sexta-feira, 10 de março de 2023


 STF repete argumento do governo Bolsonaro para negar informações sobre visitas de Marcos do Val à Corte

O Supremo Tribunal Federal (STF) negou pedidos feitos pelo GLOBO via Lei de Acesso à Informação (LAI) sobre a relação de visitantes à sede da Corte, em Brasília. Foram encaminhadas duas solicitações: primeiro, a lista com todos que passaram pela portaria do órgão entre os meses de novembro de 2022 e janeiro deste ano, com data, horário e local do prédio para onde se dirigiu; depois, os registros específicos, referentes ao mesmo período e em moldes idênticos, acerca do senador Marcos do Val (Pode-ES) — o parlamentar revelou uma trama envolvendo o ex-deputado federal Daniel Silveira e o ex-presidente Jair Bolsonaro contra o ministro Alexandre de Moraes, com quem ele diz ter se encontrado nas dependências do STF. Em ambos os casos, a Suprema Corte alegou que se tratariam de informações "protegidas pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)".

Em reunião com Bolsonaro: Daniel Silveira pediu que Marcos do Val gravasse conversa com Alexandre de Moraes

Durante o governo Bolsonaro, em diversas ocasiões, a mesma justificativa foi utilizada para não fornecer informações sobre visitas ao Palácio do Planalto. O entendimento foi empregado, sempre no contexto da LAI, para negar respostas à imprensa sobre a entrada na sede do Executivo de lobistas de armas, advogados, representantes de farmacêuticas investigados pela CPI da Covid e até dos filhos do então presidente, entre outros casos.

O quadro de distorção na ferramenta de transparência na gestão anterior levou a Controladoria-Geral da União (CGU), responsável por regulamentar e fiscalizar o cumprimento da LAI no âmbito do Poder Executivo, a emitir um parecer no início de fevereiro com uma série de diretrizes que devem sem cumpridas pelos órgãos. Uma das normas prevê que "os registros de entrada e saída de pessoas em órgãos públicos, inclusive no Palácio do Planalto, são passíveis de acesso público", salvo situações em que as visitas enquadrem-se "em hipótese legal de sigilo".

O mesmo documento também estipula que "o fundamento 'informações pessoais' não pode ser utilizado de forma geral e abstrata para se negar pedidos de acesso a documentos ou processos". Além de explicar que eventuais dados pessoais podem ser "tarjados, excluídos, omitidos ou descaracterizados", liberando o restante do material, a CGU frisou no texto que "a proteção de dados pessoais deve ser compatibilizada com a garantia do direito de acesso à informação, podendo aquela ser flexibilizada quando, no caso concreto, a proteção do interesse público geral e preponderante se impuser".

No que tange ao Poder Judiciário, o órgão equivalente à Controladoria, a quem cabe normatizar e checar o cumprimento da LAI, é o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O STF, porém, não está sujeito a essas regulamentações, tendo a prerrogativa de estabelecer as próprias resoluções acerca do tema. Ainda assim, especialistas ouvidos pelo GLOBO são unânimes ao defender que tanto a negativa ao pedido feito pela reportagem quanto a justificativa utilizada pela Corte não são contempladas pela legislação.

— O STF está sujeito ao cumprimento da LAI tanto quanto o Executivo e o Legislativo, porque a lei é clara ao estabelecer um dispositivo que impõe as mesmas regras para todos os órgãos públicos, como prazos, instâncias recursais e afins. Ainda que haja diretrizes particulares em cada esfera, elas devem seguir parâmetros similares, entre eles o principal, de que o sigilo é exceção. Neste caso específico, me parece uma interpretação muito restritiva por parte do STF, com justificativa frágil — diz Fernanda Campagnucci, diretora-executiva da Open Knowledge Brasil, que complementa: — Tanto a LAI quando a LGPD afirmam que informação pessoal pode ser concedida, sim, desde que haja interesse público.

