Raio-X do Proarmas:
conheça nomes na política, nas ruas e as principais empresas que financiam
À
época da realização do plebiscito do desarmamento, em 2005, durante o primeiro
mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como presidente do Brasil, o
armamento civil era uma pauta praticamente inexistente na sociedade brasileira
e a então irrelevante família Bolsonaro estava preocupada em comprar pistolas
.40 para as forças de segurança e esterilizar as mulheres das favelas do Rio de
Janeiro a fim de combater a violência urbana, conforme suas próprias
propagandas eleitorais do ano anterior e declarações ainda mais antigas. O
debate sobre armamentos e segurança pública ainda girava em torno do lobby vinculado
às forças de segurança e suas pautas, que por sua vez eram alimentadas pelas
ações policiais que via regra atingem o “andar de baixo” da sociedade. De lá
pra cá, muita coisa mudou nesse âmbito, e o que já era complicado, ficou ainda
pior.
Foi
naquele ano que a National Rifle Association (NRA), o principal lobby
armamentista dos EUA, chegou ao Brasil para auxiliar a campanha contrária à
entrega das armas. A ajuda dos lobbistas gringos contribuiu com a virada no
plebiscito que permitiu aos pró-armas saírem vencedores. A ajuda não foi
somente financeira, mas sobretudo retórica – apresentando uma construção de
pensamento que veio a se encaixar perfeitamente nos velhos discursos da hoje
chamada “bancada da bala” que, ao longo dos quase 40 anos de democracia formal,
vêm buscando institucionalizar o desrespeito aos direitos humanos e à própria
democracia, elaborando leis baseadas em sentenças do tipo “bandido bom é
bandido morto”.
Um
documentário publicado recentemente pela Vice News revelou esse processo e
mostrou, entre outras coisas, a semelhança discursiva. Nas cartilhas da NRA,
por exemplo, é comum vermos o argumento de que para combater estupros, basta as
mulheres estarem armadas. E bem, não faltam pesquisas que comprovam o
contrário. Mas o importante é saber que foi nesse momento, quando o velho
obscurantismo brasileiro se encontrou com os discursos pseudo libertários da
extrema direita dos EUA, que o cenário atual começou a ser desenhado.
Ao
longo de mais de uma década, entre o plebiscito de 2005 e o “liberou geral” das
armas de Bolsonaro, as duas facções armamentistas – a que foca nas forças de
segurança e a que defende o armamento civil – se confundiram no debate público
com discursos que se retroalimentavam mirando os mais pobres. A retórica puramente
reacionária passou a ser cada vez mais embalada pelas teorias conspiratórias
dos EUA traduzidas por Olavo de Carvalho em seus livros e cursos. Tais ideias e
seus efeitos práticos formariam mais adiante o imaginário e a construção de
pensamento do que hoje é conhecido como a extrema direita brasileira de maneira
mais ampla. Especificamente no tema das armas tudo se encaixava: se trabalharia
para alçar um governo de extrema-direita ao poder que, em simbiose com a
escalada de ataques à democracia e à própria República, introduziria liberações
para compra e posse de armas, expandindo um mercado com enorme potencial.
Mas
tudo isso ainda era muito vago até o ano de 2017 quando, impulsionado pela
pré-candidatura do patriarca do clã, Eduardo Bolsonaro começou a costurar os
apoios entre a extrema direita brasileira, representada politicamente pela sua
família, e a dos EUA, em especial com a NRA e toda a sua história e expertise
na defesa dos interesses armamentistas. A articulação aconteceu no contexto em
que os EUA tinham Donald Trump – e todas as suas semelhanças com o bolsonarismo
– à frente da Casa Branca.
Pois
bem, Jair Bolsonaro foi eleito em 2018 e logo no primeiro mês do seu mandato
editou uma série de decretos que revogavam o Estatuto do Desarmamento e facilitavam
a obtenção de licenças de CAC (caçador, atirados e colecionador de armas). O
resultado disso foi o país ficar repleto de armas, mais de um milhão de novas
armas em apenas 3 anos. Mas o trabalho não estava acabado e ainda era preciso
criar a versão brasileira da NRA para que mesmo no caso da queda de Bolsonaro e
sua substituição por um governo desarmamentista, a pauta seguisse viva. Foi com
esse mote que uma articulação do setor foi feita e o Proarmas foi criado em
2020. Já no primeiro turno das últimas eleições, a sua primeira enquanto
organização, o Proarmas elegeu 38 políticos entre governadores e parlamentares.
Shot
Fair 2022 revela alguns dos principais nomes do Proarmas na política e nas ruas
A
Shot Fair de Joinville é uma das maiores convenções armamentistas da América
Latina e ocorre anualmente no mês de agosto. A equipe da Vice a visitou no ano
passado em suas gravações e o tamanho do evento assustou os jornalistas, mesmo
estando acostumados com os suntuosos encontros da NRA nos EUA.
