quinta-feira, 9 de março de 2023


 Governo Lula: tensão ou estabilidade?

A atividade política se desenvolve por uma série de pares antinômicos que se combinam em graus variados a depender de cada conjuntura e dos conflitos que ela abriga. A tensão (instabilidade) e a estabilidade são dois termos que constituem um desses pares antinômicos. O Brasil vive um longo momento, de dez anos, no qual a tensão e a instabilidade preponderam de forma significativa sobre a estabilidade.

Muitas vezes as tensões e o aguçamento dos conflitos produzem resultados positivos ao proporcionarem equilíbrios entre os grupos em conflito e boas leis. Mas não é o caso deste longo momento de instabilidade do Brasil. O que vem se produzindo é um processo de degradação institucional, de agravamento da crise econômica e social, de aumento da pobreza, de depredação de direitos e de perda de sentido de futuro.

Bolsonaro escolheu a tensão e a instabilidade como o modus operandi e o modus vivendi de seu governo. Agrediu a democracia, erodiu as instituições, destruiu as políticas públicas, instabilizou o país politicamente, resultando na tentativa de golpe. Fez uma opção estratégica em favor da instabilidade em detrimento da estabilidade.

Lula, durante a campanha, acertadamente, sustentou a defesa da tese de que o futuro governo deveria se caracterizar pela estabilidade e previsibilidade. A prevalência da estabilidade sobre a instabilidade e da previsibilidade sobre o sentido caótico e instável imprimido por Bolsonaro se visualizou como condição de sucesso do governo Lula e de retomada de um caminho mais auspicioso para o futuro do Brasil.

Em que pese a diretriz clara de Lula, o governo não proporcionou ainda uma inflexão clara dos rumos no sentido da estabilidade e da previsibilidade. Um dos empecilhos se deve à tentativa de golpe do 8 de janeiro e de suas consequências. Embora o governo, de modo geral, tenha feito o jogo certo junto com os demais poderes da República, evidentemente, existem ainda muitas mazelas e entulhos que precisam ser superados. Em certo sentido, o governo soube tirar proveito da tentativa de golpe, estreitando relações com o Congresso e com o Judiciário e avançando na construção de uma base de apoio. Mas tudo isso encontra limites impostos pela natureza da composição política do Congresso e dos custos a pagar para formatar uma base de apoio mais sólida.

O outro foco de tensão vem pelo lado da economia. Essa tensão vem sendo provocada por alguns fatores. Por um lado, a campanha do PT e o governo de transição produziram um déficit de previsibilidade ao não deixarem claro quais seriam as medidas econômicas a ser implementadas no início do governo. Em parte, esse déficit foi reduzido pelas sinalizações corretas que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vem emitindo.

Mas as sinalizações de Haddad não conseguirem ainda estabilizar as tensões e as apreensões de vários agentes econômicos. Por um lado, porque falta uma definição maior de qual será a política fiscal, lembrando que a responsabilidade fiscal é condição necessária para uma incisiva política social.

Em segundo lugar porque no entorno do governo e em dirigentes do PT existem posturas e proposições que mais geram tensões e incertezas do que estabilidade. É certo que o PT não deve se confundir com o governo. Mas é certo também que se o PT não foi o principal sustentáculo do governo no Congresso e na sociedade, não existirão condições políticas e morais de cobrar fidelidade de qualquer outro partido.

Os inícios dos governos Lula de 2003 e de 2023 têm muitas diferenças e algumas semelhanças. Uma das semelhanças mais notável é quanto às expectativas e incertezas sobre os rumos da economia. A dura e correta política de ajuste fiscal adotada no início do primeiro governo Lula sofreu restrições em setores do PT. O então presidente do partido, José Genoino, agiu com diálogo e firmeza para alinhar a posição do partido com a política econômica do governo. Isto evitou o agravamento das incertezas.

Hoje parece não acontecer a mesma convergência. Isto é perigoso, pois pode agravar o momento de instabilidade do governo na condução da política econômica. Num momento em que ainda existem sombras do golpismo, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, deu uma declaração temerária à imprensa, referindo-se ao presidente do Banco Central; “Ter mandado não significa ser imexível”.

Gleisi, como tantos outros políticos e o próprio Lula, também têm mandatos. A fonte legitimadora desses mandatos vem diretamente do povo. A fonte legitimadora do mandato do presidente do Banco Central é indireta. Ela tem a mesma natureza da fonte legitimadora do mandato dos ministros do STF: indicação do presidente da República e aprovação pelo Senado. Declarações desse tipo, nesse momento, não contribuem para a estabilidade que o governo tanto precisa. Pelo contrário: aumentam as tensões.

É legítimo e neste momento correto questionar a exorbitante taxa de juros praticada pelo BC. Mas a preocupação com a inflação também deve estar na agenda do governo, pois e ela que erode imediatamente os salários e tira comida da mesa dos trabalhadores. O grupo de alimentos & bebidas terminou 2022 com um aumento de 21,9%. Os mais pobres são os mais afetados por esse aumento absurdo.