Já Marina Iemini Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil, frisa que a negativa é mais grave no segundo caso, quando foram solicitados somente os dados relativos ao senador Marcos do Val:

— É uma figura pública fazendo uma visita a outro órgão de estado. Esse contato entre entes federativos não pode ser ocultado. Trata-se de uma informação que não poderia ser negada, menos ainda sob essa alegação de que são dados pessoais. A justificativa acaba sendo até mais sem propósito do que o uso dela pelo governo anterior, porque vem de uma Corte constitucional. O STF, mais do que ninguém, deveria aplicar isso de forma incisiva e correta.

Procurado por meio da assessoria de imprensa, o STF reiterou o conteúdo enviado pela Central do Cidadão, plataforma por onde são feitas as solicitações relacionadas à Lei de Acesso. A resposta fornecida na central cita uma resolução interna da Corte, elaborada em 2020, que prevê que "os dados cadastrais dos visitantes e usuários dos serviços do STF serão considerados informações pessoais" tanto no contexto da LAI quanto no da LGPD.

O GLOBO apresentou um recurso à negativa, frisando que "a LAI é a mesma para todos os órgãos públicos, Suprema Corte inclusa, não havendo resoluções internas que se sobreponham a ela" e ponderando que o material pode ser fornecido "omitindo apenas, com tarja ou recurso similar, informações privadas como números de documento e afins". O prazo para que o STF se posicione vai até 17 de fevereiro. Segundo a assessoria, o recurso ainda será objeto de análise.

        Encontro com Moraes no STF

Em entrevista à revista "Veja", Marcos do Val afirmou que foi convocado para uma reunião com Daniel Silveira e Jair Bolsonaro na qual o ex-deputado apresentou um plano que consistia em gravar o ministro Alexandre de Moraes sem que ele soubesse. A estratégia pretendia flagrar alguma declaração controversa de Moraes, gerando caos institucional e, em última instância, a permanência do ex-presidente no poder.

Em meio a inconsistências e muitas idas e vindas em seu relato, o senador contou ter encontrado com Alexandre de Moraes no próprio STF e que o magistrado o teria encorajado a encontrar Silveira e Bolsonaro para buscar mais informações. Moraes confirmou que esteve com Do Val, mas negou ter fornecido qualquer tipo de orientação ao parlamentar.

— Eu indaguei ao senador se ele reafirmaria isso (o conteúdo da denúncia) e colocaria no papel, que eu tomaria imediatamente o depoimento dele. O senador me disse que isso era uma questão de inteligência e que infelizmente não poderia confirmar. Então eu levantei, me despedi do senador, agradeci a presença, até porque o que não é oficial, para mim não existe — afirmou o ministro durante participação em uma conferência de negócios no dia 3 de fevereiro.

 

       Vinte juízes são alvos do CNJ por fake news e campanha nas redes

 

O plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) começará a julgar hoje uma reclamação disciplinar contra a juíza do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) Ludmila Lins Grilo, acusada de ter atacado ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em seu perfil nas redes sociais. Ela integra uma relação de 20 magistrados do país investigados pelo órgão por postagens político-partidárias. Os procedimentos citam divulgações de notícias falsas, questionamentos ao processo eleitoral, ofensas e xingamentos a candidatos e até apoio a atos golpistas.

Parte dos profissionais investigados já recebeu sanções. De acordo com um balanço atualizado do Conselho, obtido com exclusividade pelo GLOBO, além de Ludmila, outros seis juízes e quatro desembargadores tiveram suas contas nas redes sociais bloqueadas em razão de manifestações político-partidárias, no ano passado.

Em setembro, a magistrada passou a ser investigada por “conduta nas redes sociais incompatível com seus deveres funcionais”. Segundo o despacho do corregedor do CNJ, ministro Luís Felipe Salomão, Ludmila fez publicações com tom depreciativo sobre decisões do STF e da Justiça Eleitoral: “Ato autoritário é juiz abrir inquérito e figurar como vítima, investigador e julgador ao mesmo tempo. Como associada, aguardo manifestação da AMB sobre isso”, escreveu, fazendo referência ao inquérito das fake news, em andamento no Supremo, e cobrando um posicionamento da Associação dos Magistrados Brasileiros.

