Governo Lula: tensão ou estabilidade?
A
atividade política se desenvolve por uma série de pares antinômicos que se
combinam em graus variados a depender de cada conjuntura e dos conflitos que
ela abriga. A tensão (instabilidade) e a estabilidade são dois termos que
constituem um desses pares antinômicos. O Brasil vive um longo momento, de dez
anos, no qual a tensão e a instabilidade preponderam de forma significativa
sobre a estabilidade.
Muitas
vezes as tensões e o aguçamento dos conflitos produzem resultados positivos ao
proporcionarem equilíbrios entre os grupos em conflito e boas leis. Mas não é o
caso deste longo momento de instabilidade do Brasil. O que vem se produzindo é
um processo de degradação institucional, de agravamento da crise econômica e
social, de aumento da pobreza, de depredação de direitos e de perda de sentido
de futuro.
Bolsonaro
escolheu a tensão e a instabilidade como o modus operandi e o modus vivendi de
seu governo. Agrediu a democracia, erodiu as instituições, destruiu as
políticas públicas, instabilizou o país politicamente, resultando na tentativa
de golpe. Fez uma opção estratégica em favor da instabilidade em detrimento da
estabilidade.
Lula,
durante a campanha, acertadamente, sustentou a defesa da tese de que o futuro
governo deveria se caracterizar pela estabilidade e previsibilidade. A
prevalência da estabilidade sobre a instabilidade e da previsibilidade sobre o
sentido caótico e instável imprimido por Bolsonaro se visualizou como condição
de sucesso do governo Lula e de retomada de um caminho mais auspicioso para o
futuro do Brasil.
Em
que pese a diretriz clara de Lula, o governo não proporcionou ainda uma
inflexão clara dos rumos no sentido da estabilidade e da previsibilidade. Um
dos empecilhos se deve à tentativa de golpe do 8 de janeiro e de suas
consequências. Embora o governo, de modo geral, tenha feito o jogo certo junto
com os demais poderes da República, evidentemente, existem ainda muitas mazelas
e entulhos que precisam ser superados. Em certo sentido, o governo soube tirar
proveito da tentativa de golpe, estreitando relações com o Congresso e com o
Judiciário e avançando na construção de uma base de apoio. Mas tudo isso
encontra limites impostos pela natureza da composição política do Congresso e
dos custos a pagar para formatar uma base de apoio mais sólida.
O
outro foco de tensão vem pelo lado da economia. Essa tensão vem sendo provocada
por alguns fatores. Por um lado, a campanha do PT e o governo de transição
produziram um déficit de previsibilidade ao não deixarem claro quais seriam as
medidas econômicas a ser implementadas no início do governo. Em parte, esse
déficit foi reduzido pelas sinalizações corretas que o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, vem emitindo.
Mas
as sinalizações de Haddad não conseguirem ainda estabilizar as tensões e as
apreensões de vários agentes econômicos. Por um lado, porque falta uma
definição maior de qual será a política fiscal, lembrando que a
responsabilidade fiscal é condição necessária para uma incisiva política
social.
Em
segundo lugar porque no entorno do governo e em dirigentes do PT existem
posturas e proposições que mais geram tensões e incertezas do que estabilidade.
É certo que o PT não deve se confundir com o governo. Mas é certo também que se
o PT não foi o principal sustentáculo do governo no Congresso e na sociedade,
não existirão condições políticas e morais de cobrar fidelidade de qualquer
outro partido.
Os
inícios dos governos Lula de 2003 e de 2023 têm muitas diferenças e algumas
semelhanças. Uma das semelhanças mais notável é quanto às expectativas e incertezas
sobre os rumos da economia. A dura e correta política de ajuste fiscal adotada
no início do primeiro governo Lula sofreu restrições em setores do PT. O então
presidente do partido, José Genoino, agiu com diálogo e firmeza para alinhar a
posição do partido com a política econômica do governo. Isto evitou o
agravamento das incertezas.
Hoje
parece não acontecer a mesma convergência. Isto é perigoso, pois pode agravar o
momento de instabilidade do governo na condução da política econômica. Num
momento em que ainda existem sombras do golpismo, a presidente do PT, Gleisi
Hoffmann, deu uma declaração temerária à imprensa, referindo-se ao presidente
do Banco Central; “Ter mandado não significa ser imexível”.
Gleisi,
como tantos outros políticos e o próprio Lula, também têm mandatos. A fonte
legitimadora desses mandatos vem diretamente do povo. A fonte legitimadora do
mandato do presidente do Banco Central é indireta. Ela tem a mesma natureza da
fonte legitimadora do mandato dos ministros do STF: indicação do presidente da
República e aprovação pelo Senado. Declarações desse tipo, nesse momento, não
contribuem para a estabilidade que o governo tanto precisa. Pelo contrário:
aumentam as tensões.
É
legítimo e neste momento correto questionar a exorbitante taxa de juros
praticada pelo BC. Mas a preocupação com a inflação também deve estar na agenda
do governo, pois e ela que erode imediatamente os salários e tira comida da
mesa dos trabalhadores. O grupo de alimentos & bebidas terminou 2022 com um
aumento de 21,9%. Os mais pobres são os mais afetados por esse aumento absurdo.