 A discussão sobre a autonomia do BC não está posta e é contraproducente: produz os efeitos contrários às intenções. Faz as taxas de juro do mercado, o preço do dólar e produz queda na Bolsa. Quer dizer: não contribui para criar um ambiente favorável aos investimentos, algo necessário para a retomada da economia e dos empregos.

A conduta dos políticos deve conduzir-se pela ética da responsabilidade, medindo as previsíveis consequências de suas palavras e ações e assumindo as consequências do que é dito ou feito. Quando se fala ou se age por pura convicção, muitas vezes se produz efeitos contrários à intenção inicial. Um político pode falar quase tudo o que quiser, mas nem sempre deve falar tudo o que pensa e o que quer. Este é um preceito de prudência e de responsabilidade. Bolsonaro disse e fez quase tudo o que quis e produziu um desastre monumental. Foi um dos presidentes mais desgraçados do Brasil.

Neste momento, marcado por dificuldades políticas, econômicas e sociais a prudência e a responsabilidade recomendam que a máxima-guia a conduzir o governo seja aquela defendida por Lula durante a campanha: estabilidade e previsibilidade. Se esta máxima não nortear a conduta do governo e de sua base de apoio, o risco de insucesso não é pequeno. Não há uma correlação de forças favorável no Congresso e na sociedade para adotar uma estratégia de tensionamento recorrente. As tensões devem ser seletivas e focadas em pontos fundamentais das agendas social, ambiental e econômica. É preciso ter coragem para adotar as medidas duras e necessárias para que o povo, em breve tempo, possa colher os frutos para satisfazer suas demandas urgentes.

 

Ø  Brasil, o país dos cartéis. Por Luis Nassif

 

Há uma longa luta pela frente, para dotar a economia de um mínimo de legitimidade social. O episódio das Americanas trouxe à tona os malefícios da concentração econômica das últimas décadas. O padrão Americanas – de fazer capital de giro em cima de atraso de pagamentos para fornecedores – é uma constante na economia, especialmente em setores cartelizados. Acontece com grandes hospitais, com planos de saúde.

No começo da abertura econômica, pelo menos até início dos anos 2000, antes se viam grandes empresas procurando levar princípios de gestão a seus fornecedores, especialmente pequenos e médios. Mesmo o governo Collor teve iniciativas louváveis como a Câmara da Indústrias Automobilística, juntando montadoras, centrais sindicais, fornecedores, trabalhando em cima de um mesmo objetivo, de fortalecer a cadeia produtiva do setor.

Com o tempo, essas boas práticas se esboroaram. O padrão vencedor passou a ser o da 3G, com sua tática de ver as empresas apenas como geradoras de valores imediatos, matando seu futuro, sua manutenção em troca de resultados de curto prazo.

Foi isso que levou ao assalto ao Estado brasileiro a partir do impeachment. O mesmo padrão dos biliardários russos e ucranianos, aproveitando momentos de trauma político para saquearem o Estado, adquirindo estatais por preços subavaliados e passando a exercer monopólios privados.

No Brasil de hoje, a cada dia que passa mata-se a possibilidade do pequeno empreendedorismo, o pequeno comércio, gerador de empregos e laboratório para futuras grandes empresas.

Matou-se a farmácia individual com o avanço das grandes redes de drogarias. E, em cima da cegueira cúmplice do CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico), desde os escândalos da formação da Ambev, quando funcionários públicos irresponsáveis, como Gesner de Oliveira e Milton Seligman aprovaram a operação, permitindo o esmagamento da rede de distribuidores da Antárctica.

Haverá a necessidade de fortalecer o papel dos órgãos que atuam no setor – como o Sebrae – e de uma ampla limpeza nas agências reguladoras. O CADE continua um escândalo. É só ver sua total anomia em relação ao pacto de grandes fabricantes e grandes redes de supermercados, que articulam suas promoções e espaços em gôndolas, matando qualquer possibilidade de competição das médias empresas.

Na outra ponta, cometeu o ato escandaloso de “obrigar” a Petrobras a vender suas refinarias, a pretexto de instituir a competição no comércio de derivados. É um dado falso, já que cada refinaria é monopolista em sua área de atuação, pelos custos de transporte para viabilizar competição com outras refinarias. Mesmo assim, aceitou-se.

Um dos pontos a serem aprimorados é no nível de conhecimento do Supremo Tribunal Federal em relação a temas econômicos. Recentemente, a insuspeita Ministra Rosa Weber votou a favor da manutenção dos incentivos fiscais em Manaus para concentrados de guaraná. É um subsídio indecente, porque o fabricante não apenas não paga o IPI, mas fica com crédito para compensar na etapa seguinte, quando a produção é em outro estado.