Em sua conta no Twitter, que era seguida por mais de 300 mil pessoas quando foi suspensa, a magistrada compartilhou uma postagem com o título “Os perseguidores-gerais da República do Brasil” e uma montagem com fotos dos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, ambos do STF. Também pesa sobre ela a “aparente tentativa de auxiliar” o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, alvo de inquéritos por disseminar desinformação e atacar integrantes da Corte. Em outro momento, a juíza chamou de “uma das maiores bizarrices da legislação eleitoral” a busca e apreensão realizada na casa do ex-juiz Sergio Moro quando ele disputava uma vaga ao Senado.

Na ocasião, Ludmila teve o perfil bloqueado por determinação do próprio Alexandre de Moraes. Atualmente, a juíza é alvo de outros processos administrativos no CNJ. Em um deles, aberto após ela veicular um conteúdo em que incentivou os seguidores a não usarem máscara sanitária em locais fechados durante a pandemia, foi mantida a pena de advertência aplicada pela Corregedoria do TJ-MG.

Também membro da Justiça estadual de Minas Gerais, o juiz Fabrício Simão da Cunha Araújo é apontado em um pedido de providências por ter supostamente levantado suspeitas sobre a segurança do sistema eleitoral, ao afirmar que “pouco ou nada podemos fazer no sentido de garantir a lisura do pleito”. Na época, trabalhava como juiz eleitoral e foi afastado das funções.

Entre os procedimentos que devem entrar nas pautas de julgamento de 2023, também há um relacionado com uma publicação feita pela desembargadora Maria do Carmo Cardoso, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), no final do ano passado. A magistrada, que mantém boas relações com a família Bolsonaro, fez uma publicação elogiando manifestações antidemocráticas realizadas na porta de unidades militares.

Do Tribunal de Justiça do Rio, o desembargador Marcelo Lima Buhatem responde a uma sindicância por ter feito diversas postagens que sugeriam “engajamento político-partidário em prol de um candidato ou desabono a outro”, de acordo com o CNJ. Na decisão, ainda é ressaltado que o magistrado fez menção positiva ao então presidente Jair Bolsonaro em nota da Associação Nacional de Desembargadores (Andes), presidida por ele. Em novembro de 2021, uma foto que mostrava Buhatem junto à comitiva de Bolsonaro em uma viagem a Dubai gerou questionamentos. Na ocasião, ele alegou que estava na cidade de férias.

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Antônio Francisco Montanagna também teve sua página no Facebook bloqueada por postagens que “carregam uma série de imagens e expressões de cunho discriminatório, com vinculação a um dos candidatos à Presidência da República”, durante o pleito eleitoral. Segundo a reclamação disciplinar do CNJ, “sobressaem indícios do propósito de desinformação e propaganda negativa, sugerindo engajamento político-partidário em prol de um candidato ou em desabono a outro”.

        Mais de 70 posts

Já a juíza do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) Rosália Guimarães Sarmento responde a duas reclamações disciplinares que também aguardam decisão do CNJ. Os procedimentos apontam que ela teria publicado mais de 70 mensagens, entre tuítes e retuítes, em outubro, declarando voto no presidente Luiz Inácio Lula da Silva e criticando Bolsonaro. Em uma das postagens, chegou a dizer que “Bolsonaro apoia o crime” e pedir que seus seguidores “votassem 13”, número de Lula.

Todos esses processos foram abertos a partir de uma portaria, assinada em setembro do ano passado por Luís Felipe Salomão. No documento, o ministro determinou que “ficam vedadas manifestações que contribuam para o descrédito do sistema eleitoral ou que gerem infundada desconfiança social acerca da Justiça, segurança e transparência das eleições”, além de canais que impulsionem esse tipo de conteúdo.

O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região afirmou que “tomou conhecimento das postagens por meio da imprensa” e que a responsabilidade sobre o conteúdo das publicações é dos magistrados. O juiz Mauro Caum Gonçalves, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), informou que não vai se pronunciar sobre o procedimento do qual é alvo. Os outros citados também foram procurados, mas não se manifestaram.

 

Fonte: O Globo/Extra

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