A
feira ocorreu entre 3 e 6 de agosto daquele ano. Na manhã do seu último dia, o
assim chamado ‘núcleo duro’ do Proarmas se reuniu antes de rumar para a feira.
O grupo contava com Eduardo Bolsonaro, líder de fato e mentor do Proarmas;
Marcos Pollon (PL-MS), deputado federal, fundador e presidente formal da
organização, autor do decreto de Jair Bolsonaro que flexibilizou o porte de
armas em 2019 e advogado ligado ao agronegócio; e Júlia Zanatta, a deputada
federal que ganhou os holofotes da imprensa no último final de semana após
posar com um fuzil e fazer declarações agressivas contra o presidente Lula
(PT).
Esta
última foi nomeada por Jair Bolsonaro como coordenadora da Embratur na região
Sul, e antes atuou como porta-voz do Clube de Tiro .38. Na ocasião, sua tarefa
era falar com a imprensa sobre a presença de Adélio Bispo no local, semanas
após o incidente em que Jair Bolsonaro foi esfaqueado em Juiz de Fora (MG),
durante a campanha eleitoral de 2018. Além disso, ela é ex-namorada de Tony
Eduardo, o proprietário do mesmo clube de tiro e responsável por apresentar a
família Bolsonaro a Royce Gracie e a NRA no Shot Show de Las Vegas, em 2017.
Julia
é formada em Comunicação Social e Direito. Trabalha como advogada junto com o
marido Guilherme Colombo, que também estava presente na reunião do “núcleo
duro”do Proarmas. Durante o último governo, ele também frequentou o Palácio do
Planalto, acompanhando a esposa em encontros com Jair e Eduardo Bolsonaro.
O
casal tem um escritório de advocacia em Criciúma, pelo qual Julia defendeu
Heloisa Bolsonaro – esposa de Eduardo – em processo contra a Globo. Julia, que
em mais de uma ocasião moveu processos contra jornalistas e veículos de
imprensa, seria o braço direito de Eduardo Bolsonaro e do Proarmas para
fomentar clubes de tiro no sul do Brasil. Ela se elegeu deputada federal pelo
PL-SC com apoio do Proarmas.
Com
os quatro (Marcos, Eduardo, Guilherme e Julia), no café da manhã de ‘esquenta’
para a Shot Fair 2022, ainda estava Eloir Dedonatti, um importante líder dos
caminhoneiros que ajudou a fomentar os atos golpistas tanto de 7 de setembro
como de 8 de janeiro. O sujeito é conhecido como “Padre de Bolsonaro”.
O
evento realmente só tinha estrelas do armamentismo brasileiro. Outro que estava
presente era George Washington de Oliveira Sousa, o homem preso na véspera de
Natal, em Brasília, após tentar explodir um caminhão de combustível aeronáutico
que se dirigia ao aeroporto da capital. Ele também esteve na Shot Fair e é
membro do Proarmas, mas não esteve na reunião matinal com Eduardo e companhia.
O
fato de George Washington ser membro do Proarmas não significa necessariamente
que ele tenha planejado os atos de terrorismo sob ordens da organização. Mas,
ao menos, é bastante provável que sua relação com a pauta tenha contribuído para
a formação do seu caráter extremista. Além, é claro, de explicar o arsenal
avaliado em R$ 160 mil encontrado no apartamento que alugava em Brasília
enquanto participava dos acampamentos golpistas.
Com
a palavra, o terrorista de Brasília explica seu arsenal à polícia: “Desses
itens, o único que eu não tinha licença para possuir eram as dinamites que
comprei por R$ 600 de um homem do Pará que me trouxe os explosivos quando eu já
estava em Brasília. Eu também não possuía a guia de transporte das armas e caso
fosse parado pela polícia na estrada, a minha ideia era acionar o Proarmas para
justificar a minha participação em alguma competição de tiro”.
Quem
diz que financia?
Ao
acessar o site do Proarmas, na página de “parceiros”, é possível encontrar uma
série de empresas e clubes de tiro que apoiam a iniciativa. Logo na abertura
dessa página, vemos dez logos corporativos em destaque. Entre eles está o da
Invictus, uma loja virtual de artigos militares e de caça. Em uma rápida
navegada pelas ofertas da loja, podemos encontrar desde camisetas e canecas,
até balaclavas, algemas, coldres e outros acessórios.
A
empresa chamou a atenção por haver fornecido a credencial para Eduardo
Bolsonaro frequentar a feira de armas Shot Show, realizada em Las Vegas em
janeiro de 2022. Vale ressaltar que a feira não é aberta para o público geral e
que somente é frequentada por expositores e pessoas convidadas por empresas
ligadas à indústria de armas. No Instagram, o filho Zero-Três de Jair veste a
camisa da empresa para anunciar sua presença no evento.