A Ministra aprovou a manutenção do IPI sob o argumento de que a Zona Franca é uma prioridade nacional, para ajudar a desenvolver a região. Os concentrados de guaraná representam menos de 0,9% da força de trabalho. Mas o incentivo – somado ao sobrepreço praticado – permitiram à Coca Cola e à Ambev esmagar a concorrência das empresas menores. Na conta total nacional, ajudaram a desempregar pessoas, quebrar empresas e não pagar impostos.

Julgamentos com tais desdobramentos não podem ser efetuados sem audiencias públicas. O próprio STF aprovou a venda de subsidiárias da Petrobras, sem a necessidade de autorização do Congresso. Quem votou de boa fé nessa proposta não tinha a menor ideia sobre a lógica das empresas petrolíferas, na qual a integração de atividade é essencial.

Nem se fale de temas mais simples, como o homeschooling (a permissão para famílias educarem os filhos em casa). Pai da votação no STF, o ministro Luís Roberto Barroso não tinha a menor ideia sobre os abusos que são cometidos em famílias e o fato da escola ser a única forma de defesa dos filhos abusados. Na ignorância crassa que tomou conta de muitas cabeças, no período do impeachment, passou a tratar o ultraliberalismo como medida para todas as decisões. A esta altura, já deve ter se dado conta de que apenas repetia os princípios da ultradireita americana, importados pelo olavismo e bolsonarismo.

O grande nó é que as informações sobre temas complexos chegam aos Ministros pela porta da grande mídia – que padece de enormes dificuldades para entender temas complexos e trata todos os temas com a visão primário de que toda sorte de liberalismo e desregulação é virtuoso.

Em suma, para o Brasil começar a ter níveis mínimos de civilidade, há que se abrir uma discussão muito mais ampla do que o bolsonarismo explícito de Roberto Campos Neto.

 

Ø  Banco Central se isenta de responsabilidade sobre origem de ouro comercializado no País. Por Camila Bezerra

 

Em resposta à intimação do ministro Gilmar Mendes,  sobre a situação do garimpo ilegal na Amazônia, o Banco Central respondeu em nota não ter responsabilidade sobre a origem do ouro comercializado no Brasil, em especial o relacionado ao garimpo ilegal.

De acordo com a instituição, as utilizações do ouro são divididas em três categorias: mercadoria, ativo financeiro e instrumento cambial, pois a “atuação do Banco Central é voltada somente ao ouro ativo financeiro, o qual passa a ser considerado a partir de sua aquisição por um Posto de Atendimento contratado por uma instituição financeira (antigo Posto de Compra de Ouro – PCO), mesmo que ainda se encontrando em estado bruto”.

A instituição reitera ainda que “a extração do ouro e todas as demais ações como transporte, refino ou comércio, enquanto não adquirido por instituição financeira, não são objeto de ação do Banco Central”.

·         Ação

Com o objetivo de estabelecer a inconstitucionalidade da Lei Federal 12.844/2013 no Supremo Tribunal Federal (STF), que reduz a responsabilidade das Distribuidoras de Valores Mobiliários (DVM) sobre a compra de ouro e sua respectiva origem, a ação foi protocolada por Vera Motta, secretária de Assuntos Jurídicos do Partido Verde (PV).

“Mas o Banco Central dividiu que quem trabalha com o objeto é a Agência Nacional de Mineração. O banco só é responsável pelos títulos emitidos e que, quanto a isso, não tem nenhuma responsabillidade”, explica Vera.

Nos próximos passos do processo, a assessora do PV acredita que Gilmar Mendes deve intimar a Agência Nacional de Mineração a respeito da resposta do Banco Central.

A assessora almeja ainda mudanças das regras de comercialização do ouro e de outros minérios no País, a fim de evitar o desmatamento da Amazônia e suas consequentes atrocidades, não só à fauna e à flora, mas a invasão de terras indígenas que quase extinguiu os povos Yanomami.

“O que temos aí são denúncias, né? Um que denuncia o outro, que denuncia o outro, que denuncia o outro. Por isso, pedimos para cancelar a autorização de todas as concessões autorizadas pela legislação. Tem de ter um novo critério de legalização e até quantificação [do ouro], a utilização da questão do mercúrio. Tem de ter uma lei nova”, finaliza Vera Motta.

·         Denúncias

Apesar do posicionamento, o Banco Central comprou, em maio de 2021, 11,7 toneladas de ouro. No mês seguinte, foram adquiridas mais 41,8 toneladas do metal, seguidas de 8,5 toneladas em julho daquele ano. A soma das aquisições, além de ser a maior quantidade desde 2000, corresponde a R$ 39 bilhões.

A Folha de S. Paulo denunciou ainda que Dirceu Santos Frederico Sobrinho, ex-filiado do PSDB, responde pela posse de uma carga de 77 quilos de ouro apreendida pela Polícia Federal em maio.

 

Fonte: Por Aldo Fornazieri, no Jornal GGN

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