A discussão sobre a autonomia do BC não está
posta e é contraproducente: produz os efeitos contrários às intenções. Faz as
taxas de juro do mercado, o preço do dólar e produz queda na Bolsa. Quer dizer:
não contribui para criar um ambiente favorável aos investimentos, algo
necessário para a retomada da economia e dos empregos.
A
conduta dos políticos deve conduzir-se pela ética da responsabilidade, medindo
as previsíveis consequências de suas palavras e ações e assumindo as
consequências do que é dito ou feito. Quando se fala ou se age por pura
convicção, muitas vezes se produz efeitos contrários à intenção inicial. Um
político pode falar quase tudo o que quiser, mas nem sempre deve falar tudo o
que pensa e o que quer. Este é um preceito de prudência e de responsabilidade.
Bolsonaro disse e fez quase tudo o que quis e produziu um desastre monumental.
Foi um dos presidentes mais desgraçados do Brasil.
Neste
momento, marcado por dificuldades políticas, econômicas e sociais a prudência e
a responsabilidade recomendam que a máxima-guia a conduzir o governo seja
aquela defendida por Lula durante a campanha: estabilidade e previsibilidade.
Se esta máxima não nortear a conduta do governo e de sua base de apoio, o risco
de insucesso não é pequeno. Não há uma correlação de forças favorável no
Congresso e na sociedade para adotar uma estratégia de tensionamento
recorrente. As tensões devem ser seletivas e focadas em pontos fundamentais das
agendas social, ambiental e econômica. É preciso ter coragem para adotar as
medidas duras e necessárias para que o povo, em breve tempo, possa colher os
frutos para satisfazer suas demandas urgentes.
Ø
Brasil,
o país dos cartéis. Por Luis Nassif
Há
uma longa luta pela frente, para dotar a economia de um mínimo de legitimidade
social. O episódio das Americanas trouxe à tona os malefícios da concentração
econômica das últimas décadas. O padrão Americanas – de fazer capital de giro
em cima de atraso de pagamentos para fornecedores – é uma constante na
economia, especialmente em setores cartelizados. Acontece com grandes
hospitais, com planos de saúde.
No
começo da abertura econômica, pelo menos até início dos anos 2000, antes se
viam grandes empresas procurando levar princípios de gestão a seus
fornecedores, especialmente pequenos e médios. Mesmo o governo Collor teve
iniciativas louváveis como a Câmara da Indústrias Automobilística, juntando
montadoras, centrais sindicais, fornecedores, trabalhando em cima de um mesmo
objetivo, de fortalecer a cadeia produtiva do setor.
Com
o tempo, essas boas práticas se esboroaram. O padrão vencedor passou a ser o da
3G, com sua tática de ver as empresas apenas como geradoras de valores
imediatos, matando seu futuro, sua manutenção em troca de resultados de curto
prazo.
Foi
isso que levou ao assalto ao Estado brasileiro a partir do impeachment. O mesmo
padrão dos biliardários russos e ucranianos, aproveitando momentos de trauma
político para saquearem o Estado, adquirindo estatais por preços subavaliados e
passando a exercer monopólios privados.
No
Brasil de hoje, a cada dia que passa mata-se a possibilidade do pequeno
empreendedorismo, o pequeno comércio, gerador de empregos e laboratório para
futuras grandes empresas.
Matou-se
a farmácia individual com o avanço das grandes redes de drogarias. E, em cima
da cegueira cúmplice do CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico),
desde os escândalos da formação da Ambev, quando funcionários públicos
irresponsáveis, como Gesner de Oliveira e Milton Seligman aprovaram a operação,
permitindo o esmagamento da rede de distribuidores da Antárctica.
Haverá
a necessidade de fortalecer o papel dos órgãos que atuam no setor – como o
Sebrae – e de uma ampla limpeza nas agências reguladoras. O CADE continua um
escândalo. É só ver sua total anomia em relação ao pacto de grandes fabricantes
e grandes redes de supermercados, que articulam suas promoções e espaços em
gôndolas, matando qualquer possibilidade de competição das médias empresas.
Na
outra ponta, cometeu o ato escandaloso de “obrigar” a Petrobras a vender suas
refinarias, a pretexto de instituir a competição no comércio de derivados. É um
dado falso, já que cada refinaria é monopolista em sua área de atuação, pelos
custos de transporte para viabilizar competição com outras refinarias. Mesmo
assim, aceitou-se.
Um
dos pontos a serem aprimorados é no nível de conhecimento do Supremo Tribunal
Federal em relação a temas econômicos. Recentemente, a insuspeita Ministra Rosa
Weber votou a favor da manutenção dos incentivos fiscais em Manaus para
concentrados de guaraná. É um subsídio indecente, porque o fabricante não
apenas não paga o IPI, mas fica com crédito para compensar na etapa seguinte,
quando a produção é em outro estado.