Após
pesquisa sobre o CNPJ da empresa no Portal da Transparência e na Receita
Federal, feita em 17 de março de 2023, descobrimos que a loja funciona sob o
guarda-chuva da R Brands Ltda. e que um dos seus sócios é Guilherme Cavalieri Granzinolli.
Em 2021, como representante da empresa União Suprimentos Militares Ltda. (que
mais tarde mudaria de nome para R Brands Ltda.), ele assinou um contrato de
venda de bonés e cintos para a Câmara Federal num valor superior a R$ 37 mil. O
curioso é que o contrato é resultado de um processo de licitação aberto pela
Polícia Rodoviária Federal, que incluiu produtos para a Policia Legislativa da
Câmara Federal. Vale mencionar que no mesmo processo de licitação outras
polícias foram incluídas, como a Policia Federal e a Policia Militar.
Em
decisão do Tribunal de Contas de União que pede a suspensão da licitação por
suspeita de irregularidades, além de Guilherme, José Geraldo Granzinolli e
Filipe Lima Barros também são apontados como sócios da União Suprimentos
Militares Ltda. São os mesmos nomes encontrados tanto no Portal da
Transparência como na Receita.
Ainda
de acordo com o Portal da Transparência, a loja virtual de artigos militares
que figura como um dos principais apoios do Proarmas recebeu, ao todo, R$
145.842.708,61 do Governo Federal. Há apenas dois contratos, de 2017 – fechados
com o Ministério da Defesa – antes de iniciada a jornada de Jair Bolsonaro no
Palácio do Planalto. Outros dois contratos anteriores ao mandato, de 2018,
foram celebrados no contexto da transição, ou seja, após Bolsonaro já ter sido
eleito.
A
questão que se impõe a esta altura tem menos a ver com possíveis
irregularidades ou ilegalidades em licitações e mais a ver com a própria
articulação política do bolsonarismo em torno do Proarmas. Afinal de contas, R$
145 milhões parece ser muito dinheiro para ser gasto, sem precedentes, com uma
loja online de roupas e acessórios com estampas militares. Há, todavia, e
devido ao seu apoio declarado e destacado ao Proarmas e ao clã Bolsonaro, uma
pergunta a ser respondida: Seriam os sócios da Invictus – e de outras empresas
aparentemente pequenas que apoiam o Proarmas e fecharam contratos com o governo
anterior – financiadores de campanhas do clã Bolsonaro?
Além
da Invictus, também constam com destaque máximo na página de parceiros do
Proarmas outras 10 empresas. A primeira é a famosa fabricante de armamentos
Glock Perfection. Em seguida, vem a Springfield Armory, uma rede de lojas de
armas dos EUA que já tem seus representantes no Brasil e a DFA Defense, empresa
que alega ter trazido ao país a produção de armas de alta qualidade para defesa
pessoal.
Completam
a lista a loja de acessórios Dr. Feeder; a revendedora de munição para fuzil
Rifle Ammunition; as lojas de armamentos CZ e
QGK Tactical; as lojas de artigos e acessórios Clarus Tactical e Bélica;
e a Morigi Bullets que produz e vende munição de alta precisão.
Somam-se
às principais empresas apoiadoras as lojas Smart Shoot Brasil, Tactical
Weapons, Best Value Arms, Central do Tiro, Az de Espadas, LOR – Armas e
Acessórios, Tapiri – Caça e Pesca, Mahrte, Casa Braço de Prata, Sucuri
Tactical, Falcon Armas e Casa Esporte.
Entre
os clubes de tiro que apoiam a causa, há três que aparecem com maior destaque:
o CSB Clube Shot Brasil, que possui cinco unidades no Estado de São Paulo; o
G16 Universidade de Tiro e Caça, que está com o site fora do ar; e o BASE
Armalite, localizado em Itu e que, assim como a cidade do interior paulista,
tem mania de grandeza e se declara o maior da América Latina..
Em
destaque secundário aparecem os clubes de tiro Visão Clube e Clube de Tiro
Ferrolho. Os demais clubes de tiro que apoiam o Proarmas são: Guerra – Armas e
Munições, CTH Mutante, Clube de Tiro & Armeria de Itajaí, 1911 Shooting
Club, Clube de Tiro Cartucho e Clube de Tiro Cowboys.
Outro
lado; Atualização [24/03/2023]
Enviamos
ao SAC da R. Brands / Invictus, na última terça-feira (21), quando esta matéria
foi publicada, alguns questionamentos pertinentes à apuração. A empresa
respondeu nesta sexta-feira (24), por meio de uma representante.
A
empresa negou ter sido a fornecedora das credenciais de Eduardo Bolsonaro no
Shot Show de Las Vegas realizado em janeiro de 2022. “Esta informação não
procede”, disse a representante.
Também
negou expressamente que os sócios da R. Brands/Invictus sejam financiadores de
campanha da família Bolsonaro. Além disso, afirmou que dados das compras
governamentais são públicos e estão disponíveis no Portal da Transparência.
Fonte:
Fórum
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