguei meu filho na escola e
cheguei em casa, comecei a tremer. Em seguida, dei um sedativo ao meu filho e
deixei que ele dormisse."
·
Presidente expõe detalhes do agressor
Vucic
interveio na cobertura do caso logo após o crime, convocando uma coletiva de
imprensa e apresentando detalhes sobre a ficha médica do agressor e a renda de
seus pais – alguns veículos recusaram-se a reproduzir essas informações.
A
fala de Vucic fez parecer que Kosta K. vinha de uma família rica e não
tinha muitos amigos.
O
ministro da Educação, Branko Ruzicm, culpou em uma declaração a suposta
influência "cancerígena" dos videogames e "dos chamados valores
ocidentais" pelo crime, sem especificar o que queria dizer com isso.
"É
uma grande tragédia", disse o sociólogo Jovo Bakic à DW. "As pessoas
estão angustiadas pelo luto e pelo horror, porque qualquer um de nós poderia se
ver nessa situação, seja como vítima ou testemunha. As pessoas tentam explicar
os motivos, ao menos para se acalmarem um pouco, e então buscam culpados. Nesse
processo, as pessoas referem-se mais a si mesas quando querem 'encontrar' o
culpado", disse. Por exemplo, nacionalistas anti-Ocidente botariam a culpa
no Ocidente, a oposição, no governo, e alguns pais, nos professores.
Fonte: Global
Small Arms Survey, World Population Review/Deutsche Welle
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