A
Ministra aprovou a manutenção do IPI sob o argumento de que a Zona Franca é uma
prioridade nacional, para ajudar a desenvolver a região. Os concentrados de
guaraná representam menos de 0,9% da força de trabalho. Mas o incentivo –
somado ao sobrepreço praticado – permitiram à Coca Cola e à Ambev esmagar a
concorrência das empresas menores. Na conta total nacional, ajudaram a
desempregar pessoas, quebrar empresas e não pagar impostos.
Julgamentos
com tais desdobramentos não podem ser efetuados sem audiencias públicas. O
próprio STF aprovou a venda de subsidiárias da Petrobras, sem a necessidade de
autorização do Congresso. Quem votou de boa fé nessa proposta não tinha a menor
ideia sobre a lógica das empresas petrolíferas, na qual a integração de
atividade é essencial.
Nem
se fale de temas mais simples, como o homeschooling (a permissão para famílias
educarem os filhos em casa). Pai da votação no STF, o ministro Luís Roberto
Barroso não tinha a menor ideia sobre os abusos que são cometidos em famílias e
o fato da escola ser a única forma de defesa dos filhos abusados. Na ignorância
crassa que tomou conta de muitas cabeças, no período do impeachment, passou a
tratar o ultraliberalismo como medida para todas as decisões. A esta altura, já
deve ter se dado conta de que apenas repetia os princípios da ultradireita
americana, importados pelo olavismo e bolsonarismo.
O
grande nó é que as informações sobre temas complexos chegam aos Ministros pela
porta da grande mídia – que padece de enormes dificuldades para entender temas
complexos e trata todos os temas com a visão primário de que toda sorte de
liberalismo e desregulação é virtuoso.
Em
suma, para o Brasil começar a ter níveis mínimos de civilidade, há que se abrir
uma discussão muito mais ampla do que o bolsonarismo explícito de Roberto
Campos Neto.
Ø
Banco
Central se isenta de responsabilidade sobre origem de ouro comercializado no
País. Por Camila Bezerra
Em
resposta à intimação do ministro Gilmar Mendes,
sobre a situação do garimpo ilegal na Amazônia, o Banco Central
respondeu em nota não ter responsabilidade sobre a origem do ouro
comercializado no Brasil, em especial o relacionado ao garimpo ilegal.
De
acordo com a instituição, as utilizações do ouro são divididas em três
categorias: mercadoria, ativo financeiro e instrumento cambial, pois a “atuação
do Banco Central é voltada somente ao ouro ativo financeiro, o qual passa a ser
considerado a partir de sua aquisição por um Posto de Atendimento contratado
por uma instituição financeira (antigo Posto de Compra de Ouro – PCO), mesmo
que ainda se encontrando em estado bruto”.
A
instituição reitera ainda que “a extração do ouro e todas as demais ações como
transporte, refino ou comércio, enquanto não adquirido por instituição
financeira, não são objeto de ação do Banco Central”.
·
Ação
Com
o objetivo de estabelecer a inconstitucionalidade da Lei Federal 12.844/2013 no
Supremo Tribunal Federal (STF), que reduz a responsabilidade das Distribuidoras
de Valores Mobiliários (DVM) sobre a compra de ouro e sua respectiva origem, a
ação foi protocolada por Vera Motta, secretária de Assuntos Jurídicos do
Partido Verde (PV).
“Mas
o Banco Central dividiu que quem trabalha com o objeto é a Agência Nacional de
Mineração. O banco só é responsável pelos títulos emitidos e que, quanto a
isso, não tem nenhuma responsabillidade”, explica Vera.
Nos
próximos passos do processo, a assessora do PV acredita que Gilmar Mendes deve
intimar a Agência Nacional de Mineração a respeito da resposta do Banco
Central.
A
assessora almeja ainda mudanças das regras de comercialização do ouro e de
outros minérios no País, a fim de evitar o desmatamento da Amazônia e suas
consequentes atrocidades, não só à fauna e à flora, mas a invasão de terras
indígenas que quase extinguiu os povos Yanomami.
“O
que temos aí são denúncias, né? Um que denuncia o outro, que denuncia o outro,
que denuncia o outro. Por isso, pedimos para cancelar a autorização de todas as
concessões autorizadas pela legislação. Tem de ter um novo critério de
legalização e até quantificação [do ouro], a utilização da questão do mercúrio.
Tem de ter uma lei nova”, finaliza Vera Motta.
·
Denúncias
Apesar
do posicionamento, o Banco Central comprou, em maio de 2021, 11,7 toneladas de
ouro. No mês seguinte, foram adquiridas mais 41,8 toneladas do metal, seguidas
de 8,5 toneladas em julho daquele ano. A soma das aquisições, além de ser a
maior quantidade desde 2000, corresponde a R$ 39 bilhões.
A
Folha de S. Paulo denunciou ainda que Dirceu Santos Frederico Sobrinho,
ex-filiado do PSDB, responde pela posse de uma carga de 77 quilos de ouro
apreendida pela Polícia Federal em maio.
Fonte:
Por Aldo Fornazieri, no Jornal GGN
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